domingo, 30 de setembro de 2012
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Tiro ao pé
Se não
conhecesse a figura, poderia ficar espantado com a entrevista do ministro da
Fazenda ao Financial Times na última
sexta-feira. À parte a indisfarçada ironia (britânica) do jornal acerca das
reclamações do ministro sobre protecionismo por parte de países desenvolvidos enquanto
se gaba (como só ele sabe fazer) da pouca dependência do Brasil com relação a
estes mercados, é difícil dar bases sólidas às suas críticas à terceira rodada
de afrouxamento monetário nos EUA (QE3).
Segundo o
pensamento ministerial, se me permitem o oxímoro, o fim último do QE3 é desvalorizar
o dólar para elevar as exportações (líquidas das importações) e acelerar o
crescimento da economia americana às expensas da economia global. Faltou, como sempre,
checar as presunções ministeriais contra os dados econômicos.
O ministro
parece não saber que a economia americana obtém pouca tração do comércio internacional.
Exportações em 2011 representavam modestos 13% do PIB do EUA, enquanto
importações atingiram o equivalente a 16% do PIB, valores bastante próximos aos
observados no Brasil: respectivamente, 12% e 13% do PIB. Lá, como aqui, o
principal motor de expansão da demanda é o mercado interno, em particular o
consumo das famílias, que representa mais de 70% do PIB.
Com efeito,
entre 2009 (o fundo do poço) e 2011 o PIB americano cresceu, já deduzida a
inflação, algo como US$ 540 bilhões. O consumo das famílias representou quase
três quartos deste crescimento, pouco menos de US$ 400 bilhões; desempenho que,
se não é brilhante, tem certamente ajudado.
O
investimento não residencial também contribuiu, adicionando cerca de US$ 120
bilhões ao PIB. A ausência notável é o investimento residencial, onde o estouro
da bolha imobiliária produziu maior estrago: queda de US$ 17 bilhões, em
contraste com uma expansão média de US$ 32 bilhões/ano no período pré-crise.
À luz destes
números analistas mais bem informados (ou que, ao menos, estejam dispostos a
buscar as informações) concluiriam que o objetivo desta nova rodada de expansão
monetária deveria ser precisamente reativar o investimento residencial. Não por
acaso, aliás, no anúncio do QE3 o Federal
Reserve (Fed) deixa claro que a expansão monetária adicional (US$ 40 bilhões/mês) será integralmente destinada à compra de títulos lastreados em
hipotecas, de modo a reduzir as taxas de juros destes empréstimos e assim
estimular as compras de imóveis.
Adicionalmente
o Fed, ao contrário de tentativas
anteriores, não se comprometeu com um valor para o programa; pelo contrário,
condicionou sua continuidade à queda mais expressiva do desemprego. Enquanto este,
hoje na casa de 8%, não se reduzir a níveis compatíveis com estabilidade de
preços (em torno de 5-5,5%), a expansão não cessará. Por todos os ângulos que
se observe, trata-se de política voltada primordialmente ao mercado interno.
Apesar disto
note-se que o QE3, se exitoso, irá beneficiar o Brasil mais do que a presumida
desvalorização do dólar poderia prejudicá-lo. A despeito da flutuação do dólar,
importações americanas seguem de perto a demanda interna, que se encontrava no
ano passado algo como 14% abaixo do valor que teria prevalecido sob a tendência
pré-crise. A recuperação do mercado interno poderia acrescentar, portanto,
cerca de US$ 2,5 bilhões/ano às exportações brasileiras para os EUA, que em
2011 foram de US$ 25 bilhões. Neste aspecto a reclamação sobre a política
expansionista dos BCs mundiais merece medalha de ouro na categoria “tiro ao
próprio pé”.
Contudo, se
isto é verdade, por que o tiro ao pé? Em parte, acredito, porque a obsessão com
a taxa de câmbio os leva imaginar que os demais sofram da mesma compulsão, sem
se dar ao trabalho de olhar os números. Mas a razão principal, creio, são os crescentemente
imodestos interesses protecionistas, transparecendo a cada passo da “nova
política econômica”.
- Países
desenvolvidos são mais protecionistas que o Brasil
- Tem
razão: eles nos prejudicam muito
- A gente
exporta só 6% do PIB para eles
- Tem razão: eles nos prejudicam pouco |
(Publicado 26/Set/2012)
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
Previsões para o Nobel
A Reuters levantou os seguintes nomes:
Stephen A. Ross (Arbitrage Price Theory)
Angus S. Deaton e Sir Anthony B. Atkinson (Income and Outcomes)
Robert J. Shiller (Understanding Market Volatility)
Stephen A. Ross (Arbitrage Price Theory)
Angus S. Deaton e Sir Anthony B. Atkinson (Income and Outcomes)
Robert J. Shiller (Understanding Market Volatility)
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Resistir quem há de?
BC tem autonomia e não sofre pressão política, diz Mantega
Integrantes do governo esforçam-se para negar a interferência no Banco Central. Contudo, essa percepção não decorre apenas da última decisão do órgão, mas sim de um processo que já dura meses
Não há problema de inflação no Brasil, diz Mantega
Por Daniela Fernandes | Para o Valor
PARIS - O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse nesta quarta-feira, em Paris, que não vê o processo inflacionário no Brasil com preocupação, tanto em 2012 quanto em 2013. “A inflação segue dentro da meta e vai continuar”, afirmou. Por isso, disse, a política de juros baixos adotada pelo governo deve prosseguir, avalia o ministro.
Por Daniela Fernandes | Para o Valor
PARIS - O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse nesta quarta-feira, em Paris, que não vê o processo inflacionário no Brasil com preocupação, tanto em 2012 quanto em 2013. “A inflação segue dentro da meta e vai continuar”, afirmou. Por isso, disse, a política de juros baixos adotada pelo governo deve prosseguir, avalia o ministro.
- O BC é autônomo - Desde que faça o que eu zu..., não, mandar... |
Tem, mas acabou
Eu bem que
queria escrever sobre a ata do Copom, mas, mesmo sob a nova frequência semanal,
outros temas me forçaram a adiar o assunto. Não acho, porém, que tenha perdido
a atualidade, pois me parece claro que, se restava ainda dúvida acerca da
sobrevivência do regime de metas no Brasil, a ata foi a metafórica pá de cal.
Em particular o parágrafo 19 é o epitáfio do regime: ali o Copom reconhece que
sua projeção para a inflação em 2012 está acima da meta, assim permanecendo até
meados de 2014.
É verdade
que sinalizar a inflação acima da meta por um período de quase dois anos não chega
a ser inédito. Mais de uma vez o BC teve que reconhecer situações como essa; a
novidade agora é que, mesmo sob um cenário inflacionário desfavorável, e com
tempo de sobra para reagir a ele, o Comitê preferiu seguir reduzindo as taxas
de juros e contar com um milagre (também conhecido com “convergência não linear
da inflação à trajetória de metas”), a cumprir a tarefa que lhe foi designada
pelo Decreto 3.088/99, qual seja, tomar as decisões de política que tragam a
inflação de volta à meta.
Segundo o Copom,
“embora (...) o curto prazo tenha sido negativamente impactado por choques
de oferta associados a eventos climáticos, domésticos e externos, [o
cenário inflacionário] manteve sinais favoráveis em prazos mais longos”. Como
desculpa para inação esta afirmação peca em mais de um aspecto.
A começar
porque a persistência da inflação acima da meta por dois anos (repita-se) não é
um evento de curto prazo. E nós, leitores da ata, bem que gostaríamos de saber
quais são os “sinais favoráveis” a que o BC se refere, visto que em momento
algum se mencionam projeções indicando a reversão do processo inflacionário.
Afora isso,
há a questão do tratamento do chamado “choque de oferta”. Este é dito
“negativo” quando reduz as quantidades disponíveis e, por conta disso, eleva os
preços; e é “positivo” quando, ao contrário, eleva a quantidade e faz cair os
preços.
O BC, há
tempos, afirma que não combate os efeitos diretos de choques de oferta, ou
seja, não eleva a taxa de juros quando o choque é negativo, partindo do
pressuposto que estes em geral se dissipam em alguns meses, sem necessariamente
contaminar a inflação por períodos mais longos. Obviamente, por simetria, o BC
não deveria também reduzir os juros quando ocorrem choques favoráveis de
oferta, que, da mesma forma, tendem a desaparecer passado algum tempo.
No entanto,
não é o que se observa. Enquanto o aumento dos preços internacionais de commodities é invocado como razão para
não subir a taxa de juros, eventos favoráveis como o corte temporário de
impostos sobre veículos, e, não duvidem, a recente redução de encargos sobre
energia elétrica são alegremente considerados como motivos para redução da Selic.
E, cá entre
nós, tomar o aumento internacional de preços de commodities como um choque de oferta equivale a esticar o conceito
bem mais do que seria recomendável. Para agricultores americanos a seca reduziu
as quantidades e elevou preços, configurando um choque clássico de oferta. O
agricultor brasileiro, por outro lado, só percebe os preços em alta, sem
prejuízo da quantidade. E, se é verdade que os preços mais altos prejudicam o
consumidor, é bom lembrar que o país produz bem mais do que consome, gerando um
benefício líquido para o Brasil. Trata-se, em outras palavras, de um choque sim,
mas um choque positivo, e de demanda!
Note-se, por
fim, que a contaminação dos preços domésticos só é possível porque o BC não
permite que o dólar se barateie como deveria ocorrer face ao aumento dos preços
de commodities. Na prática, ao fixar
uma meta para a taxa de câmbio o BC admite que aumentos de preços fora do país
acabem por se materializar domesticamente.
Em outras
palavras, o BC tem várias metas: para o câmbio, para o crescimento, para a taxa
de juros. Só acabou a meta para a inflação.
- Só em
2015 se Deus quiser...
|
(Publicado 19/Set/2012)
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
Memórias de um centenário
Excerto
das memórias do economista Alexandre Schwartsman, postadas no seu centésimo
aniversário.
“(...) Mas o principal erro, dentre tantos que
cometi, e que são inerentes à profissão do economista, talvez tenha sido não
levar a sério algumas de minhas próprias conclusões e, desta forma, não antever
os eventos de maior magnitude observados até agora no século XXI, que vi nascer
e no qual vivi a maior parte da minha longa existência.
Eu já tinha acompanhado o que ocorrera com a
Argentina, país que – assim como a periferia europeia – havia se colocado numa
armadilha cambial. Enquanto os capitais fluíam abundantemente tudo corria a
favor do país. Havia um desequilíbrio externo, mas o financiamento barato não
criava incentivos para sua correção; pelo contrário, a percepção que a poupança
externa estaria sempre disponível para países que se engajassem seriamente nas
reformas e no controle fiscal gerou despreocupação com respeito ao balanço de
pagamentos.
No entanto, quando os capitais secaram,
originalmente por fatores que pouco (ou nada) tinham a ver com a Argentina e o
país se viu obrigado a fazer um forte ajuste de balanço de pagamentos, o
pesadelo do padrão-ouro retornou. Incapaz de desvalorizar sua moeda o país
tentou promover a depreciação interna, isto é, reduzir preços e salários domésticos
para recuperar a competividade perdida.
Como resultado, o crescimento do PIB, que
atingira níveis asiáticos nos anos anteriores, foi negativo em 1998, 1999, 2000
e 2001, testando os limites políticos e econômicos da estratégia. A arrecadação
caiu e o país passou a enfrentar problemas fiscais. Ao mesmo tempo aumentou a
percepção que a Argentina não conseguiria manter o câmbio fixo, gerando um
sério problema: com praticamente toda a dívida pública e privada denominada em
dólares, era claro que o abandono do câmbio fixo levaria – como levou – à
reestruturação da dívida do governo e à quebra do sistema financeiro.
Isto realimentava o problema à medida que tais
temores se refletiam em elevações dos spreads
soberanos e, consequentemente, do custo de capital para os setores público e
privado, agravado a recessão e os problemas fiscais. De nada adiantaram planos
de ajuste fiscal (mais rigorosos do mesmo hoje se dá crédito), ou promessas de
ajuda externa (quantas vezes ouvimos o termo blindaje?).
Quando a deterioração atingiu um estado crítico,
com fuga de capitais e queda acentuada da atividade econômica a Argentina
viu-se forçada a desvalorizar a moeda, promover o corralito para estancar a fuga de depósitos e, por conta disso,
mergulhou em profunda crise política, preparando o terreno para a volta do
tradicional populismo latino-americano.
Os paralelos com a situação da periferia
europeia eram mais do que desconfortáveis. Havia uma forma ainda mais extrema
de câmbio fixo: a adoção de uma moeda única entre economias estruturalmente
muito distintas e que não possuíam mecanismos de ajuste como os encontrados em
economias continentais, como EUA e Brasil.
Os mercados de trabalho não eram integrados,
isto é, salários na periferia e centro europeus eram determinados por
considerações regionais, com pouquíssima migração de regiões com salários estagnados
para regiões com salários em crescimento, o que levou à evolução muito distinta
do custo do trabalho ajustado à produtividade.
Assim os custos subiram na periferia
relativamente ao centro, processo equivalente à apreciação cambial, conduzindo a
déficits externos maciços na periferia em contrapartida a superávits não menos
relevantes no centro. Novamente isto não foi visto como problema, dada a crença
na persistência dos ingressos de capitais por conta da integração financeira.
Contudo, quando sobreveio a crise de 2008-09 e
os capitais voltaram ao centro, esta vulnerabilidade foi desnudada. Da mesma
forma que na Argentina, a necessidade de redução de preços e salários levou a
um forte processo recessivo, que contaminou as finanças governamentais. Adicionalmente
as perdas bancárias forçaram os governos a garantirem, explícita ou
implicitamente, depósitos, criando um imenso passivo público.
Aí ficaram patentes as duas outras falhas da
integração europeia. A ausência de integração fiscal colocou um fardo
desproporcional sobre a periferia, em particular nos países que, antes da
crise, haviam tido desempenho exemplar de controle de gastos. Tiveram que
cortar carne e osso, agravado o clima político e a queda da atividade.
Já a ausência de integração bancária deixou cada
país expostos às vicissitudes do seu sistema financeiro, aprofundando a
percepção que a conta dos problemas bancários recairia sobre o governo, e levando
a prêmios de risco crescentes sobre sua dívida. Por outro lado, com os bancos
carregados de títulos públicos, este mesmo aumento dos prêmios piorava sua
patrimonial, o que não ocorreria (ou ocorreria em escala muito menor) caso a
garantia aos bancos fosse supranacional.
Em suma, a crise europeia da primeira década do
século foi uma repetição da crise argentina, mas em escala muito ampliada.
Ampliada porque envolvia vários países; porque envolvia somas perto das quais o
default argentino virava dinheiro de
troco; porque ocorria pela primeira vez depois de quase um século em países
desenvolvidos; e, finalmente, porque punha em xeque a construção política mais
ambiciosa do Ocidente: a unificação europeia.
Hoje, 50 anos depois dos eventos, ainda me
lembro do peso deste último elemento. Acreditava que a Europa não permitiria a
dissolução do seu ousado projeto político e que, portanto, depois de todas as
rodadas necessárias de barganha, os líderes europeus fariam o que seria
necessário para manter a União Europeia. Eventualmente os países credores,
Alemanha principalmente, acabariam pagando a conta em troca de um controle
maior, ou seja, de uma criação de uma Europa federal.
Não contava, porém, com dois fatores
perturbadores: a complexa governança europeia, que dava pesos iguais a países
de dimensões muito distintas e a polarização política acentuada pela própria
recessão. Num primeiro momento a transição política de situação para oposição
na Europa ocorreu dentro do mainstream,
mas a persistência do crescimento baixo, ou mesmo negativo, terminou por
corroer a credibilidade dos partidos políticos tradicionais.
Populistas como Beppe Grillo na Itália, Alexis
Tsipiras (do Syriza), e Geert Wilders na Holanda, trazidos ao poder em meio a
mensagens contrárias à austeridade fiscal e, de modo geral, hostis ao projeto
de unificação europeia, transformaram o que poderia ser um jogo de cartas
marcadas numa disputa real, abrindo inclusive espaço para a eleição de Marine
Le Pen e sua Frente Nacional na França, a pá de cal no projeto europeu.
É bem verdade que, antes mesmo da eleição de Le
Pen, a incapacidade da cúpula europeia em articular um plano ousado de resgate
da periferia já havia forçado a saída da Grécia da moeda única, jogando aquele
país numa crise ainda mais aguda que a experimentada entre 2008 e 2012.
Mais que isso, a saída grega (conhecida na época
como Greekexit) terminou de vez com
os resquícios da crença sobre a inviolabilidade do euro. Nas semanas e meses
que se seguiram ao Greekexit, numa imitação
agora da crise asiática de 15 anos antes, como dominós foram caindo os países
da periferia.
Primeiro Portugal, assolado por problemas
semelhantes aos gregos e, como a Grécia, percebido como pequeno demais para
afetar o todo. Depois Chipre, Irlanda, Espanha e, finalmente, após uma luta
inglória, também a Itália. Num espaço de meses toda a periferia europeia havia
abandonado a moeda única, de repente domínio da Alemanha e seus satélites, com
a França orbitando algo desajeitadamente entre o euro e o retorno do Franco
(finalmente decidido pela Presidente Le Pen alguns anos mais tarde).
Desnecessário dizer que todos os países que
abandonaram o euro pagaram caro (ainda que não se saiba até hoje qual teria
sido o custo de permanecer atrelado ao euro). Da mesma forma que na Argentina,
no começo do século, a dívida pública se tornou impagável, tendo sido
convertida forçosamente nas novas moedas nacionais redivivas.
É verdade que credores domésticos sofreram
relativamente pouco no processo (não quero dizer que sofreram pouco, apenas
consideravelmente menos do que outras classes de credores). Sim, houve uma
redução modesta no valor nominal da dívida em vários casos (não todos) e, sim,
com as taxas de juros repactuadas e fixas, a aceleração da inflação nos
primeiros anos do novo regime acabou por impor um ônus adicional aos poupadores
nacionais.
Da mesma forma o sistema bancário em muitos
destes países (também não todos) teve que ser nacionalizado, reconhecendo de
direito uma situação de fato, visto que os governos nacionais eram os
garantidores últimos da dívida.
Por conta disto tais países passaram por um
período recessivo adicional, mas, de forma não surpreendente, dada a
experiência argentina, vários retomaram o crescimento em prazos de 1 a 2 anos.
É bem verdade que cresciam a partir de níveis muito reduzidos de produto, algo
entre 15% e 20% abaixo do seu potencial (talvez até mais se as novas técnicas
psicohistóricas de aferição de produto potencial são tão precisas quanto a nova
geração de economistas acredita), mas as melhores estimativas atuais sugerem
que em até 4 anos a maior parte deles já operava em intervalos próximos ao
potencial.
O que talvez não fosse esperado era o custo que
a dissolução do euro impôs aos países que nele permaneceram. A começar porque
as perdas associadas à reestruturação das dívidas periféricas afetaram
fortemente os bancos dos países credores, onde, afinal de contas, acumulavam-se
os créditos contra a periferia. Incluem-se, entre estes, os bancos centrais,
que, por meio do Target 2, também mantinham enorme exposição à periferia.
As perdas bancárias do centro europeu, somadas à
monumental apreciação do euro relativamente às moedas periféricas, tiveram
impacto extremamente negativo sobre estas economias.
A locomotiva exportadora alemã em particular foi
duramente atingida, visto que suas vantagens em termos de custos foram
revertidas pela desvalorização na periferia. Por outro lado, a retração de
crédito bancário – por conta das elevadas perdas patrimoniais – afetaram a
demanda interna, tanto consumo, quanto investimento. E, completando o quadro, a
necessidade do governo alemão recapitalizar os bancos partindo de uma situação
de endividamento já delicada, levou a um aumento expressivo do custo de
captação do Tesouro alemão.
É verdade que, no primeiro momento, a Alemanha
teve um desempenho muito superior ao da periferia, mergulhados ainda na crise
pós-desvalorização, mas, passados alguns anos, o país voltou a ser referido
como o homem doente da Europa, levando ao fim do longo reinado democrata-cristão
e abrindo espaço para a hegemonia socialdemocrata. “Ironia” é uma palavra grega
e não deixa de ser irônico que a Grécia, uma vez superada a desvalorização e o
desastrado governo do Syriza, tenha apresentado durante muitos anos desempenho
consideravelmente superior ao alemão.
Mas isto veio depois. No momento da ruptura e
nos 18-24 meses que se seguiram o que se observou foi uma queda adicional da
atividade europeia que rapidamente se espalhou, ainda que em escala não tão
dramática.
Os EUA conseguiram evitar o “despenhadeiro
fiscal” que se temia no final de 2012, embora o presidente Obama, mesmo
reeleito, tenha se tornado refém do Congresso de maioria republicana nas duas
casas na primeira metade de seu segundo mandato. Cortes de impostos foram
prorrogados e os cortes de gastos algo diluídos no tempo, face à resistência
republicana à redução dos gastos militares. Apesar disso, os ventos contrários vindos
da Europa mantiveram a recuperação morna, levando, na segunda metade do segundo
mandato, à recuperação da maioria democrata na Câmara e Senado e ao fim
melancólico do Tea Party.
De fato, apenas no final do governo Obama a
economia americana voltou a crescer com maior vigor, após o longo processo de
ajuste do endividamento excessivo das famílias. A eliminação da Lei Dodd-Frank,
substituída por uma versão mais moderna da lei Glass-Steagall, forçou a
separação das atividades de bancos de investimento e comercial[1],
levando a uma expansão mais saudável do crédito. A flexibilidade do mercado de
trabalho nos EUA também ajudou e o impulso advindo da exploração de petróleo e
gás levou finalmente à recuperação da economia americana após quase 8 anos de
crise.
Já a China, ainda presa entre o status quo e a necessidade de alterar
seu modelo de crescimento em favor do consumo, experimentou anos de baixo
crescimento (para os padrões chineses da época), resultado do reduzido
dinamismo do comércio internacional e do investimento excessivo nos anos
anteriores à dissolução do euro. Apenas a mudança da liderança política no
começo dos anos 20 conseguiu superar o impasse, recolocando o gigante asiático
novamente em rota de crescimento acelerado, ainda que inferior ao observado no
final do século XX e início do século XXI.
As consequências para o Brasil não foram
devastadoras, mas foram certamente negativas. Preços de commodities reverteram a tendência de alta e perderam fôlego
privando o país dos ganhos de termos de troca que marcaram a primeira década do
século.
A exploração do petróleo da camada pré-sal, tida
por muitos como o caminho para a prosperidade, teve resultados bem mais
modestos, em parte por conta do fim do superciclo de commodities, em parte pelo insucesso do modelo de exploração,
limitado pela capacidade financeira da Petrobrás.
O lado positivo desta história foi a necessidade
do país retomar o processo de reformas, que eventualmente levou a nova
aceleração do crescimento, anos mais tarde, embora em bases mais sólidas.
Enfim, acho importante deixar aqui meu
depoimento sobre este período turbulento para as novas gerações, ainda mais
agora que renascem as conversas sobre a moeda única latino-americana. Eu me
pergunto de que vale ter um Googlechip no córtex e as conexões neurais ligadas ao
Coletivo Google se a imensa maioria dos economistas ainda encara a história
econômica como um relato tedioso do qual pouco se pode aprender...”
Sem o Googlechip |
(Publicado 12/set/2012)
[1]
Obviamente, 45 anos depois o novo Glass-Steagall foi revogado e observamos
novamente a formação de imensos conglomerados financeiros, sob alegação da
necessidade de fazer frente aos rivais chineses e indianos.
Proteção e o Asno de Buridan
Quando o
Ministro da Fazenda anunciou a nova rodada de medidas protecionistas, elevando
o imposto de importação para 100 produtos, avisou também que não toleraria
abusos: indústrias que se aproveitassem das alíquotas de importação mais altas
para aumentar seus preços seriam punidas pelo cancelamento da medida, isto é, o
retorno à alíquota anterior, mais baixa.
Parece uma
medida sensata, mas trai um desconhecimento atroz de princípios elementares de
economia. Como pretendo mostrar, para aumentar a produção, objetivo último das
medidas de proteção, os preços terão que subir, fenômeno que parece se
encontrar além do entendimento da Fazenda, mas que não escapará dos escassos
leitores desta coluna.
Considere os
setores muito expostos à concorrência internacional, como o de manufaturas:
neste caso, o preço interno deve ser aproximadamente o preço internacional (por
exemplo, em dólares), multiplicado pela taxa de câmbio (“x” reais por dólar) e
acrescido de tarifas de importação e custos de transporte. Se a empresa tentar
elevar seus preços além deste valor, perderá mercado para os importados; caso,
pelo contrário, fixe seu preço abaixo disso deixará dinheiro na mesa.
Uma vez
estabelecido o preço, precisamos determinar o volume produzido.
Imagine que
o preço seja R$ 10/unidade e a empresa possa produzir a R$ 8/unidade. Neste
caso, cada unidade adicional produzida gera um lucro de R$ 2 e há, portanto,
incentivos para aumentar a produção. Estes permanecem até que o custo das novas
unidades chegue a R$ 10/unidade. A partir deste valor não faz sentido a
empresa produzir mais: a um custo de, digamos, R$ 11/unidade ela perderia R$ 1
a cada nova unidade e, assim, tomará a decisão de não produzir além do volume
ao qual custo de cada nova unidade se iguala o preço interno.
Considere,
por fim, as consequências de uma elevação generalizadas dos custos do país,
seja por aumentos de salários acima do crescimento da produtividade, seja pelos
efeitos da deterioração da infraestrutura, ou qualquer uma das causas tão bem
compreendidas pelo empresariado local. Se, por exemplo, o custo da nova unidade
subir para R$ 11/unidade, a empresa local cortará a produção até que este caia
a R$ 10/unidade, restabelecendo seu equilíbrio financeiro.
É claro que,
para atender à procura, a menor produção local terá que ser compensada por
importações mais altas, levando certas lideranças a gritarem “desindustrialização”
e o governo a tomar medidas para proteger o setor industrial, elevando as
tarifas de importação, de modo que o preço interno, sob as novas tarifas,
alcance agora R$ 11/unidade.
Caso, porém,
a empresa, atemorizada pela ameaça da Fazenda, tenha que manter seu preço em R$
10/unidade, ela seguirá sem incentivos para retomar os níveis anteriores de
produção. Pelo contrário, manterá o nível consistente com o custo de R$
10/unidade. Ela só voltará ao volume inicial de produção (que vigorava sob
custos mais baixos) se seu preço subir a R$ 11/unidade, ocupando o espaço
deixado pelos produtos importados.
Em outras
palavras, a decisão de produção está inapelavelmente ligada ao preço a que a
empresa pode vender seus produtos no mercado interno. Políticas de limitação
aos preços apenas se traduzem em quantidades reduzidas, lições que a história
econômica em geral, e a brasileira em particular, mostram à exaustão.
À luz disto,
podemos concluir que o Ministro da Fazenda reduzirá as alíquotas caso os preços
subam? Para respondermos à questão precisamos saber o que mais desagrada as
autoridades: elevação de preços ou queda da produção?
Tudo que
ocorreu até agora sugere que prioridade é o crescimento, não a inflação (como
magistralmente exposto na última Ata do Copom), ou seja, a ameaça ministerial
permanece como possibilidade muito remota e as empresas sabem disso. A válvula
de escape, como sempre, será a inflação.
(Publicado 12/Set/2012)
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
A hora da dolorosa
Há um ano o Banco Central (BC) começou um
processo de redução de taxa de juros cujo fim foi sinalizado na reunião do
Copom da semana passada (embora, dado o histórico recente de comunicação do BC,
possa haver distância astronômica entre sinalização e gesto). Também na semana
passada foi divulgado o resultado do PIB, revelando que nos 12 meses até junho
o crescimento econômico atingiu anêmicos 1,2% contra 4,7% acumulados nos 12
meses até junho de 2011. À luz disso pode-se dizer que o BC acertou ao mudar radicalmente
o curso da política monetária?
Acredito que não. Acredito também que perdi 80%
dos meus 18 leitores depois da afirmativa acima, talvez minha própria mãe, mas
peço aos hesitantes 20% que leiam até o final da coluna e então julguem se
minha resposta faz sentido.
Desde 1999 o BC está submetido ao regime de
metas para a inflação. Concretamente isto requer que o BC calibre sua política
de modo que a inflação convirja para a meta, no caso 4,5%. Assim, quando o
Copom anunciou a inesperada redução da taxa Selic argumentou que “[p]ara 2012,
as projeções de inflação (...) recuaram, posicionando-se ao redor do valor
central da meta (...).”
Já no “cenário alternativo, construído e
analisado sob a perspectiva de um modelo de equilíbrio geral dinâmico
estocástico de médio porte, [que] admite que a atual deterioração do cenário
internacional cause um impacto sobre a economia brasileira equivalente a um
quarto do impacto observado durante a crise internacional de 2008/2009 (...) a
taxa de inflação se posiciona em patamar inferior ao que seria observado caso
não fosse considerado o supracitado efeito da crise internacional”.
No entanto, se o desempenho brasileiro está
longe de ser brilhante, é também distante daquele imaginado pelo Copom. Entre o
terceiro trimestre de 2008 e o primeiro de 2009 o PIB caiu quase 5,5%, enquanto
a taxa de desemprego, descontados os efeitos do desalento, subiu cerca de 2
pontos percentuais. Já o nível de utilização de capacidade na indústria (NUCI)
caiu cerca de 8 pontos percentuais, segundo a FGV.
Em contraste, o PIB brasileiro cresceu
modestamente (0,7%) entre o terceiro trimestre de 2011 e o segundo deste ano, o
NUCI se manteve praticamente inalterado e a taxa de desemprego caiu. Por
qualquer critério que se olhe, o cenário que balizou o corte de juros não se
manifestou.
Por outro lado, é verdade que a inflação se
reduziu, mas isso não configura o sucesso da política do BC. Em primeiro lugar
porque a inflação reage, como se sabe, com defasagens às decisões de política
monetária. A redução da inflação em 2012 estava encomendada pelas ações tomadas
na primeira metade de 2011, o que, aliás, transparecia na queda continuada das
expectativas de inflação para este ano, conforme computadas pela pesquisa Focus.
Isto dito, o Copom não prometeu apenas reduzir a
inflação, mas afirmou que “um ajuste moderado no nível da taxa básica é
consistente com o cenário de convergência da inflação à meta em 2012”. Contudo,
o consenso de mercado hoje sugere que a inflação em 2012 permanecerá bem acima
da meta, em torno de 5,20%.
Em segundo lugar a queda da inflação foi
exacerbada por fatores que nada têm a ver com a política monetária. Não vai
aqui qualquer crítica à mudança da ponderação do IPCA por conta da nova
Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, mas o fato é que, caso a ponderação permanecesse
a mesma, a inflação, que nos últimos 12 meses acumulou 5,24%, teria atingido
5,88%. Parte da queda da inflação é, portanto, mera ilusão estatística.
Houve adicionalmente medidas de redução
temporárias de impostos, que geram efeitos também passageiros sobre a inflação.
Vale dizer, considerada a informação disponível na data da decisão e dadas as
previsões do BC à época, fica claro que a evolução da inflação foi muito pior
do que o Copom antevia.
É verdade que parcela disto reflete o aumento
dos preços internacionais de alimentos, fator que estaria fora do controle do
BC e é referido erroneamente pelas autoridades como um choque de oferta, cujos
efeitos não deveriam ser debitados na conta da autoridade monetária.
Já eu creio que deveriam sim ser contabilizados
entre os passivos do BC. Não, é claro, a seca que assolou a agricultura
americana, mas a política cambial que, ao impedir a resposta natural da taxa de
câmbio brasileira (baratear o dólar quando preços de commodities aumentam), também não permitiu que o aumento dos preços
internacionais de alimentos fosse absorvido, como no passado, pelo câmbio mais
forte.
Em suma, mesmo com o crescimento na faixa de
1,5% a inflação este ano superará a meta (e mais ainda no ano que vem), o que,
em função do mandato do BC, determinado pelo Decreto 3.088/99, configura um erro
mensurável na condução de política monetária. Erro tanto maior porque ao longo
do processo o BC perdeu o controle duramente conquistado sobre as expectativas
de inflação. Quando (e se) finalmente se decidir por fazer a inflação retornar
à meta, pagaremos um preço bem mais alto em termos de produção e emprego do que
no passado. A conta chega, sempre chega.
Hã?! |
(Publicado 5/Set/2012)
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
A agenda abandonada
Não podemos dizer que o resultado do PIB do
segundo trimestre (aumento de 0,4% na comparação com o primeiro trimestre deste
ano e 0,5% contra o segundo trimestre de 2011) tenha sido surpreendente. Ainda
assim, decepcionou. Mesmo que se materialize a reação mais vigorosa esperada
para o segundo semestre, dificilmente a expansão do produto superará 1,5% este
ano, o pior resultado desde 2009, ano comprometido pela crise financeira.
É tentador imaginar que também agora o fraco desempenho
do país possa ser atribuído à crise externa, cujos efeitos sobre mercados
financeiros, assim como sobre o comércio internacional, têm sido mais que
claros. Tentador, porém equivocado.
Ao contrário do ocorrido àquela época não há
sinais de uma queda sincronizada da atividade. Na América Latina, região cujo comportamento
tende a ser afetado por fatores comuns (por exemplo, os preços de commodities), não há como deixar de
notar as diferenças. Enquanto o PIB brasileiro cresceu 0,5% sobre o mesmo
período do ano passado, o Chile mostrou expansão de 5,5%; o México 4,7%; o Peru
6,1% e a Colômbia 4,7% (no primeiro trimestre). Esta evidência não é, diga-se,
a palavra final sobre o assunto, mas sugere que se busquem as raízes do anêmico
desempenho pátrio em razões locais, nem tanto na crise internacional. Mas
quais?
A reação imediata, por conta de uma longa
experiência de crises, é atribuir a culpa à fraca demanda, mas, se a demanda
interna não tem um desempenho sensacional, também não parece ser a fonte última
da desaceleração. Certos fatos, acredito, indicam que o problema pode estar
ligado à oferta, isto é, à nossa capacidade de crescimento sustentado.
Caso seja verdade, trata-se de situação, se não
inédita, ao menos rara na história econômica brasileira recente. Não consigo me
lembrar, do alto dos meus quase 50 anos, de nada semelhante, à exceção do
racionamento de 2001, quando as limitações na oferta de energia forçaram a
redução do ritmo de crescimento.
Quem, todavia, olha com mais cuidado para os
desenvolvimentos do lado do mercado de trabalho começa a notar fatos reveladores.
Apesar da baixa expansão do PIB no primeiro semestre de 2012 (0,6%), o emprego
nas seis regiões metropolitanas cresceu 2%, ampliando o paradoxo de 2011,
quando, a despeito do crescimento ter ficado na casa de 2,7%, o emprego
continuou a crescer a um ritmo superior ao da população, levando a uma queda
expressiva da taxa de desemprego (de 6,7% para 6%).
Dado o baixo crescimento da produtividade, mesmo
taxas modestas de crescimento levam à redução persistente do desemprego,
sugerindo que a oferta de mão de obra, seja em quantidade, seja em
qualificação, se configura como o principal obstáculo ao crescimento, secundada
pelo fraquíssimo desempenho do investimento, em particular em infraestrutura. O
sintoma mais claro disto é o aumento dos salários (ao redor de 11% relativamente
ao ano passado), muito superior a qualquer estimativa honesta do crescimento da
produtividade.
Posto de outra forma, não há como manter o ritmo
dos últimos anos simplesmente porque não temos a mesma disponibilidade de mão
de obra e também porque, à medida que empregamos trabalhadores com menor
capacitação e experiência, é de se esperar que a produtividade se desacelere.
Caso esta hipótese seja verdadeira, duas são as
conclusões. Em primeiro lugar que políticas de expansão da demanda não
conseguirão acelerar o crescimento sem agravar desequilíbrios macroeconômicos,
em particular a inflação, que já vem se acelerando e assim continuará.
E, finalmente, que, se quisermos acelerar o
crescimento do PIB, são necessárias políticas que favoreçam o aumento da
produtividade. A nota triste é que deveriam ter sido adotadas anos atrás para
que seus efeitos se manifestassem agora, mas esta agenda, antes perdida, foi então
abandonada e, de novo, corremos hoje atrás do prejuízo.
- Olhaí Nersão: vê se não esqueceu debaixo do carro... |
(Publicado 5/Set/2012)