Amélia emprestou R$ 1
mil a Bento por um ano, cobrando 10% de juros, mas passou a ter dúvidas sobre
sua capacidade de pagamento. Uma amiga, Cristina, lhe ofereceu então o seguinte
negócio: caso Bento furasse, Cristina pagaria por ele; em troca da garantia,
cobraria de cara 7% do valor do empréstimo, ou seja, R$ 70.
Assim, em caso de
calote, Amélia receberia o valor do empréstimo (R$ 1 mil), menos o que pagou a
Cristina, ficando com R$ 930; caso contrário, receberia o principal e juros, R$
1.100, o que, deduzindo o pagamento da proteção, chegaria a R$ 1.030. Já
Cristina receberia R$ 70, mas, se Bento aprontasse, teria que pagar R$ 1 mil
para Amélia, amargando um prejuízo de R$ 930.
Parece um negócio ruim
para Cristina, mas depende crucialmente da sua percepção da probabilidade de Bento
dar o calote. Suponha que seja 5%. Neste caso ela ganharia R$ 70 com 95% de
chance e perderia R$ 930 com 5% de chance, isto é, um ganho esperado de R$ 20
(0,95 x 70 - 0,05 x 930).
Na verdade, qualquer
probabilidade de calote inferior a 7% traria ganhos esperados, enquanto
qualquer probabilidade superior a 7% implicaria perdas esperadas. (Ignoramos,
por simplicidade, qualquer avaliação de como Cristina lida com risco). Caso
houvesse um mercado grande de amigos de Amélia dispostos a vender seguro contra
o calote de Bento o valor cobrado refletiria a percepção de mercado sobre a chance
de levar o cano, ou seja, sob concorrência o ganho esperado deverá ser zero.
Este mercado existe. Há
quem venda proteção contra calotes de países e empresas, cobrando uma taxa por
isto, que, conforme argumentado acima, reflete, entre outras coisas, a
percepção do risco de não pagamento, por este motivo chamada de “prêmio de risco”.
Em particular, no final
da semana passado o prêmio de risco do Brasil (para um período de cinco anos)
caiu abaixo de 3% ao ano pela primeira vez desde agosto de 2015, depois de
chegar a mais do que 5% em fevereiro deste ano. Houve, portanto, uma
reavaliação considerável da percepção de risco da dívida brasileira, muito
embora ainda permaneça bem mais alta do que a observada para países sérios da
América Latina, como Chile, Colômbia, Peru, ou México.
Posto de outra forma, a
avaliação predominante sugere que o problema ainda é grave, embora menos do que
parecia ser no começo do ano. Em que pesem fatores globais, que ajudaram a
maioria dos países, há razões para crer que a maior parte deste movimento
resultou da mudança de política econômica por parte da nova administração, em
especial o tratamento das contas públicas para reverter o aumento persistente
da dívida relativamente ao PIB.
O governo promete retomar a
trajetória de superávits primários a partir de 2019, de modo a atingir os
valores necessários para este objetivo. O nó da questão, como notado por Samuel Pessôa, é que a atual
estratégia, embora possa render frutos, requer disciplina por muitos anos, ao
longo dos quais teremos que torcer para que o resto do mundo continue a
demonstrar paciência com nossa abordagem gradualista.
Concretamente, sem
medidas adicionais do lado do gasto, muito possivelmente a dívida só fará a
inflexão após 2020-2022 (senão depois). Ou tratamos de avançar mais rápido, ou a
sorte será a única alternativa que nos restará.
(Publicado 20/Jul/2016)