Estou convencido que brincamos com fogo. Desde que foram divulgadas as gravações revelando facetas “pouco republicanas” (para usar a hipocrisia da moda) da administração Temer, a chance de levar adiante as reformas necessárias, principalmente no que se refere ao lado fiscal, se reduziu extraordinariamente. Ainda assim, a reação do mercado financeiro (não necessariamente da economia) tem sido quase nula.
O dólar se estabilizou
ao redor de R$ 3,30 (comparado a R$ 3,10 em meados de maio) e a bolsa tem
ficado mais perto dos 60 mil pontos do que dos 70 mil que estavam ao alcance
quando a atual crise política eclodiu. Por outro lado, a taxa de juros para um
ano retornou aos patamares pré-crise, enquanto as taxas mais longas se
encontram cerca de meio ponto percentual acima do registrado logo antes do
episódio Joesley. Um observador que houvesse dormido durante as últimas quatro
semanas teria dificuldade para inferir os percalços da atual administração
apenas a partir dos preços de mercado.
No entanto, o problema
é bem mais sério do que os preços sugerem. Apesar da histeria sobre o teto de
gastos (o “fim do mundo”), a verdade é que o
ajuste fiscal que deriva de sua aplicação é muito gradual. Não se vislumbram,
por exemplo, saldos positivos nas contas públicas até o início da próxima
década (sem aumento de impostos), e a dívida só pararia de crescer mais rápido
do que o PIB em horizonte ainda mais largo.
Essencial, contudo,
para esta estratégia é a aprovação da reforma previdenciária e a continuidade
dos esforços na área fiscal. Em trabalho recente, a Instituição Fiscal Independente (que vem produzindo
pesquisa de excelente qualidade), indica que, sem a reforma da previdência, a
margem fiscal (o que sobra depois das despesas obrigatórias) desapareceria por
volta de 2022. Deve ser óbvio, contudo, que bem antes disto (2019? 2020?) o
governo federal deixaria de ser operacional.
Engana-se, portanto,
quem acredita que a reforma possa ser postergada até a posse do próximo governo.
Essa postura supõe em primeiro lugar que a nova administração seja simpática às
reformas, o que está longe de ser óbvio. No entanto, mesmo que isso seja
verdadeiro, o tempo entre assumir e aprovar as reformas provavelmente não será
suficiente para evitar que o setor público se torne inviável.
Não se conclui daí que
cessarão os serviços federais: o elo mais fraco da corrente é o teto para o
gasto, que em tal cenário não sobreviveria, independentemente de estar inscrito
na constituição. O mesmo Congresso que o aprovou cuidará de revogá-lo e a
estratégia de ajuste fiscal de longo prazo será irremediavelmente comprometida.
Assim, tal como no fim
do governo Dilma, teríamos uma administração incapaz de lidar com o endividamento
crescente e as preocupações com a sustentabilidade da dívida retornariam ainda
maiores.
Segundo Jared Diamond, sociedades entram em
colapso quando não conseguem identificar um problema a tempo, ou, mesmo
identificando-o, não dispõem dos meios para lidar com ele, ou ainda quando não
conseguem se organizar politicamente para resolvê-lo, embora conseguindo
identificá-lo e dispondo de meios para tanto.
O Brasil se parece cada
vez mais com o terceiro caso, mas poucos parecem se preocupar com isto.
(Publicado 21/Jun/2017)