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quarta-feira, 19 de junho de 2013

À caça do próprio rabo

Desde meados de maio houve um encarecimento visível do dólar, que saiu de valores próximos a R$ 2,00 para algo em torno de R$ 2,18, provocando várias reações das autoridades, do retorno às intervenções do BC até a eliminação de impostos que haviam sido criados para inibir a venda da moeda norte-americana. O governo não disfarça seu desconforto com a depreciação do real, o que não deixa de ser curioso, consideradas todas as medidas que haviam sido tomadas precisamente para este fim.

É verdade que o dólar mais caro não é uma exclusividade nacional. Nas últimas semanas ele se fortaleceu contra quase todas as demais moedas e não há razão para que o real se comporte de forma diferente. Pelo contrário, em trabalho com Tatiana Pinheiro estimamos que a valorização de 10% do dólar relativamente a uma cesta de seis moedas de países maduros se traduz num encarecimento de 6% do dólar face ao real.

No caso, a perspectiva de crescimento mais positiva para a economia norte-americana sugere a possibilidade de uma normalização mais rápida da política monetária naquele país. É bom que se diga que a normalização propriamente dita ainda se encontra muito distante, mas a mera expectativa que possa acontecer foi suficiente para elevar as taxas de juros de 10 anos em quase 0,5% (para perto de 2,2% ao ano), uma mudança nada trivial, ainda que inferior à ocorrida no Brasil, onde o rendimento do título equivalente aumentou pouco mais de um ponto percentual.

A desvalorização do real não resulta, portanto, de qualquer problema intrínseco do país. Já no que se refere às consequências da depreciação cambial a preocupação é maior e é aqui que o Brasil se diferencia de várias outras economias.

Embora não nos enquadremos nos casos mais patológicos dos países até há pouco apontados por nossos “keynesianos de quermesse” como modelos de política econômica, a verdade é que não fizemos todos os preparativos para a eventualidade de uma mudança das condições internacionais de liquidez.

De fato, exceção feita à acumulação de reservas, as políticas dos últimos anos deixaram o país mais vulnerável a reversões dos fluxos de capitais em algumas dimensões importantes. Assim, por exemplo, a redução da poupança doméstica, seja pelo avanço do consumo do governo, seja pelo estímulo contínuo ao consumo privado, tem como contrapartida a elevação do déficit externo, o que torna o país mais dependente do financiamento internacional.

Já a permissividade monetária do BC se traduziu numa taxa de inflação que já estava próxima ao limite superior da meta mesmo antes do enfraquecimento da moeda. Como o dólar mais alto encarece aqui dentro tanto os produtos importados como os exportados, seus impactos no sentido de acelerar a inflação são claros.

Grosso modo, estima-se que a desvalorização de 10% da moeda eleve a inflação em torno de meio ponto percentual em 12 meses, nada extraordinário, mas mais que suficiente para elevar a significativamente a probabilidade de ruptura do teto da meta.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que o governo mais uma vez acena com o controle de gastos, toma medidas da direção oposta, não deixando dúvidas acerca de sua falta de compromisso nesta área. Sob estas circunstâncias, pois, o peso de qualquer ajuste recai sobre as taxas de juros, que, como notado acima, subiram vigorosamente nas últimas semanas.

Fica explicado, assim, o quase desespero do governo para conter a depreciação da moeda depois de anos reclamando do dólar barato. No entanto, dado que este processo reflete um fenômeno de alcance mundial, as chances das medidas conterem a taxa de câmbio são evidentemente reduzidas.


Descobrimos assim que, a despeito da choradeira persistente sobre o tsunami monetário, o governo jamais se preparou para sua reversão. E que o improviso continua sendo a marca registrada da nossa “política econômica”.

Quase lá...

36 comentários:

Alex, parabens pelo que tem dito. Faz tempo que falas sobre a ma conducao da politica economica e inflacao. As consequencias tao ai. Sabemos o bulling que sofreu por isto. Um bom economista tem sobretudo nocao do impacto das decisoes na vida das pessoas e vc as tem! Continue assim, Precisamos de mais Alexes!!!!!

Alex, você, mesmo não concordando com elas, não considera a atuação no câmbio (controles, iof, berros, súplicas, intervenções diretas) nos deixaram mais fortes para enfrentar o refluxo do mercado internacional?
Está perfeito tudo o que voce citou, os erros foram óbvios e tem muito mais relevância que as medidas cambiais e deixaram o Brasil sem munição. Estamos na lama sem a menor dúvida. Mas as críticas às medidas cambiais me parecem duvidosas.
Dantas

Alex,
faz mais de 1 ano que acompanho seu blog. Quando vejo o noticiário econômico hoje eu tenho a impressão de já ter sido alertado de que esses fatos ocorreriam graças a seu blog.
O governo preferiu olhar só para baixo e não olhar para a frente. É como um pedestre que anda de cabeça baixa. A qualquer momento acaba tropeçando numa pedra que não viu pelo caminho...

Dantas:

A acumulação de reservas pode ter ajudado (falta comparar com os custos, mas, dado que já incorremos neles...).

Quanto ao resto, não vejo como pode ter nos fortalecido. Hoje, inclusive, funcionam como desestímulo (sabendo que pode se f... por conta de um eventual retorno destas medidas em outras circunstâncias, capital que poderia entrar agora vai esperar prêmios mais gordos).

E ainda foram justificativas para deixar de tomar as medidas mais acertadas, em particular na área fiscal.

Abs

Não tive como não lembrar de seu comentário(Jornal da Cultura)lendo hoje o Valor. Holy Cow! Segundo o gordo, parte da inflação se deve a vários índices e respectiva divulgação; quinzenal, mensal e etc. Tenho a solução! esquece esse negócio de inflação, vai?

Alex,

Considerando que nas últimas 2 ou 3 semanas, em que o governo usou quase 10 bilhões de dólares para manter a cotação nos níveis atuais, o sr. acha que existe risco de essas nossas reservas não serem suficientes para segurar o dólar?
Mantido o ritmo atual, elas durariam por cerca de 1 ano.

Excelente artigo! Os fatos confirmando o que você vem afirmando reiteradamente.
Agora, o que você acha onde vai dar esse imbróglio? Quanto o país vai perder de reserva? O juro americano 10 anos vai pra quanto, uns 4%? Iria tão longe assim? A situação das empresas brasileiras para rolar os bônus? O dólar nuns 2,50? A coisa se estabilizaria por aí ou vamos ter outro solavanco, como 2008?
Abs.

oi, alex
tou com passagens compradas pra europa em setembro. um amigo sugeriu esperar pra comprar euros, porque ele acha que até lá eu posso conseguir a menos de 2,9. tou receosa de que acabe tendo que pagar mais de 3 se eu não comprar agora. o que você acha, melhor comprar logo?
obrigada,
bel

Vai ser lindo ver o dolar a 3 e ipca buscando 10% na vespera da eleicao

Com o dolar a R$3 a indústria vai voar, vamos exportar tecnologia, manufaturados high tech, carros, vamos ter plantas de bens de capital, maquinas pesadas, vamos virar a coreia do sul! Melhor, vamos ameaçar a Alemanha!
Temos que pensar como manter o dolar por ali, acima do R$3, para sustentar um superavit comercial robusto! Mas temos o Mantega para pensar sobre isso por nós...

Alex,
Sempre busco ler o que vc escreve ou suas participações no globo news; me parece uma fonte de informação e pensamento.Obrigado e continue....

Trocando em miúdos: Outro dia falando com um senhor, já aposentado, ouvi de maneira simples e objetiva: O Governo gasta sem critério, tenta esconder o aumento de custo dos combustíveis, da cesta básica e de um mundo de outras coisas, ao mesmo tempo incentiva o consumo e o preço de tudo aumenta. Num momento quer o dólar mais alto noutro mais baixo, primeiro abaixa os juros e agora corre para aumentar. O fato é que fiquei mais pobre, pois minhas economias não compram mais o que compravam um ano atrás.

aqui vai uma sugestao para um artigo: por que a inflacao alta e ruim? acho que muita gente esqueceu dos anos 80 e o que ocorria com a poder acquisitivo, p ex.

acho que fora de uma audiencia relativamente pequena, muit agente diria que e ok ter uma inflacao alta se a taxa de desemprego for baixa, sem entender os custos futuros.

ha pouca duvida que a inflacao sera alta em 2014. O que e preciso e explicar ao maior numero possivel de pessoas por que isso e pessimo, da forma mais concreta possivel.

So uma sugestao!

texto do prof. Fiani..

""Não costumo me posicionar no FB, que não acho ser lugar para isto, mas segue uma rápida opinião acerca do que está acontecendo, motivada pelo diagnóstico na minha opinião errado que alguns amigos estão postando. Nos últimos 10 anos iniciou-se um ciclo de crescimento com inclusão social dos menos favorecidos por meio de redistribuição de renda via aumento do salário mínimo e bolsa-família (mais aquele do que esta última). No resto mantinha-se o status quo (com exceção de uma tentativa de redução dos juros, já abortada). Este ciclo parece estar esgotado, apesar do governo ampliar o crédito subsidiado ao consumo no bolsa-família).
A solução para o crescimento sustentado é investimento público (não privado) em infraestrutura. Foi isso que sustentou o investimento na época do milagre e é em grande parte o que sustenta o investimento chinês. Seriam necessárias estratégias complementares, mas é o que funciona em países em desenvolvimento, onde os riscos são grandes. Por exemplo, em transporte público de massas (não dá para vir de bicicleta da periferia para o trabalho, a menos que você seja um atleta).
Mas isso o governo não vai fazer, porque a imprensa e o lobby dos banqueiros (que ganha comissões com as privatizações) não vão deixar. Assim, entrega-se os portos à iniciativa privada, e o investimento não cresce.
Portanto, achar que a solução é combater a inflação via aumento dos juros e austeridade não resolve nada, empobrece o país e apenas faz a alegria dos banqueiros (como nos tempos do FHC).
Agora, quanto ao movimento que está acontecendo, prefiro esperar para ver. Começou como uma reivindicação justa contra a falência do transporte público, agora está sofrendo uma tentativa de apropriação por uma classe média conservadora, antipartidos e que sonha com um salvador da pátria que resolva tudo autoritariamente (quem sabe um juiz do STF?). Não sei o que vai dar."

qd o dólar estiver a R$3, qual vai ser a choradeira? Deveria estar a R$6?

Quando o dólar estiver cotado a R$3,00 a taxa de câmbio real vai estar uma m... para os exportadores.

Com dolar a 3, eu quero passe livre para passagem aerea para europa.

Alex,

Os planos do Fed e as turbulências politicas do Pais alteram sua percepção apresentada na Globo news de que o governo vai esperar 2015 para agir? Você não concorda que o espaço de manobra está se reduzindo mais rápido que o previsto?

Abraços

Alex se o ministro da fazenda sair,ele teria algum "espaco" na sua consultoria,analisando os cenarios economicos?

Muito bom texto. Queria te fazer uma pergunta: Visando diminuir a inflação sem subir o juros, o governo piorou a situação fiscal (sem contar o estrago feito no caixa da Petrobras e Eletrobrás) alegando que devido a uma menor "despesa com juros" o superávit primário necessário para manter o mesmo déficit fiscal havia caído. Além disso, havia ficado claro que o juros baixo era a marca do governo Dilma. Qual a chance do governo subir o juros em um ritmo mais lento que os mercados estão colocando no preco, afim de evitar a desaceleracao econômica (dado o lagging de 6-12meses os aumentos agora, terao grande parte do efeito no periodo de eleicoes) e continuar tentando segurar cambio se desfazendo de parte das reservas e inflação via aumentando déficit fiscal? Sei que isso so postergaria o problema, deixando-o maior, mas acredito que o governo esta mais prejudicado com o curto. Em outras palavras venderia juros?

Só eu to com medo de uma guerra civil?

Guerra civil? Tá com medinho? Só temos 1 lado por enquanto. Até a Globo tá achando lindo atearem fogo no Congresso agora! Poderá ajudar no surgimento de um outsider político, que consiga capitalizar a zorra e o quero-mais, talvez um antipolítico, de esquerda provavelmente. Ou seja sairemos de uma democracia pouco transparente e corrupta para uma coisa um pouco pior.
Dantas

Brimo, tudo bem? Você ainda está chateado comigo or we're good?

Esperem até a aclamação do Imperador Joaquim I...

"Brimo, tudo bem? Você ainda está chateado comigo or we're good?"

Always good

texto do prof. Fiani.. 20 de junho de 2013 01:27 Reply

ELE TRABALHA PARA A MARILENA CHAUÍ

Por que inflação alta é ruim???

Talvez o governo perceba que tem que reajustar num montante maior o preço de serviços quando a inflação é alta e agora o povo fica puto quando querem aumentar o preço de um péssimo serviço, mesmo que seja só correção monetária....

E aí Alex,trocamos mais inflação por mais gastos do governo?As tarifas públicas vão ficar artificialmente baixa e vai sair do bolso do contribuinte....

E agora com a população nas ruas em movimento insuflado com intenção de atingir o governador de São Paulo, algumas consequências danosas estão vindo para piorar o ambiente de se fazer negócios no Brasil.
O retrocesso na tarifa de ônibus, o receio do governador do Paraná de reajustar as tarifas (oneradas pela excessiva geração térmica) e o recuo do Alkmin para reajustar os pedágios e o recuo de vários governos no mesmo sentido, vão onerar mais ainda as contas públicas (nas 3 esferas) e espantar ainda mais o investidor que se assustou com a enorme intervenção começada 11 de setembro no setor elétrico.

Schwartsman,

Superavit primario nao e' o quanto o governo arrecada menos o que o governo gasta de forma nao-financeira?

Pois bem, por que contabilizar a venda de direitos futuros de estatais e' considerado contabilidade criativa? Nao se trata de um montante arrecadado no periodo considerado?

Me explica siso please...

Bjs
Juliana

"...E aí Alex,trocamos mais inflação por mais gastos do governo?As tarifas públicas vão ficar artificialmente baixa e vai sair do bolso do contribuinte...."

Não trocamos nada. Contratamos mais inflação e mais gastos do governo!!!! Sempre sai do bolso do contribuinte (seja via impostos, seja via inflação).

"Pois bem, por que contabilizar a venda de direitos futuros de estatais e' considerado contabilidade criativa? Nao se trata de um montante arrecadado no periodo considerado?"

Para quem foi vendido Juliana?

Para estatais, Petrobras e Eletrobras. As estatais figuram no calculo do primario? Nao sabia...

Entao por isso falam que saiu de um bolso e entrou no outro... Rs

Bjs

Ju

No caso, foi para o BNDES, mas você entendeu a mágica. Parabéns :-)

"No caso, foi para o BNDES, mas você entendeu a mágica. Parabéns :-)"

Peralá... mágica não... criatividade.

Abraços,

Faísca

Alex no Programa Roda Viva Jose Serra citou um dado do ministério do trabalho;ele afirma no programa que "nos últimos anos, os empregos até dois salários mínimos no Brasil tiveram um aumento em 21 milhões e os empregos acima de dois salários mínimos tiveram uma redução de 5 milhões".Ele usa esse argumento para defender a tese da "desindustrialização";tem como você analisar com calma,se possível reproduzir isso em um post etc?