Corria há pouco nas
redes sociais (não sigo o bom exemplo do Hélio Schwartsman e perco muito do meu
tempo nelas) debate acerca da natureza do nazismo: seria este um regime de
direita ou de esquerda? Tratava-se, porém, de pergunta tão estúpida (os
comunistas alemães da época poderiam respondê-la sem dificuldade, caso não
tivessem sido massacrados pelos nazistas) que não desperdicei minha atenção com
aquilo.
Ainda sim, a discussão
em si levanta uma questão interessante. Não falta quem primeiro defina sua
posição no espectro político (“direita” ou “esquerda”) e, a partir daí, decida
o que apoiar no campo das escolhas: pró ou contra o aborto, liberalização das
drogas, ensino do criacionismo, etc.
Esta postura me parece
ser ainda mais estúpida do que o debate anterior: a escolha do que ser acreditamos
ser certo ou errado é que caracteriza nosso posicionamento político, não o
contrário.
Isto pode parecer um
tanto abstrato, mas ficará, creio, mais claro se imaginarmos apenas duas
dimensões de escolha: no campo dos costumes e no campo econômico. Para manter
as coisas simples, definamos dois tipos de indivíduos no que diz respeito aos
costumes: pode ser um “careta” ou um “porraloca”. Da mesma forma, suponhamos
também dois tipos de pessoas no que se refere às suas preferências acerca da
política econômica: “liberais” e “quermesseiros”.
Há nuances, claro, mas quero
crer que esses termos sejam suficientes para caracterizar as principais
escolhas de política econômica, contra e favor de maior intervenção estatal,
preferências sobre carga tributária e gasto público, integração comercial e
financeira com o resto do mundo, etc.
Por mais que possa
haver uma correlação positiva entre “caretas” e “liberais” (bem como entre
“porralocas” e “quermesseiros”), deve ser óbvio que outras combinações não são
apenas possíveis, mas também prováveis. E, se colocarmos outras dimensões de
escolha, muitas outras combinações serão possíveis.
Isso dito, basta um
mínimo de esforço de pesquisa histórica para notar que no Brasil, regimes que
seriam inequivocamente considerados de “direita”, como, por exemplo, o governo
Geisel (bom, sei lá: alguém pode começar a debater no Facebook se o velho
general era, na verdade, um comunista enrustido), patrocinaram uma política
econômica extraordinariamente intervencionista, marcada pelo dirigismo estatal,
aumento do gasto público, bem como uma política agressiva de substituição de
importações, de cujas consequências ainda não nos livramos inteiramente.
Também não é necessário
ir muito longe para concluir que um político de “direita”, como Jair Bolsonaro
compartilha de uma visão econômica muito próxima do geiselismo (aliás, Dilma Rousseff
também), transparente em sua atuação parlamentar, declarações mercantilistas,
restrição à participação de capital estrangeiro em eventuais privatizações,
etc.
Sim, li as propostas do
coordenador do seu programa econômico, mas num mundo em que mesmo nos EUA a
pessoa que deveria supostamente conter os exageros do presidente renunciou precisamente
por falhar na missão, só muita ingenuidade justificaria a crença que o domador
é capaz de jantar o urso, quando toda experiência histórica sugere que quem
costuma se dar bem é, advinhem, o urso…
(Publicado 21/Mar/2018)