Há quem acredite haver escolha entre o
controle da pandemia e a recessão, notadamente o presidente da República.
Estudo recente sugere, porém, que a mortalidade resultante da pandemia tem
efeitos recessivos e que medidas de distanciamento social, ao mitigar o
problema, levam a resultados melhores em seguida. Nos é dada a escolha entre a
pandemia e a recessão; se escolhermos a pandemia, teremos também a recessão.
Há
quem creia haver uma troca entre a queda da atividade econômica resultante das
medidas de distanciamento social (e, claro, todas as consequências sociais de
uma recessão de grandes proporções) e a mortalidade decorrente da pandemia. Ter
menos de uma implicaria ter mais da outra, terreno em que economistas, por
formação, se sentem mais à vontade (como a troca entre renda e lazer, ou entre
consumo hoje e consumo amanhã, etc.).
Não
é, reafirmo, o caso de hoje: engana-se quem acredita haver a possibilidade de
reduzir as medidas de distanciamento social nesse momento em troca de atividade
econômica mais forte, mesmo à custa de uma mortalidade maior.
Não
temos, é verdade, muita evidência acerca das diferentes escolhas de como lidar
com a crise atual. À parte o sucesso relativo de países como Taiwan e
Singapura, cuja resposta oportuna à epidemia possibilitou medidas mais bem
focalizadas (uma impossibilidade a essa altura dos acontecimentos), observamos
quase todas as nações impondo restrições à mobilidade das pessoas e à atividade
econômica em nome da contenção da pandemia, exceção feita à Suécia, cuja
abordagem permanece distinta. De qualquer forma, precisaríamos de tempo para
avaliar tais opções, talvez a mercadoria mais escassa nessa época de crise.
A
alternativa que nos resta é voltar ao passado, em busca de experiências
semelhantes que possam servir como guia, ainda que imperfeito, para a situação
atual. Temos, portanto, que recuar pouco mais de 100 anos no tempo para avaliar
os efeitos da Gripe Espanhola no final da segunda década do século XX. Até onde
sabemos (os números são ainda objeto de debate), aquela pandemia infectou algo
como 500 milhões de pessoas (pouco mais de um quarto da população global, então
estimada na casa de 1,8 bilhão de pessoas), matando talvez 50 milhões
(interessados podem checar os dados em https://ourworldindata.org/spanish-flu-largest-influenza-pandemic-in-history).
Trabalho
recente de Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner
(CLV daqui em diante) explora os impactos dessa pandemia nos diferentes estados
e cidades dos EUA, abordagem que conta com a vantagem de examinar o caso de um
país que, ao contrário dos europeus, devastados pela I Guerra, com boa parte de
sua juventude, infraestrutura e capital destruídos, emergiram daquele evento
relativamente intactos.
De fato, estimativas indicam que os EUA perderam
0,13% de sua população no conflito, contra números ao redor de 3-4% no caso dos
países da Europa continental e perto de 2% no caso do Reino Unido (e então
colônias). Isso facilita o trabalho separar os efeitos daquela carnificina dos
originários da doença em si.
CLV
estudam dados de estados e cidades americanas tentando aferir tanto o impacto
da mortalidade sobre a atividade, como o das Intervenções Não-Farmacêuticas
(NPIs no original), isto é, medidas de distanciamento social, tanto do ponto de
vista da tempestividade de sua adoção (mais ou menos cedo), quanto de seu tempo
de duração.
Duas
conclusões emergem do trabalho.
A
primeira é o impacto negativo da mortalidade sobre a atividade econômica.
Segundo os autores, a pandemia levou à queda de 18% da atividade industrial
para o estado médio em termos de mortalidade e há também indicações de que o
efeito seria persistente, como expresso em menor atividade nas áreas mais
afetadas até 1923.
As
estimativas apontam que o aumento equivalente a um desvio-padrão da mortalidade
em 1918 implica 8% de queda do emprego industrial e 6% de redução do produto.
Como os dados são estaduais, ou seja, menos sensíveis à demanda local (apenas
parte da produção é consumida no estado de origem), o canal mais relevante para
explicar a retração da atividade parece estar ligado mesmo à oferta, isto é,
disponibilidade de mão-de-obra, principalmente.
A
outra conclusão diz respeito aos efeitos das NPIs, seja em termos da rapidez de
sua adoção, seja em termos de sua duração, sobre a atividade. De acordo com as
estimativas de CLV, a adoção mais célere de medidas de distanciamento social se
traduz em elevação da atividade em seguida à pandemia: o aumento
de um desvio-padrão na velocidade de adoção de NPIs leva a um aumento da
produção próximo a 5%, enquanto o aumento também de um desvio-padrão em termos
da duração das NPIs eleva o produto cerca de 7% no período pós-pandemia.
Posto
de outra forma, não parece haver de fato uma troca entre a controle da epidemia
e atividade. Caso a mortalidade se eleve por falta de políticas restritivas ao
contato social, a atividade se contrairá por força da mortalidade em si, mesmo
na ausência de tais medidas. Afora isso, os efeitos de longo prazo da
mortalidade também são elevados; nesse sentido, reduzi-la em seus momentos
iniciais parece contribuir para a recuperação mais vigorosa à frente.
Isso
dito, há, é claro, limitações: a Covid-19 não é igual à Gripe Espanhola (esta
última afetava mais fortemente gerações mais novas, por exemplo) e as condições
dos EUA no início de século XX não são exatamente as vividas pelo Brasil um
século depois (se bem que nossas condições sanitárias estejam mais próximas
daquela era do que seria ideal), para citar apenas duas das complicações.
Todavia,
à luz das dificuldades de acharmos paralelos em termos de crises de saúde
pública, o estudo certamente nos oferece uma visão bem mais informada do que o
“achismo” que parece orientar a alta cúpula do governo, a começar pelo
presidente da República.
Parafraseando
mais uma vez Winston Churchill, nos é dada a escolha entre a pandemia e a
recessão; se escolhermos a pandemia, teremos também a recessão.
(Publicado 1/Abr/2020)
10 comentários:
Eu realmente não concordo com a opinião. Como você bem disse no fim do texto, a Gripe Espanhola não é o mesmo Covid, onde 90% das mortes são de pessoas acima de 65 anos. Então nesse ponto, as mortes não afetariam a sociedade e a economia, estaria mais para ajudar, não sendo insensível, já sendo! É a realidade.
Eu sou da opinião do Dr.Osmar Terra, acho que ele tem plena razão em suas opiniões, e a itália e Espanha provaram isso muito bem.
" Depois que um virús foi detectado em uma pessoa, pode saber que já tem +100 infectadas" Dr.Osmar Terra.
E isso é um fato, O Isolamento na Espanha e Itália não funcionaram, porque todos já estavam infectados, o isolamento fez foi piorar, porque as pessoas se trancaram em casa e contaminaram o resto da família.
Acho que a única forma de ter realmente evitado o vírus era ter fechado as fronteiras com a china. Todos os Países deviam ter feito isso lá atras.
Ou como você bem disse, Taiwam também, não entra e nem saí ninguém do País.
Depois que já se alastrou como no Brasil? não vejo solução em isolamento, eaí que o Presidente tem razão. Isolamento agora não irá resolver nem o problema da Pandemia e ainda por cima irá quebrar o País.
Não somos a Europa, não temos dinheiro para bancar as empresas abertas sem produzir.
Enfim..
Me pareceu um paralelo muito pouco fundamentado, as conclusões contrariam parte do próprio texto e a realidade dos fatos:
- A grande maioria das motes (80%) devido ao COVIT-19 ocorrem em pessoas com mais de 60 anos, portanto grande número de aposentados;
- As condições sanitárias no Brasil hoje são MUITO melhores do que nos USA em 1918;
- A expectativa de vida nos USA em 1918 era de 55 anos, no Brasil em 2019 era de 75 anos;
- A paralização atinge inicialmente os que tem fonte de renda por atividade não formal, hoje porcentagem importante das pessoas de meia idade, que não são afetadas pelo vírus;
Portanto creio que continuamos no achismo.
Os números absolutos tem peso. A Suécia tem um pouco mais de 500 mortes para uma população de 10 milhões de habitantes. E até hoje pelo menos mantém sua política diferenciada em relação ao coronavírus. O equivalente no Brasil seriam 10000 mortos. Até o Bolsonaro calaria a boca.
Grande Alex,
Fazendo umas contas de padeiro:
- Déficit bruto de 429 bi já na conta.
- Adicionamos com o plano emergêncial mais uns 600 bi (previsto?).
Lembro que havia uma discussão, há uns dois anos acho eu, sobre ter aumento ou não de carga tributária, e sobre o tamanho das reformas... Rapaz, e agora?
Sua definição de "enrascada", "armadilha", "buraco", vão ser seriamente atualizadas..
aaa.
Se o Ministro da Fazenda do Presidente Haddad tambem fosse obcecado por R& 1 Trilhao ,como Guedes, teria anunciado 1TRI para o BNDES repassar para os campeoes ,1TRI para capitalizar estatais e criar novas ; tarefa mais facil de realizar ,nao? Teria espaço para ironias? No pos- Covid ,para manter essa simetria , 1TRI de aumento de impostos dobre os ricos 1TRI de calotes...
Gostaria de saber se a sua opinião, em relação a declração de Meirelles é a descrita no estadão. Vc chegou a fazer essa entrevista? Essa fala é sua?
Notícia:
https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/o-que-os-economistas-pensam-da-ideia-de-imprimir-dinheiro-de-henrique-meirelles/
caros seguidores do autor , calma !
a posiçao do texto foi bem clara em dizer que um estudo como o apresentado , ainda que com todos os vieses , é mais legitimo do que aquilo que ele chama de achismo do presidente . simples assim .
Da hora
Da hora
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