A matéria sobre “inflação basal” usou pouco da entrevista. Assim resolvi publicá-la completa aqui no blog (é para isso
que serve, não?).
1 - Tem fundamento a
afirmação de que o Brasil tem uma inflação de base e que ela gira em torno de
5% e 6%?
Não. Isto é uma tentativa
de ressurreição de uma tese antiga, a “inflação estrutural”, lá dos anos 50 e
60, à época desmentida pela tese de doutorado do Pastore.
No caso atual, não é
necessário mais do que olhar a trajetória da inflação para observar que não
apenas ela alcançou valores inferiores aos 5-6% mencionados, como também o fez
com crescimento mais forte do que temos hoje. No período 2005-2009, uma vez
superados os efeitos da transição política, o desvio da inflação relativamente
à meta foi quase 0%. Mesmo se incorporarmos 2010 à amostra, já com o BC
enfraquecido (por exemplo, parando inexplicavelmente o processo de alta de
juros em setembro de 2010), a inflação
superou a meta em média 0,3% ao ano. Não por acaso, as expectativas de inflação
12 meses à frente entre o final de 2005 e o final de 2010 se mantiveram sempre
em torno de 4,5% (na verdade 4,4%), revelando que o BC tinha conseguido ancorar
as expectativas.
Obviamente, mesmo se o BC
consiga ancorar as expectativas, como a meta é alta e o governo nunca perdeu a
oportunidade de perder a oportunidade de reduzir a meta, a inflação não se
descolaria muito de 4,5%. Caso tivesse reduzido a meta para níveis similares
aos de outros países latino-americanos adeptos do regime de metas, poderíamos –
com um BC disposto – ter registrado inflação em torno de 3% ao ano.
2 - Se sim, a que se deve
essa resistência? E como eliminá-la? Se não, por que, desde 2000, o Brasil só
teve inflação abaixo de 5% em três anos (2006, 2007 e 2009)?
Sim, mas a meta de
inflação foi superior a 5% de 1999 a 2005 (em 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 a meta oficial era inferior
a 5%, mas, na prática as metas ajustada eram superiores a este patamar). Desde
a adoção da meta de 4,5% (em 2006) o BC manteve a inflação em média próxima à
meta até perder a autonomia informal de que dispunha. No caso, a resistência da
inflação se deve, em primeiro lugar, à insistência de manter a meta em 4,5%,
mesmo quando expectativas rodavam abaixo disso. Mais recentemente se deve à
subordinação do BC aos objetivos políticos do governo. Basta ver que só pode
elevar a Selic agora depois de uma comissão (externa ao governo, diga-se)
convencer a presidente.
3 - Como avalia a afirmação
de que dois pontos a mais de inflação (além do centro da meta) não faz
diferença na vida do brasileiro, uma vez que os salários seguem em alta?
Acho de uma miopia atroz.
Embora seja verdade que os aumentos salariais tenham superado a inflação, à
medida que a inflação acelera – refletindo, entre outras coisas – o próprio
impacto do aumento dos salários sobre os preços, a manutenção dos salários
reais requer novas rodadas de elevações salariais. Expectativas de inflação
mais elevada são incorporadas aos salários e temos uma clássica espiral
salário-preços, na linha da observada, por exemplo, nos EUA e no Reino Unido
nos anos 70.
Este processo é instável
e, quando finalmente o Fed (e o Banco da Inglaterra) foram tratar o problema,
ambas economias tiveram que passar por uma recessão extraordinária.
Hoje o desvio é de 2
pontos percentuais. Se não for tratado agora, será mais bem mais alto em poucos
anos e o custo de reduzir a inflação será muito maior do que hoje, assim como
hoje já é bem maior do que seria se tivesse sido tratado em 2010-2011.
4 - Em junho, o CMN
definirá meta de inflação para 2015. Belluzzo, por exemplo, já defendeu elevar
a meta. Com a crise na Europa e EUA, economistas mundo afora têm defendido
flexibilidade no objetivo, diante de dificuldades em produzir crescimento.
Seria o caso de flexibilizar a meta aqui também?
No ranking das ideias cretinas elevar a meta fica numa posição
privilegiada. Faz sentido para países que enfrentam ameaça de deflação (ou
deflação propriamente dita). Já no Brasil, cujo problema é o oposto, caso se
eleve a meta, as expectativas também irão se elevar, ainda mais com o um BC
percebido como submisso. As demandas salariais e preços passam a refletir uma
inflação esperada mais alta e a inflação se acelera sem qualquer ganho de
produto. Não é por acaso que o Palmeiras foi parar na Segundona.