Muito embora acompanhe há
algum tempo as contas fiscais brasileiras e tenha me tornado bastante crítico da
piora observada nesta dimensão, estaria mentindo para os 18 fiéis se dissesse
não ter sido surpreendido com o péssimo balanço do setor público (união,
estados, município e empresas estatais, exceto Petrobras e Eletrobras) registrado
em setembro.
Naquele mês houve déficit
primário (isto é, sem contabilizar o pagamento de juros) pouco superior a R$ 9
bilhões, o pior já registrado para o período desde que começamos a medir nosso
desempenho fiscal. Assim, mesmo considerando se tratar de mês complicado, em
que parcela do 13º salário dos aposentados é antecipada, não há dúvida que a
deterioração se estendeu muito além da questão sazonal, ao contrário da
justificativa dos (ir)responsáveis pelo fraco resultado.
Aliás, observamos estes
nada honrosos recordes em quatro dos últimos doze meses, indicação clara que a
piora não é uma questão pontual. Não é por acaso que o resultado (oficial)
acumulado nos 9 primeiros meses de 2013, superávit equivalente a 1,3% do PIB, é
o mais baixo dos últimos 15 anos, apesar do uso crescente de receitas
extraordinárias (tipicamente concessões e dividendos) para “engordar” o saldo
fiscal.
“Limpo” destes truques, o
superávit primário dos últimos 12 meses corresponde a meros 0,7% do PIB,
distância considerável da média superior a 3% do PIB registrada no período
2003-2008, assim como da observada entre 2009 e 2012 (1,6% do PIB).
Os dados também permitem
concluir que, embora estados e municípios não sejam totalmente inocentes, a
principal parcela da deterioração fiscal resulta do desempenho do governo
federal, cujo superávit (“limpo”) caiu de uma média superior a 2% do PIB de
2003 a 2008 para apenas 0,4% do PIB nos últimos 12 meses.
A razão para isto não é
arrecadação mais fraca, por mais que autoridades choraminguem. O principal
motivo da redução do superávit primário federal é o aumento do gasto e, dentro
dele, do dispêndio corrente, já que o investimento vem caindo na comparação com
o observado no ano passado.
Assim, por qualquer ângulo
que se observe o desempenho recente das contas públicas, torna-se difícil
evitar a conclusão que a política fiscal tem sido extraordinariamente
expansiva. E, como a expansão vem dos gastos correntes, em oposição aos
investimentos, fica claro também que o governo terá uma dificuldade
considerável para remover os estímulos hoje existentes no caso improvável de um
dia resolver se corrigir.
Chega a ser patético
observar o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro requentando medidas
para conter o avanço de despesas como o abono salarial e seguro-desemprego, que
já haviam sido anunciadas (e nunca adotadas) há mais de dois anos, dentro do
pacote então lançado para convencer um crédulo Banco Central que poderia
reduzir a taxa de juros sem riscos para a inflação, graças à prometida
austeridade fiscal.
Soma-se a isto o provável
efeito da alteração retroativa dos indexadores das dívidas de estados e
municípios com a União. Como discutido em coluna anterior, tal medida deverá
abrir a porteira para aumento substancial dos gastos dos governos locais, ainda
mais num ano eleitoral.
O que não é patético, mas
trágico, é a credulidade do BC que, mesmo em face de promessas quebradas e da
extraordinária degradação das contas fiscais, prossegue com a ladainha
afirmando que “o balanço do setor público se desloca para a zona de
neutralidade”.
Tal alienação seria injustificável
até para quem não tivesse vivido um período de enorme irresponsabilidade
fiscal. Já para economistas da minha geração, que observaram este processo e
suas consequências praticamente em tempo real, esta postura, mais que
inexplicável, é, acima de tudo, insensata. Não é por outro motivo que a escassa
credibilidade do BC se erode a cada dia.
(Publicado 6/Nov/2013)