Quando
se fala da perda de competitividade da indústria nacional, a imagem que vem à
mente é a de um setor industrial sitiado por concorrentes internacionais que
ocupam espaços originalmente preenchidos pelo produtor local. Não se presta, no
entanto, atenção a uma dimensão relacionada – e provavelmente mais importante –
da perda de competitividade do setor manufatureiro: aquela que se dá
relativamente ao setor de serviços, levando a uma expansão mais vigorosa deste
último.
Há
evidências que os salários na indústria de transformação (ao menos os salários
de admissão divulgados pelo CAGED) têm crescido sistematicamente mais que os
salários no setor de serviços. Ao longo de nove anos, o salário industrial real
cresceu cerca de 6% a mais que o observado nos serviços, registrando R$
1.092,75 no primeiro trimestre deste ano contra cerca de R$ 1.129,70 no setor
de serviços (no primeiro trimestre de 2004 os valores, a preços de hoje, eram
respectivamente R$ 820,55 e R$ 899,69).
Por
outro lado, o produto por trabalhador parece ter se elevado mais rapidamente no
setor de serviços. A evidência, no caso, vem de dados do PIB e da Pesquisa
Mensal do Emprego (PME), ambos divulgados pelo IBGE, que nos permitem estimar,
ainda que de forma aproximada, a evolução da produtividade em cada setor.
Enfatizo
aqui que o uso da PME é uma aproximação por falta de números nacionais mais
atualizados relativos ao emprego em cada setor. A amostra da PME cobre apenas seis
regiões metropolitanas que representavam 22% do emprego total do país em 2009,
último ano em que há dados disponíveis em escala nacional.
Ainda
assim, como tentamos estimar a evolução do produto por
trabalhador, e não o seu nível absoluto, eventuais desvios com relação ao
verdadeiro crescimento desta variável só ocorrerão caso o emprego nas regiões
metropolitanas pesquisadas pelo IBGE tenha se comportado de maneira muita
diversa do emprego nacional.
Note-se,
por fim, que, embora acima tenhamos usado os salários na indústria de
transformação, a disponibilidade de dados da PME só permite a estimativa do
produto por trabalhador no setor industrial como um todo, compreendendo, além
da indústria de transformação, também a extrativa mineral, assim como os serviços
industriais de utilidade pública (energia e saneamento).
Feitas
as (nada modestas) ressalvas acima, estimamos que a tendência de crescimento da
produtividade no setor industrial tem sido algo da ordem de 1% ao ano entre o
primeiro trimestre de 2004 e o mesmo período de 2013 contra 1,3% ao ano no
setor de serviços.
Os
dados indicam, portanto, que o custo unitário do trabalho (a razão entre o
salário e o produto por trabalhador) tenha crescido significativamente mais na
indústria do que em serviços, conforme resumido do gráfico (onde os valores dos
custos unitários relativos estão registrados no eixo à direita). É bom que se
diga que a evolução mais recente tem sido ligeiramente mais favorável ao setor
industrial, sem, no entanto, reverter a considerável vantagem acumulada pelo
setor de serviços nos anos anteriores.
Assim,
ainda que o preço relativo de bens industriais e serviços tivesse permanecido
inalterado no período, a evolução relativa dos custos unitários do trabalho em
cada setor já teria feito pender a balança para o segundo. Considerando,
adicionalmente, que o setor de serviços, isolado da concorrência internacional,
é capaz de repassar aumentos de custos para preços finais, limitado apenas
pelas condições de demanda, temos um quadro de forte perda de competividade da
indústria relativamente aos serviços.
|
Fonte: Autor (a partir de
dados do IBGE e CAGED)
|
Não
é por acaso, portanto, que a evolução da produção deste último tem suplantado
com folga a observada na indústria de transformação, mesmo se ignorarmos os
efeitos da recessão de 2008-2009, bem mais intensa no setor industrial.
Estes
números, ressalvando novamente suas limitações, sugerem que a reversão deste quadro
passa pelo aumento da produtividade relativa do setor industrial,
preferivelmente acompanhada de moderação salarial. No entanto, quando
examinamos o conjunto de políticas adotado pelo governo para estimular o
crescimento, em particular da indústria de transformação, percebe-se a ausência
clamorosa de medidas nesta área, preteridas em nome da expansão fiscal, dos
estímulos ao consumo e do crescimento do crédito subsidiado.
Assim,
caso o país pretenda sair da armadilha de baixo crescimento (com inflação acima
da meta) precisa mudar radicalmente seu conjunto de políticas, deixando de lado
a ênfase atual na promoção da demanda, na prática embarcando num conjunto
ambicioso de reformas pelo lado da oferta, liberalizando mercados e
simplificando procedimentos (em especial do lado tributário). O
apetite para isto, porém, tem sido mínimo, a despeito de uma coalizão de
tamanho inédito. Não é difícil concluir que a aceleração decisiva do
crescimento permanece uma possibilidade bastante remota.
|
A equipe econômica reunida
|
(Publicado 6/Jun/2013)