quinta-feira, 28 de maio de 2015
quarta-feira, 27 de maio de 2015
Leda no País das Maravilhas
Leda Paulani reclama
que eu e Samuel Pessôa tentamos desqualificá-la em nossos comentários à sua entrevista ao Valor
Econômico. Absurdo, porque desnecessário. O excesso de adjetivos e a
falta de dados de seu artigo na Folha
cumprem esta tarefa com muito mais zelo que qualquer um de nós poderia imprimir.
A questão central,
porém, é outra. Leda, exceção feita ao desequilíbrio das contas externas,
parece acreditar que não havia nenhum problema real com a economia brasileira
nos últimos anos. Afirmar o contrário seria “terrorismo econômico”.
Ela, por exemplo, não
demonstra qualquer preocupação com a piora das contas fiscais no Brasil a
partir de 2009, que culminou com um déficit equivalente a 6,7% do PIB. Em outra entrevista questiona se é caso de
se inquietar com uma dívida pública que, na média dos últimos quatro anos,
ficou em 57% do PIB.
Deveria ser óbvio, mas
esta média poderia representar tanto um país cuja dívida se manteve estável,
como outro cuja dívida decresceu no período. No entanto, ela representa, na
verdade, o Brasil, que viu sua dívida saltar de 52% para 62% do PIB entre 2010
e 2015, ritmo que deveria preocupar qualquer economista que conheça um pouco da
nossa história.
Isto dito, não resta
dúvida que a política econômica adotada no Brasil pelo menos desde 2011 seguiu
muito de perto o receituário dos economistas de esquerda.
Houve forte expansão
fiscal que, como já mostrei aqui, não resultou de redução de tributos, mas da
elevação dos gastos: em 2014 o governo federal gastou (a preços de hoje) R$ 210
bilhões a mais do que gastara em 2010. Medido como proporção do produto,
trata-se de aumento ao ritmo de 0,7% do PIB por ano, simplesmente o mais rápido
desde o início da série em 1997.
O BC reduziu a Selic
para 7,25% ao ano (pouco menos de 2% ao ano descontada a inflação). Os bancos
públicos, liderados pelo BNDES, aumentaram o volume de crédito, no caso deste
alimentado por recursos públicos, ou seja, pela elevação da dívida do governo.
Diga-se, aliás, que a
maior parte destes empréstimos serviu como instrumento para um aumento
considerável da intervenção estatal na economia, também na linha defendida por
Leda e demais economistas de esquerda.
Por fim, de 2011 a
meados de 2013 houve esforço visível, seja pela compra de dólares, seja por
medidas administrativas, para desvalorizar a moeda.
Este conjunto de
políticas – aumento do gasto, corte do juro, desvalorização da moeda,
intervencionismo – deu com os burros n’água.
Não acelerou o
crescimento (pelo contrário, há razões para crer que o intervencionismo ajudou
a reduzir o ritmo de expansão da produtividade).
Não conseguiu manter a
inflação baixa; apenas inferior ao limite de 6,5% à custa de mais intervenção,
seja nos preços administrados, seja na taxa de câmbio a partir de 2013.
Não evitou a piora das
contas externas; ao contrário, a acelerou ao tentar promover o crescimento da
demanda doméstica em uma economia desprovida de qualquer folga de produção.
Apesar disto, Leda e seus
colegas acreditam que estávamos no País das Maravilhas. A mudança recente de
política econômica revela, porém, que nem a presidente consegue mais confiar no
Chapeleiro Maluco. Passa, e muito, da hora de acordarem do sonho.
The dream is over |
(Publicado 20/Mai/2015)
quarta-feira, 20 de maio de 2015
Nem bom, nem mau; só feio.
Nos western spaghetti, gênero que produziu
algumas obras-primas, nada supera o momento do duelo em que oponentes se
encaram longamente, na tentativa de antecipar o momento em que o outro vai
sacar o Colt do coldre. A câmara
salta de um rosto a outro, olhos semicerrados, expressão tensa, o braço uma
mola à beira da explosão.
Já na Europa, palco
destes filmes, o duelo parece surpreendentemente tranquilo. A Grécia e seus
parceiros da Zona do Euro caminham para o enfrentamento aparentemente
relaxados. Relaxados demais, na verdade.
O governo de extrema esquerda (Syriza), que assumiu o poder na Grécia no começo deste ano, fez uma aposta ousada: reverteu boa parte do ajuste que havia sido feito pela administração anterior em nome da soberania grega, mas, ao mesmo tempo, ainda quer tomar emprestado de seus credores algo como € 7,5 bilhões nos próximos meses.
Seu ministro das
Finanças, Yanis Varoufakis, um especialista em Teoria dos Jogos, parece ter
partido da crença que os credores estariam dispostos a tudo para impedir que a
Grécia deixasse o euro.
Fosse a Grécia o único
país a enfrentar problemas, o pressuposto poderia até estar correto. Apesar,
porém, de sua especialidade, Varoufakis provavelmente se equivocou em sua
avaliação de quanto os credores imaginam ter a perder num cenário de saída da
Grécia (Grexit) relativamente ao
custo de ceder às pressões helenas.
Por um lado, os
credores não aparentam estar particularmente preocupados com as consequências
de um calote grego, já que a exposição dos bancos europeus à dívida grega foi significativamente
reduzida, atenuando um dos canais de transmissão da crise. Por outro, temem que
novas concessões à Grécia acabem por levar a movimentos similares por parte de
outros países em condições semelhantes, solapando seu esforço em prol da
austeridade fiscal.
Assim, as propostas
gregas têm sido solenemente rejeitadas desde o início do processo, indicando
que o país não teria acesso aos novos desembolsos sem se comprometer com o
mesmo processo de ajuste que o Syriza
prometera jamais adotar. Desde então se perderam meses em discussões sem
avanços substantivos e se aproxima a hora em que a Grécia, cujas contas fiscais
só pioram, há de ficar sem recursos para servir sua dívida. Daí para o Grexit a distância é perigosamente
modesta.
Isto dito, a atitude blasé dos credores soa insensata. É
verdade que o canal bancário de transmissão da crise foi reduzido, mas, ainda
assim, a saída do euro por parte de um seus membros revelaria que a moeda única
é um contrato muito mais fraco do que se acredita, apenas mais uma instância de
taxas fixas de câmbio, cujo histórico de abandono é para lá de extenso.
Isto tenderia a
recolocar pressões sobre os elos mais fracos da corrente europeia, com
consequências inimagináveis para o projeto mais ousado deste século caso mais
um ou dois destes elos também se rompam.
Já para a Grécia, ao
menos no curto prazo, a recessão seria provavelmente ainda maior do que a
vivida até este momento. Em que pese a possibilidade de retorno do crescimento
à frente, este dano seria também irreparável.
Não há como saber o
resultado do duelo, mas me acalmaria caso os participantes se mostrassem um tanto
mais preocupados.
(Publicado 13/Mai/2015)
quarta-feira, 13 de maio de 2015
Além do horizonte
O ministro da Fazenda
estabeleceu como meta fiscal para este ano um superávit primário na casa de R$
66 bilhões para o conjunto do setor público (União, estados, municípios e
empresas estatais). Ao fim do primeiro trimestre, porém, período em que
tipicamente se acumula pouco mais de um terço do resultado anual, o saldo
primário atingiu apenas R$ 19 bilhões, inferior ao necessário para chegar à
meta e também o pior desempenho nos primeiros meses do ano desde 1998.
É verdade que parte das
medidas propostas para a melhora das contas públicas ainda não havia entrado em
vigor naquele momento, como também parece ter havido esforço no sentido de
“limpar” a contabilidade, reconhecendo despesas que, de fato, haviam ocorrido
no ano passado. Ainda assim, à vista do observado até agora, há riscos ponderáveis
de descumprimento da meta.
Em condições como as
que vigoravam há alguns anos a geração de saldos na casa de R$ 16 bilhões por
trimestre não seria um grande desafio. No entanto, as condições mudaram, e para
pior. Medidas a preços de hoje, as despesas correntes do governo federal – para
as quais há informação atualizada – saltaram de R$ 822 bilhões em 2010 para R$
1,012 trilhão no ano passado, aumento de R$ 190 bilhões.
Ao analisarmos as
contas do governo federal no primeiro trimestre, entretanto, observamos que não
houve qualquer redução das despesas correntes; pelo contrário, estas cresceram
R$ 5,4 bilhões. A modesta queda do dispêndio total se deu pelo corte do
investimento, reduzido em R$ 7 bilhões.
Isto não é novidade.
Qualquer analista das contas públicas brasileiras sabe que, em face da enorme
rigidez orçamentária, o aumento da despesa corrente é virtualmente impossível
de ser revertido em prazos curtos. Assim, a irresponsabilidade fiscal dos
últimos quatro anos impõe um custo enorme hoje: sem poder reduzir a despesa
corrente, hipoteca-se o futuro.
Isto deve ser lançado
na conta do ex-ministro da Fazenda e seu secretário do Tesouro, sem dúvida, mas
trata-se principalmente de débito da presidente, que não apenas assistiu de
camarote a piora expressiva das contas públicas, como foi também mentora “intelectual” deste
processo.
As dificuldades do presente são reflexo do passado.
A lição, contudo, não
foi aprendida. Não faltam representantes da mesma
escola que nos colocou nesta situação, mais do que delicada, para pontificar
sobre os custos do ajuste fiscal, que, convenhamos, está longe de ser o
mais audacioso da história do país. Na cabeça destes economistas a imensa
expansão fiscal dos últimos anos, que transformou superávits primários de mais
de 3% do PIB em déficit de 0,6% do PIB parece jamais ter acontecido. Nem o
salto da dívida pública, de 52% para 62% do PIB, é motivo de qualquer
preocupação.
Para atacar estes temas
é preciso ir além da gestão de caixa. Temos que retomar propostas de ajuste de
longo prazo que permitam reduzir de forma permanente o gasto, ao invés de
preparar o terreno para nova rodada de aumentos de impostos. O desafio é claro;
o que não é clara é a disposição do governo para enfrentá-lo.
E
o ajuste fiscal nos levará de volta ao canibalismo...
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(Publicado 06/Mai/2015)
quarta-feira, 6 de maio de 2015
Imunização racional
Meu amigo e colega
colunista, Samuel Pessôa, foi mais rápido do que eu e comentou com precisão a entrevista de Leda Paulani, ex-secretária de
Planejamento de São Paulo, ao Valor Econômico, em particular seu
pasmo face às diferenças entre o Brasil e o Japão. Mas o material é vasto e
mesmo o Samuel não esgotou o fértil veio da entrevista, interessante porque
reveladora das teses do “pensamento econômico” de esquerda no país.
A começar porque
insiste no lengalenga que atribui a piora de desempenho do Brasil entre 2011 e 2014
à desaceleração internacional. Como já mencionei aqui, porém, o crescimento global
médio nestes anos foi de 3,6% aa, segundo o FMI, um pouco acima dos 3,5% aa
observados nos 4 anos anteriores; já o crescimento brasileiro caiu de 4,5% aa
para 2,1% aa no mesmo período (graças à revisão da metodologia do PIB, sem o que
a média atingiria 1,6% aa).
Sim, preços de commodities caíram, particularmente em
2014, mas permaneceram bem acima daqueles registrados, por exemplo, no primeiro
governo Lula, de modo que não se apresentam como bons candidatos para explicar
a deterioração de performance de 2010 para cá. Pelo contrário, este fenômeno,
como notado pelo Samuel, tem raízes domésticas, em larga medida provocadas pela
alteração de política econômica.
O desconhecimento dos
dados não para por aí. O que Paulani chama de “investir um pouco (sic) em
gastos públicos, mas menos do que deveria” equivale a 2,7% do PIB a mais de
despesa primária federal, aumento de R$ 207 bilhões a preços de hoje, a maior
expansão fiscal registrada desde que estes números começaram a ser compilados.
Apesar disto, Paulani
atribui o problema ao aumento do gasto com juros, embora este se limite a R$ 66
bilhões, lembrando que boa parte disto reflete o subsídio ao BNDES, assim como as
perdas associadas à desastrada intervenção do BC no mercado de câmbio (R$ 17,3
bilhões apenas em 2014).
Já inflação, superior a
6% ao ano no período, apesar do controle dos preços, não merece mais que breve
citação, sugerindo que resulta dos altos e baixos (volatilidade) da taxa de
câmbio, a ser tratada com controles de capitais.
Aliás, a proposta de
Paulani para a política econômica é “controle de fluxo de capitais, redução de
taxa de juros” e “manter a taxa de câmbio num nível elevado”, ao que se
somaria, pelas declarações anteriores, um aumento adicional do gasto público,
já que este cresceu “menos do que deveria”.
Aí me pergunto em que
universo Paulani viveu nos últimos quatro anos. O que ela chama de “aporte
totalmente diferente” nada mais é do que a exata repetição da política
econômica em vigor no primeiro governo Dilma, devidamente apelidada de “nova
matriz macroeconômica”.
Houve controles de
capitais, o BC interveio ativamente no mercado de câmbio, a taxa de juros foi
reduzida agressivamente e o governo gastou como nunca. Os resultados estão aí,
na forma de crescimento medíocre, dívida crescente, inflação elevada e
desequilíbrios severos nas contas externas. O “pensamento” de esquerda está
totalmente imunizado contra a realidade.
Yeah... |
(Publicado 29/Abr/2015)