Há indicações que atingimos o fundo do poço no segundo trimestre, mas,
mesmo com números fortes na indústria e varejo, a recuperação deve ser lenta, expressa
na volta aos níveis do começo deste ano apenas em 2021. Embora a renda perdida
tenha sido reposta, talvez com sobra, o aumento da poupança limita a velocidade
do consumo.
Os
números de atividade sugerem que o fundo do poço parece ter ficado em abril ou
maio, sendo que alguns deles registraram um forte rebote, como no caso do
varejo (20% de aumento sobre abril), ou da produção industrial (12%). A reação,
principalmente no mercado financeiro, foi de certa “euforia”, na falta de
melhor palavra, até certo ponto compartilhada pelo BC. No relatório Focus
a mediana das projeções para o crescimento do PIB de 2020, que chegou a bater
-6,5%, subiu para -6,1% na semana passada, indicando menor pessimismo com
relação ao impacto da crise sanitária na economia.
Já
eu permaneço cauteloso acerca da intensidade da recuperação, pelo menos em
comparação à maioria dos analistas. Embora alguns dados de maio tenham sido
impressionantes, não há como relevar a magnitude do estrago observado no mês
anterior.
Um
exemplo pode ajudar a compreender meu ponto. A produção de veículos automotores,
ajustada à sazonalidade, se encontrava em 217 mil unidades em fevereiro,
exatamente antes da crise, caindo para pouco menos de 4 mil (3,7 mil para ser
exato) em abril, ou seja, virtual paralisação do setor naquele mês.
Já
em maio a produção subiu para 45 mil unidades, aumento de quase 1200%, taxa jamais
observada, mas que representava, na verdade, apenas 1/5 da produção de
fevereiro. Mesmo subindo para mais de 100 mil unidades em junho (aumento de
125%!), ainda não chegamos à metade do que era produzido pré crise.
O
mesmo padrão, obviamente nem de perto tão pronunciado quanto no caso da indústria
automobilística, pode ser observado no caso dos indicadores abaixo, a saber, a
produção manufatureira (indústria, exceto a extrativa mineral) vendas no
varejo, produção de serviços, emprego (PNAD) e, por fim, o IBC-Br, síntese da
atividade estimada pelo BC.
Indicadores
de atividade (Fev-20 = 100)
|
Nível de atividade
|
Meses para retorno @
|
||||
|
Fev/20
|
Abr/20
|
Mai/20
|
1,0%
|
2,0%
|
4,0%
|
Produção manufatureira
|
100,0
|
69,3
|
77,7
|
25
|
13
|
6
|
Vendas no varejo
|
100,0
|
71,0
|
84,9
|
17
|
8
|
4
|
Serviços
|
100,0
|
82,0
|
81,2
|
21
|
11
|
5
|
Emprego PNAD
|
100,0
|
89,5
|
88,7
|
12
|
6
|
3
|
IBC-Br
|
100,0
|
85,0
|
86,1
|
15
|
8
|
4
|
Fontes:
IBGE e BCB (PNAD mensalizada dessazonalizada pelo autor)
Como
se vê, no conjunto da obra, o crescimento de maio, apesar dos recordes na
indústria e varejo, ficou muito aquém do suficiente para recolocar a atividade a
níveis próximos dos observados antes da crise, permanecendo os indicadores entre
22% e 11% abaixo do registrado em fevereiro.
Para
ilustrar o desafio à frente simulei o número de meses necessários para voltar
aos níveis vigentes naquele mês supondo taxas de crescimento médias de 1% ao
mês (12,7% ao ano), 2% ao mês (26,8% ao ano), e 4% ao mês (60% ao ano).
Mesmo
sob a suposição de taxas elevadas de crescimento, dificilmente a economia se
recuperaria até o final deste ano; o mais provável seria retornar ao que
vigorava em fevereiro ao longo de 2021, dependendo, é claro, do indicador (um
pouco mais cedo para o emprego; um tanto mais tarde para a indústria, por exemplo).
O
dado curioso nesta história é o comportamento da renda disponível. De acordo
com a PNAD, a renda do trabalho rodava próxima a R$ 218 bilhões/mês no começo
do ano, caindo para pouco menos de R$ 207 bilhões em maio, redução apreciável
de R$ 11 bilhões. Todavia, os números divulgados pelo Tesouro Nacional mostram
que as transferências relativas ao auxílio emergencial (coronavoucher) e
o complemento de salário para quem teve jornada reduzida atingiram R$ 47,5
bilhões naquele mês, bem acima da perda de renda estimada pelo IBGE.
Isso
sugere aumento da poupança, embora não possamos ainda dizer se seria um fenômeno
voluntário (dado que o auxílio governamental não permanecerá indefinidamente),
ou involuntário (já a epidemia e o distanciamento social reduzem a oportunidade
para consumo além do essencial).
No
primeiro caso a recuperação do consumo seria mais modesta, visto que os
beneficiários “espalhariam” ao longo dos meses os recursos recebidos até que as
perspectivas de renda futura melhorem. Já no segundo, o consumo tenderia a
voltar mais rapidamente, uma vez que a crise sanitária fosse superada. De qualquer
forma, porém, ainda se trata de recuperação que demandará muitos meses para
voltar à estaca zero.
Vale
dizer, mesmo considerando – como considero – que haverá recuperação à frente,
ou seja, terceiro trimestre melhor que o segundo e o quarto provavelmente
melhor que o terceiro, permaneceremos por um longo período operando bem abaixo
dos níveis que vigoravam no final do ano passado e começo deste ano.
Ao
final, nossa visão sugere poucos riscos do lado inflacionário, reforçando a percepção
que há espaço para a redução adicional da taxa de juros, como aliás, indicado
pelos modelos do BC, ao menos aqueles ainda compartilhados com o distinto
público.
(Publicado 15/Jul/2020)