É mentira que as
despesas da dívida pública representem metade do gasto do governo, muito embora
seja repetida à exaustão por candidatos que se dizem entendedores de economia,
como Ciro Gomes. O truque empregado por quem quer propagar a lorota consiste em
jogar no mesmo balaio o gasto com juros da dívida e o pagamento de amortizações,
transações que têm natureza fundamentalmente distinta.
Para entender isto
considere o seguinte exemplo (roubado, confesso, de Eduardo Gianetti). Muitos
dos leitores (assim como eu) em algum momento de suas vidas alugaram um lugar
para morar e pagaram ao proprietário pelo uso do imóvel. Este desembolso
comprometeu parcela de sua renda.
Imagino também que, por
vários motivos, inquilinos se mudaram e, claro, entregaram ao locatário o
imóvel que vinham usando. Nenhum de nós, porém, considerou que devolver o
imóvel alugado tenha sido uma despesa que consumiu parte da nossa renda. Nem
deveria, porque não faz o menor sentido tomar como gasto o mero retorno de algo
não é seu.
O pagamento de
amortizações da dívida não é distinto da devolução do imóvel: o governo apenas
retorna ao proprietário aquilo que não é seu, ou seja, dinheiro que tomou
emprestado no passado para custear o excesso de despesas sobre suas receitas.
A diferença é apenas
uma questão de prazo: o imóvel é devolvido ao final do contrato; já a dívida mobiliária
federal tem prazo médio ao redor de 48 meses, ou seja, a cada ano cerca de um
quarto da dívida precisa ser quitada. Isto é feito pela troca dos papagaios que
vencem naquele ano por novos que vencerão dali a alguns anos, processo que é
conhecido como rolagem da dívida. Como a dívida federal é da ordem de R$ 3,7
trilhões, o governo precisa rolar pouco mais de R$ 900 bilhões a cada ano.
O gasto primário (isto
é, sem juros) do governo federal atingiu R$ 1,34 trilhão nos
12 meses até abril, enquanto o gasto com juros chegou a R$ 380 bilhões no mesmo período. O
truque é somar aos gastos de verdade (1,34 + 0,38 = 1,72 trilhão) as
amortizações, o que dá um total de R$ 2,6 trilhões. Aí considera-se o pagamento
de juros e amortizações (R$ 1,3 trilhão) como “gasto financeiro” e temos uma cascata
com aparência de verdade, embora seja, à luz do exemplo acima, tão falsa quanto
somar o valor do apartamento devolvido como parte das despesas da família.
Por outro lado, o
argumento também ignora os gastos dos demais níveis de governo, isto é, estados
e municípios. No conjunto da obra o governo geral gastou no ano passado
nada menos do que R$ 3,1 trilhões, algo como 47% do PIB, dos quais o gasto com
juros representou pouco menos do um quinto do total.
Posto de outra forma,
as despesas com juros consomem R$ 1,00 de cada R$ 5,00 gastos pelo governo em
seus três níveis. Não é pouco, mas fica muito aquém do número repetido pelos
ciros e similares, o que nos leva à seguinte pergunta: trata-se de ignorância
ou má-fé?
Em certo sentido a
resposta é irrelevante: ambas as alternativas são muito ruins, mas, se alguém
estiver interessado na minha opinão, eu diria ser uma mistura equilibrada das
duas.
Isto dito, é notável
como nenhum dos economistas ligados ao candidato se manifestou acerca desta
óbvia falsidade. Como imagino não ser por ignorância, adicionamos à má-fé outra
possibilidade: a covardia, evidente no pavor de contrariar o chefe.
(Publicado 13/Jun/2018)
15 comentários:
As informações contábeis do Ministério da Fazenda mostram números coerentes, com receitas, transferências, despesas não financeiras e despesas financeiras.
Mas na lei orçamentária de 2017 (LOA - anexo 1) aparecem receitas de capital(o que é isso?) e refinanciamento da dívida pública. Tudo somado como receita.
Depois, no anexo 2 o refinanciamento da dívida aparece como despesa. E o valor de mais de 900 bi certamente inclui amortizações.
E aparentemente é essa contabilidade confusa que é enviada ao congresso para aprovação.
Quem deseja confundir tem munição farta.
Alex,
Vc deve tá feliz pra caramba que o doido resolveu dar uma trucada na entrevista da Jovem Pan e te chamou de economista da banca.
Na próxima coluna prepare um puta golpe nesse ridículo pq ninguém aguenta mais aquele presunçoso de merda.
abs
O paralelo com a devolução do imóvel não é bom.
Imagine que o inquilino tenha destruído completamente o imóvel (de maneira que o seguro não cubra), e na hora de devolvê-lo ao proprietário, precise pagar o valor total do imóvel.
Nesse caso, o custo que o inquilino tem não são apenas os aluguéis e taxas.
Esse sim é um paralelo adequado. Não do ponto de vista contábil, mas prático.
Se em algum momento houver uma crise de rolagem da dívida interna, a União não tem o "imóvel" para devolver ao "proprietário". E se juros e amortizações somam 50% do orçamento, isso é que terá de ser pago.
Entendo o que Ciro quer dizer: em caso de crise da dívida interna, o tamanho da bronca é 50% do orçamento.
"Entendo o que Ciro quer dizer"
E você não tem vergonha disto?
Risos...
Ciro é o que sobrou de esperança para quem, como eu, tinha esperança de voltar a crescer com a presidência de Lula
"Ciro é o que sobrou de esperança para quem, como eu, tinha esperança de voltar a crescer com a presidência de Lula"
Como diz o velho ditado: quem é burro pede a Deus que o mate e ao Diabo que lhe carregue
Você ironiza, mas Ciro é sim o mais preparado para a economia, não sendo possível ser o Lula. Quem é mais competente que ele, Marina? Bolsonaro? Manuela? Alckmin? Pra mim, é ele. Inclusive, acho que o candidato entrar nesse momento é muito arriscado, dadas as condições fiscais.
“Ciro é sim o mais preparado para a economia”
E sou quem ironizo?
Ok, você é doutor em economia e eu sou leigo, então vou ouvir sua visão, nem que seja para entender se há um ponto de vista válido por trás. Mas veja que eu coloquei uma medida comparativa, ele seria o que mais entende. Complementei a pergunta com "Quem é mais competente que ele, Marina? Bolsonaro? Alckmin?" Qual dos demais candidatos com chances viáveis tem melhor conhecimento em economia que Ciro? Estou desconsiderando os Paulo Rabelo e Amoedo.. Meirelles talvez entenda (embora a agenda o torne deletério), mas tem chance zero, então não o estou incluindo.
"Qual dos demais candidatos com chances viáveis tem melhor conhecimento em economia que Ciro?"
Um chimpanzé tem melhor conhecimento de economia que o Ciro Gomes e, de quebra, é bem mais honesto
Os três são melhores que o Ciro. Mas ainda acho que o presidente não precisa ser um especialista em economia. O que importa é a equipe economica dele e suas boas intenções.
Ciro é que restou, é ele ou a soltura do Lula.. Eu pessoalmente entendo que ele seja um candidato muito preparado, mas entendo que muitas pessoas, especialmente do mercado e de visão mais capitalista não queira falar no nome dele. Porém, o nome de Bolsonaro é bem aceito, e eu creio que ele é pior que o tal chimpanzé em economia.. Mas, dirão muito, tem o "Paulo Guedes".. mas o Paulo Guedes não é o candidato. Está aí o Temer mostrando que passa por cima da equipe econômica havendo razões políticas (greve dos caminhoneiros).
Vocês acham realmente que a volta de Lula não seria a melhor opção? Ele não é irresponsável economicamente, pelo menos não foi no seu governo. Ele (na verdade acho que o Meirelles) até ajustava os juros pela curva teórica, coisa que a Dilma não fez e gerou distorções indesejáveis. Naquela época havia superávit e havia construção de reservas cambiais, havia aumento consistente de exportações e havia crescimento do mercado de trabalho.. Eu acho que muitas pessoas acabam negligenciando os fatos duros nesta análise e atingindo máximos locais ao invés de buscar os máximos globais.
Só complementando, sobre o assunto específico do post, não estou concordando nem discordando se a rolagem é despesa ou não. Mas este debate deve ser feito, idealmente durante a campanha.
A questão do juro básico,
a independência do banco central,
o tamanho do estado na economia,
a utilização por canetada de isenções setoriais,
de incentivos fiscais,
o perdão de dívidas de impostos,
a recriação da CPMF ou outros impostos,
a tributação dos dividendos, e etc,
são assuntos que mereceriam debate sério, detalhado e desapaixonado.
Alex, lendo o que respondes para os lunáticos do bolivarianismo econômico, eu só posso hipotecar a ti o meu mais profundo e irrestrito apoio, embora, é claro, não precises disso. Ciro é horrível em economia - e também no resto. Não pare, Alex, não pare.
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