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domingo, 30 de setembro de 2012

Participação no Painel dos dias 29-30/setembro

Estive no Painel da Globo News este fim de semana. O link está aqui e aqui.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Tiro ao pé


Se não conhecesse a figura, poderia ficar espantado com a entrevista do ministro da Fazenda ao Financial Times na última sexta-feira. À parte a indisfarçada ironia (britânica) do jornal acerca das reclamações do ministro sobre protecionismo por parte de países desenvolvidos enquanto se gaba (como só ele sabe fazer) da pouca dependência do Brasil com relação a estes mercados, é difícil dar bases sólidas às suas críticas à terceira rodada de afrouxamento monetário nos EUA (QE3).

Segundo o pensamento ministerial, se me permitem o oxímoro, o fim último do QE3 é desvalorizar o dólar para elevar as exportações (líquidas das importações) e acelerar o crescimento da economia americana às expensas da economia global. Faltou, como sempre, checar as presunções ministeriais contra os dados econômicos.

O ministro parece não saber que a economia americana obtém pouca tração do comércio internacional. Exportações em 2011 representavam modestos 13% do PIB do EUA, enquanto importações atingiram o equivalente a 16% do PIB, valores bastante próximos aos observados no Brasil: respectivamente, 12% e 13% do PIB. Lá, como aqui, o principal motor de expansão da demanda é o mercado interno, em particular o consumo das famílias, que representa mais de 70% do PIB.

Com efeito, entre 2009 (o fundo do poço) e 2011 o PIB americano cresceu, já deduzida a inflação, algo como US$ 540 bilhões. O consumo das famílias representou quase três quartos deste crescimento, pouco menos de US$ 400 bilhões; desempenho que, se não é brilhante, tem certamente ajudado.

O investimento não residencial também contribuiu, adicionando cerca de US$ 120 bilhões ao PIB. A ausência notável é o investimento residencial, onde o estouro da bolha imobiliária produziu maior estrago: queda de US$ 17 bilhões, em contraste com uma expansão média de US$ 32 bilhões/ano no período pré-crise.

À luz destes números analistas mais bem informados (ou que, ao menos, estejam dispostos a buscar as informações) concluiriam que o objetivo desta nova rodada de expansão monetária deveria ser precisamente reativar o investimento residencial. Não por acaso, aliás, no anúncio do QE3 o Federal Reserve (Fed) deixa claro que a expansão monetária adicional (US$ 40 bilhões/mês) será integralmente destinada à compra de títulos lastreados em hipotecas, de modo a reduzir as taxas de juros destes empréstimos e assim estimular as compras de imóveis.

Adicionalmente o Fed, ao contrário de tentativas anteriores, não se comprometeu com um valor para o programa; pelo contrário, condicionou sua continuidade à queda mais expressiva do desemprego. Enquanto este, hoje na casa de 8%, não se reduzir a níveis compatíveis com estabilidade de preços (em torno de 5-5,5%), a expansão não cessará. Por todos os ângulos que se observe, trata-se de política voltada primordialmente ao mercado interno.

Apesar disto note-se que o QE3, se exitoso, irá beneficiar o Brasil mais do que a presumida desvalorização do dólar poderia prejudicá-lo. A despeito da flutuação do dólar, importações americanas seguem de perto a demanda interna, que se encontrava no ano passado algo como 14% abaixo do valor que teria prevalecido sob a tendência pré-crise. A recuperação do mercado interno poderia acrescentar, portanto, cerca de US$ 2,5 bilhões/ano às exportações brasileiras para os EUA, que em 2011 foram de US$ 25 bilhões. Neste aspecto a reclamação sobre a política expansionista dos BCs mundiais merece medalha de ouro na categoria “tiro ao próprio pé”.

Contudo, se isto é verdade, por que o tiro ao pé? Em parte, acredito, porque a obsessão com a taxa de câmbio os leva imaginar que os demais sofram da mesma compulsão, sem se dar ao trabalho de olhar os números. Mas a razão principal, creio, são os crescentemente imodestos interesses protecionistas, transparecendo a cada passo da “nova política econômica”.

- Países desenvolvidos são mais protecionistas que o Brasil
- Tem razão: eles nos prejudicam muito
- A gente exporta só 6% do PIB para eles
- Tem razão: eles nos prejudicam pouco


(Publicado 26/Set/2012)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Previsões para o Nobel

A Reuters levantou os seguintes nomes:

Stephen A. Ross (Arbitrage Price Theory)

Angus S. Deaton e Sir Anthony B. Atkinson (Income and Outcomes)

Robert J. Shiller (Understanding Market Volatility)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Resistir quem há de?


BC tem autonomia e não sofre pressão política, diz Mantega

Integrantes do governo esforçam-se para negar a interferência no Banco Central. Contudo, essa percepção não decorre apenas da última decisão do órgão, mas sim de um processo que já dura meses


Não há problema de inflação no Brasil, diz Mantega
Por Daniela Fernandes | Para o Valor

PARIS - O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse nesta quarta-feira, em Paris, que não vê o processo inflacionário no Brasil com preocupação, tanto em 2012 quanto em 2013. “A inflação segue dentro da meta e vai continuar”, afirmou. Por isso, disse, a política de juros baixos adotada pelo governo deve prosseguir, avalia o ministro.


- O BC é autônomo
- Desde que faça o que eu zu..., não, mandar...

Tem, mas acabou


Eu bem que queria escrever sobre a ata do Copom, mas, mesmo sob a nova frequência semanal, outros temas me forçaram a adiar o assunto. Não acho, porém, que tenha perdido a atualidade, pois me parece claro que, se restava ainda dúvida acerca da sobrevivência do regime de metas no Brasil, a ata foi a metafórica pá de cal. Em particular o parágrafo 19 é o epitáfio do regime: ali o Copom reconhece que sua projeção para a inflação em 2012 está acima da meta, assim permanecendo até meados de 2014.

É verdade que sinalizar a inflação acima da meta por um período de quase dois anos não chega a ser inédito. Mais de uma vez o BC teve que reconhecer situações como essa; a novidade agora é que, mesmo sob um cenário inflacionário desfavorável, e com tempo de sobra para reagir a ele, o Comitê preferiu seguir reduzindo as taxas de juros e contar com um milagre (também conhecido com “convergência não linear da inflação à trajetória de metas”), a cumprir a tarefa que lhe foi designada pelo Decreto 3.088/99, qual seja, tomar as decisões de política que tragam a inflação de volta à meta.

Segundo o Copom, “embora (...) o curto prazo tenha sido negativamente impactado por choques de oferta associados a eventos climáticos, domésticos e externos, [o cenário inflacionário] manteve sinais favoráveis em prazos mais longos”. Como desculpa para inação esta afirmação peca em mais de um aspecto.

A começar porque a persistência da inflação acima da meta por dois anos (repita-se) não é um evento de curto prazo. E nós, leitores da ata, bem que gostaríamos de saber quais são os “sinais favoráveis” a que o BC se refere, visto que em momento algum se mencionam projeções indicando a reversão do processo inflacionário.

Afora isso, há a questão do tratamento do chamado “choque de oferta”. Este é dito “negativo” quando reduz as quantidades disponíveis e, por conta disso, eleva os preços; e é “positivo” quando, ao contrário, eleva a quantidade e faz cair os preços.

O BC, há tempos, afirma que não combate os efeitos diretos de choques de oferta, ou seja, não eleva a taxa de juros quando o choque é negativo, partindo do pressuposto que estes em geral se dissipam em alguns meses, sem necessariamente contaminar a inflação por períodos mais longos. Obviamente, por simetria, o BC não deveria também reduzir os juros quando ocorrem choques favoráveis de oferta, que, da mesma forma, tendem a desaparecer passado algum tempo.

No entanto, não é o que se observa. Enquanto o aumento dos preços internacionais de commodities é invocado como razão para não subir a taxa de juros, eventos favoráveis como o corte temporário de impostos sobre veículos, e, não duvidem, a recente redução de encargos sobre energia elétrica são alegremente considerados como motivos para redução da Selic.

E, cá entre nós, tomar o aumento internacional de preços de commodities como um choque de oferta equivale a esticar o conceito bem mais do que seria recomendável. Para agricultores americanos a seca reduziu as quantidades e elevou preços, configurando um choque clássico de oferta. O agricultor brasileiro, por outro lado, só percebe os preços em alta, sem prejuízo da quantidade. E, se é verdade que os preços mais altos prejudicam o consumidor, é bom lembrar que o país produz bem mais do que consome, gerando um benefício líquido para o Brasil. Trata-se, em outras palavras, de um choque sim, mas um choque positivo, e de demanda!

Note-se, por fim, que a contaminação dos preços domésticos só é possível porque o BC não permite que o dólar se barateie como deveria ocorrer face ao aumento dos preços de commodities. Na prática, ao fixar uma meta para a taxa de câmbio o BC admite que aumentos de preços fora do país acabem por se materializar domesticamente.

Em outras palavras, o BC tem várias metas: para o câmbio, para o crescimento, para a taxa de juros. Só acabou a meta para a inflação.

- Só em 2015 se Deus quiser...

(Publicado 19/Set/2012)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Memórias de um centenário


Excerto das memórias do economista Alexandre Schwartsman, postadas no seu centésimo aniversário.

“(...) Mas o principal erro, dentre tantos que cometi, e que são inerentes à profissão do economista, talvez tenha sido não levar a sério algumas de minhas próprias conclusões e, desta forma, não antever os eventos de maior magnitude observados até agora no século XXI, que vi nascer e no qual vivi a maior parte da minha longa existência.

Eu já tinha acompanhado o que ocorrera com a Argentina, país que – assim como a periferia europeia – havia se colocado numa armadilha cambial. Enquanto os capitais fluíam abundantemente tudo corria a favor do país. Havia um desequilíbrio externo, mas o financiamento barato não criava incentivos para sua correção; pelo contrário, a percepção que a poupança externa estaria sempre disponível para países que se engajassem seriamente nas reformas e no controle fiscal gerou despreocupação com respeito ao balanço de pagamentos.

No entanto, quando os capitais secaram, originalmente por fatores que pouco (ou nada) tinham a ver com a Argentina e o país se viu obrigado a fazer um forte ajuste de balanço de pagamentos, o pesadelo do padrão-ouro retornou. Incapaz de desvalorizar sua moeda o país tentou promover a depreciação interna, isto é, reduzir preços e salários domésticos para recuperar a competividade perdida.

Como resultado, o crescimento do PIB, que atingira níveis asiáticos nos anos anteriores, foi negativo em 1998, 1999, 2000 e 2001, testando os limites políticos e econômicos da estratégia. A arrecadação caiu e o país passou a enfrentar problemas fiscais. Ao mesmo tempo aumentou a percepção que a Argentina não conseguiria manter o câmbio fixo, gerando um sério problema: com praticamente toda a dívida pública e privada denominada em dólares, era claro que o abandono do câmbio fixo levaria – como levou – à reestruturação da dívida do governo e à quebra do sistema financeiro.

Isto realimentava o problema à medida que tais temores se refletiam em elevações dos spreads soberanos e, consequentemente, do custo de capital para os setores público e privado, agravado a recessão e os problemas fiscais. De nada adiantaram planos de ajuste fiscal (mais rigorosos do mesmo hoje se dá crédito), ou promessas de ajuda externa (quantas vezes ouvimos o termo blindaje?).

Quando a deterioração atingiu um estado crítico, com fuga de capitais e queda acentuada da atividade econômica a Argentina viu-se forçada a desvalorizar a moeda, promover o corralito para estancar a fuga de depósitos e, por conta disso, mergulhou em profunda crise política, preparando o terreno para a volta do tradicional populismo latino-americano.

Os paralelos com a situação da periferia europeia eram mais do que desconfortáveis. Havia uma forma ainda mais extrema de câmbio fixo: a adoção de uma moeda única entre economias estruturalmente muito distintas e que não possuíam mecanismos de ajuste como os encontrados em economias continentais, como EUA e Brasil.

Os mercados de trabalho não eram integrados, isto é, salários na periferia e centro europeus eram determinados por considerações regionais, com pouquíssima migração de regiões com salários estagnados para regiões com salários em crescimento, o que levou à evolução muito distinta do custo do trabalho ajustado à produtividade.

Assim os custos subiram na periferia relativamente ao centro, processo equivalente à apreciação cambial, conduzindo a déficits externos maciços na periferia em contrapartida a superávits não menos relevantes no centro. Novamente isto não foi visto como problema, dada a crença na persistência dos ingressos de capitais por conta da integração financeira.

Contudo, quando sobreveio a crise de 2008-09 e os capitais voltaram ao centro, esta vulnerabilidade foi desnudada. Da mesma forma que na Argentina, a necessidade de redução de preços e salários levou a um forte processo recessivo, que contaminou as finanças governamentais. Adicionalmente as perdas bancárias forçaram os governos a garantirem, explícita ou implicitamente, depósitos, criando um imenso passivo público.

Aí ficaram patentes as duas outras falhas da integração europeia. A ausência de integração fiscal colocou um fardo desproporcional sobre a periferia, em particular nos países que, antes da crise, haviam tido desempenho exemplar de controle de gastos. Tiveram que cortar carne e osso, agravado o clima político e a queda da atividade.

Já a ausência de integração bancária deixou cada país expostos às vicissitudes do seu sistema financeiro, aprofundando a percepção que a conta dos problemas bancários recairia sobre o governo, e levando a prêmios de risco crescentes sobre sua dívida. Por outro lado, com os bancos carregados de títulos públicos, este mesmo aumento dos prêmios piorava sua patrimonial, o que não ocorreria (ou ocorreria em escala muito menor) caso a garantia aos bancos fosse supranacional.

Em suma, a crise europeia da primeira década do século foi uma repetição da crise argentina, mas em escala muito ampliada. Ampliada porque envolvia vários países; porque envolvia somas perto das quais o default argentino virava dinheiro de troco; porque ocorria pela primeira vez depois de quase um século em países desenvolvidos; e, finalmente, porque punha em xeque a construção política mais ambiciosa do Ocidente: a unificação europeia.

Hoje, 50 anos depois dos eventos, ainda me lembro do peso deste último elemento. Acreditava que a Europa não permitiria a dissolução do seu ousado projeto político e que, portanto, depois de todas as rodadas necessárias de barganha, os líderes europeus fariam o que seria necessário para manter a União Europeia. Eventualmente os países credores, Alemanha principalmente, acabariam pagando a conta em troca de um controle maior, ou seja, de uma criação de uma Europa federal.

Não contava, porém, com dois fatores perturbadores: a complexa governança europeia, que dava pesos iguais a países de dimensões muito distintas e a polarização política acentuada pela própria recessão. Num primeiro momento a transição política de situação para oposição na Europa ocorreu dentro do mainstream, mas a persistência do crescimento baixo, ou mesmo negativo, terminou por corroer a credibilidade dos partidos políticos tradicionais.

Populistas como Beppe Grillo na Itália, Alexis Tsipiras (do Syriza), e Geert Wilders na Holanda, trazidos ao poder em meio a mensagens contrárias à austeridade fiscal e, de modo geral, hostis ao projeto de unificação europeia, transformaram o que poderia ser um jogo de cartas marcadas numa disputa real, abrindo inclusive espaço para a eleição de Marine Le Pen e sua Frente Nacional na França, a pá de cal no projeto europeu.

É bem verdade que, antes mesmo da eleição de Le Pen, a incapacidade da cúpula europeia em articular um plano ousado de resgate da periferia já havia forçado a saída da Grécia da moeda única, jogando aquele país numa crise ainda mais aguda que a experimentada entre 2008 e 2012.

Mais que isso, a saída grega (conhecida na época como Greekexit) terminou de vez com os resquícios da crença sobre a inviolabilidade do euro. Nas semanas e meses que se seguiram ao Greekexit, numa imitação agora da crise asiática de 15 anos antes, como dominós foram caindo os países da periferia.

Primeiro Portugal, assolado por problemas semelhantes aos gregos e, como a Grécia, percebido como pequeno demais para afetar o todo. Depois Chipre, Irlanda, Espanha e, finalmente, após uma luta inglória, também a Itália. Num espaço de meses toda a periferia europeia havia abandonado a moeda única, de repente domínio da Alemanha e seus satélites, com a França orbitando algo desajeitadamente entre o euro e o retorno do Franco (finalmente decidido pela Presidente Le Pen alguns anos mais tarde).

Desnecessário dizer que todos os países que abandonaram o euro pagaram caro (ainda que não se saiba até hoje qual teria sido o custo de permanecer atrelado ao euro). Da mesma forma que na Argentina, no começo do século, a dívida pública se tornou impagável, tendo sido convertida forçosamente nas novas moedas nacionais redivivas.

É verdade que credores domésticos sofreram relativamente pouco no processo (não quero dizer que sofreram pouco, apenas consideravelmente menos do que outras classes de credores). Sim, houve uma redução modesta no valor nominal da dívida em vários casos (não todos) e, sim, com as taxas de juros repactuadas e fixas, a aceleração da inflação nos primeiros anos do novo regime acabou por impor um ônus adicional aos poupadores nacionais.

Da mesma forma o sistema bancário em muitos destes países (também não todos) teve que ser nacionalizado, reconhecendo de direito uma situação de fato, visto que os governos nacionais eram os garantidores últimos da dívida.

Por conta disto tais países passaram por um período recessivo adicional, mas, de forma não surpreendente, dada a experiência argentina, vários retomaram o crescimento em prazos de 1 a 2 anos. É bem verdade que cresciam a partir de níveis muito reduzidos de produto, algo entre 15% e 20% abaixo do seu potencial (talvez até mais se as novas técnicas psicohistóricas de aferição de produto potencial são tão precisas quanto a nova geração de economistas acredita), mas as melhores estimativas atuais sugerem que em até 4 anos a maior parte deles já operava em intervalos próximos ao potencial.

O que talvez não fosse esperado era o custo que a dissolução do euro impôs aos países que nele permaneceram. A começar porque as perdas associadas à reestruturação das dívidas periféricas afetaram fortemente os bancos dos países credores, onde, afinal de contas, acumulavam-se os créditos contra a periferia. Incluem-se, entre estes, os bancos centrais, que, por meio do Target 2, também mantinham enorme exposição à periferia.

As perdas bancárias do centro europeu, somadas à monumental apreciação do euro relativamente às moedas periféricas, tiveram impacto extremamente negativo sobre estas economias.

A locomotiva exportadora alemã em particular foi duramente atingida, visto que suas vantagens em termos de custos foram revertidas pela desvalorização na periferia. Por outro lado, a retração de crédito bancário – por conta das elevadas perdas patrimoniais – afetaram a demanda interna, tanto consumo, quanto investimento. E, completando o quadro, a necessidade do governo alemão recapitalizar os bancos partindo de uma situação de endividamento já delicada, levou a um aumento expressivo do custo de captação do Tesouro alemão.

É verdade que, no primeiro momento, a Alemanha teve um desempenho muito superior ao da periferia, mergulhados ainda na crise pós-desvalorização, mas, passados alguns anos, o país voltou a ser referido como o homem doente da Europa, levando ao fim do longo reinado democrata-cristão e abrindo espaço para a hegemonia socialdemocrata. “Ironia” é uma palavra grega e não deixa de ser irônico que a Grécia, uma vez superada a desvalorização e o desastrado governo do Syriza, tenha apresentado durante muitos anos desempenho consideravelmente superior ao alemão.

Mas isto veio depois. No momento da ruptura e nos 18-24 meses que se seguiram o que se observou foi uma queda adicional da atividade europeia que rapidamente se espalhou, ainda que em escala não tão dramática.

Os EUA conseguiram evitar o “despenhadeiro fiscal” que se temia no final de 2012, embora o presidente Obama, mesmo reeleito, tenha se tornado refém do Congresso de maioria republicana nas duas casas na primeira metade de seu segundo mandato. Cortes de impostos foram prorrogados e os cortes de gastos algo diluídos no tempo, face à resistência republicana à redução dos gastos militares. Apesar disso, os ventos contrários vindos da Europa mantiveram a recuperação morna, levando, na segunda metade do segundo mandato, à recuperação da maioria democrata na Câmara e Senado e ao fim melancólico do Tea Party.

De fato, apenas no final do governo Obama a economia americana voltou a crescer com maior vigor, após o longo processo de ajuste do endividamento excessivo das famílias. A eliminação da Lei Dodd-Frank, substituída por uma versão mais moderna da lei Glass-Steagall, forçou a separação das atividades de bancos de investimento e comercial[1], levando a uma expansão mais saudável do crédito. A flexibilidade do mercado de trabalho nos EUA também ajudou e o impulso advindo da exploração de petróleo e gás levou finalmente à recuperação da economia americana após quase 8 anos de crise.

Já a China, ainda presa entre o status quo e a necessidade de alterar seu modelo de crescimento em favor do consumo, experimentou anos de baixo crescimento (para os padrões chineses da época), resultado do reduzido dinamismo do comércio internacional e do investimento excessivo nos anos anteriores à dissolução do euro. Apenas a mudança da liderança política no começo dos anos 20 conseguiu superar o impasse, recolocando o gigante asiático novamente em rota de crescimento acelerado, ainda que inferior ao observado no final do século XX e início do século XXI.

As consequências para o Brasil não foram devastadoras, mas foram certamente negativas. Preços de commodities reverteram a tendência de alta e perderam fôlego privando o país dos ganhos de termos de troca que marcaram a primeira década do século.

A exploração do petróleo da camada pré-sal, tida por muitos como o caminho para a prosperidade, teve resultados bem mais modestos, em parte por conta do fim do superciclo de commodities, em parte pelo insucesso do modelo de exploração, limitado pela capacidade financeira da Petrobrás.

O lado positivo desta história foi a necessidade do país retomar o processo de reformas, que eventualmente levou a nova aceleração do crescimento, anos mais tarde, embora em bases mais sólidas.

Enfim, acho importante deixar aqui meu depoimento sobre este período turbulento para as novas gerações, ainda mais agora que renascem as conversas sobre a moeda única latino-americana. Eu me pergunto de que vale ter um Googlechip no córtex e as conexões neurais ligadas ao Coletivo Google se a imensa maioria dos economistas ainda encara a história econômica como um relato tedioso do qual pouco se pode aprender...”

Sem o Googlechip


(Publicado 12/set/2012)


[1] Obviamente, 45 anos depois o novo Glass-Steagall foi revogado e observamos novamente a formação de imensos conglomerados financeiros, sob alegação da necessidade de fazer frente aos rivais chineses e indianos. 

Proteção e o Asno de Buridan


Quando o Ministro da Fazenda anunciou a nova rodada de medidas protecionistas, elevando o imposto de importação para 100 produtos, avisou também que não toleraria abusos: indústrias que se aproveitassem das alíquotas de importação mais altas para aumentar seus preços seriam punidas pelo cancelamento da medida, isto é, o retorno à alíquota anterior, mais baixa.

Parece uma medida sensata, mas trai um desconhecimento atroz de princípios elementares de economia. Como pretendo mostrar, para aumentar a produção, objetivo último das medidas de proteção, os preços terão que subir, fenômeno que parece se encontrar além do entendimento da Fazenda, mas que não escapará dos escassos leitores desta coluna.

Considere os setores muito expostos à concorrência internacional, como o de manufaturas: neste caso, o preço interno deve ser aproximadamente o preço internacional (por exemplo, em dólares), multiplicado pela taxa de câmbio (“x” reais por dólar) e acrescido de tarifas de importação e custos de transporte. Se a empresa tentar elevar seus preços além deste valor, perderá mercado para os importados; caso, pelo contrário, fixe seu preço abaixo disso deixará dinheiro na mesa.

Uma vez estabelecido o preço, precisamos determinar o volume produzido.

Imagine que o preço seja R$ 10/unidade e a empresa possa produzir a R$ 8/unidade. Neste caso, cada unidade adicional produzida gera um lucro de R$ 2 e há, portanto, incentivos para aumentar a produção. Estes permanecem até que o custo das novas unidades chegue a R$ 10/unidade.  A partir deste valor não faz sentido a empresa produzir mais: a um custo de, digamos, R$ 11/unidade ela perderia R$ 1 a cada nova unidade e, assim, tomará a decisão de não produzir além do volume ao qual custo de cada nova unidade se iguala o preço interno.

Considere, por fim, as consequências de uma elevação generalizadas dos custos do país, seja por aumentos de salários acima do crescimento da produtividade, seja pelos efeitos da deterioração da infraestrutura, ou qualquer uma das causas tão bem compreendidas pelo empresariado local. Se, por exemplo, o custo da nova unidade subir para R$ 11/unidade, a empresa local cortará a produção até que este caia a R$ 10/unidade, restabelecendo seu equilíbrio financeiro.

É claro que, para atender à procura, a menor produção local terá que ser compensada por importações mais altas, levando certas lideranças a gritarem “desindustrialização” e o governo a tomar medidas para proteger o setor industrial, elevando as tarifas de importação, de modo que o preço interno, sob as novas tarifas, alcance agora R$ 11/unidade.

Caso, porém, a empresa, atemorizada pela ameaça da Fazenda, tenha que manter seu preço em R$ 10/unidade, ela seguirá sem incentivos para retomar os níveis anteriores de produção. Pelo contrário, manterá o nível consistente com o custo de R$ 10/unidade. Ela só voltará ao volume inicial de produção (que vigorava sob custos mais baixos) se seu preço subir a R$ 11/unidade, ocupando o espaço deixado pelos produtos importados.

Em outras palavras, a decisão de produção está inapelavelmente ligada ao preço a que a empresa pode vender seus produtos no mercado interno. Políticas de limitação aos preços apenas se traduzem em quantidades reduzidas, lições que a história econômica em geral, e a brasileira em particular, mostram à exaustão.

À luz disto, podemos concluir que o Ministro da Fazenda reduzirá as alíquotas caso os preços subam? Para respondermos à questão precisamos saber o que mais desagrada as autoridades: elevação de preços ou queda da produção?

Tudo que ocorreu até agora sugere que prioridade é o crescimento, não a inflação (como magistralmente exposto na última Ata do Copom), ou seja, a ameaça ministerial permanece como possibilidade muito remota e as empresas sabem disso. A válvula de escape, como sempre, será a inflação.

- Se subir o preço eu corto a alíquota
- Mas a produção cai
- Aí eu subo a alíquota
- Aí o preço sobe
- Se subir o preço eu corto a alíquota
- Mas a produção cai
- Aí eu subo a alíquota
- Aí o preço sobe
- Se subir o preço eu corto a alíquota
- Mas a produção cai
- Aí eu subo a alíquota
- Aí o preço sobe
...


(Publicado 12/Set/2012)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A hora da dolorosa


Há um ano o Banco Central (BC) começou um processo de redução de taxa de juros cujo fim foi sinalizado na reunião do Copom da semana passada (embora, dado o histórico recente de comunicação do BC, possa haver distância astronômica entre sinalização e gesto). Também na semana passada foi divulgado o resultado do PIB, revelando que nos 12 meses até junho o crescimento econômico atingiu anêmicos 1,2% contra 4,7% acumulados nos 12 meses até junho de 2011. À luz disso pode-se dizer que o BC acertou ao mudar radicalmente o curso da política monetária?

Acredito que não. Acredito também que perdi 80% dos meus 18 leitores depois da afirmativa acima, talvez minha própria mãe, mas peço aos hesitantes 20% que leiam até o final da coluna e então julguem se minha resposta faz sentido.

Desde 1999 o BC está submetido ao regime de metas para a inflação. Concretamente isto requer que o BC calibre sua política de modo que a inflação convirja para a meta, no caso 4,5%. Assim, quando o Copom anunciou a inesperada redução da taxa Selic argumentou que “[p]ara 2012, as projeções de inflação (...) recuaram, posicionando-se ao redor do valor central da meta (...).”

Já no “cenário alternativo, construído e analisado sob a perspectiva de um modelo de equilíbrio geral dinâmico estocástico de médio porte, [que] admite que a atual deterioração do cenário internacional cause um impacto sobre a economia brasileira equivalente a um quarto do impacto observado durante a crise internacional de 2008/2009 (...) a taxa de inflação se posiciona em patamar inferior ao que seria observado caso não fosse considerado o supracitado efeito da crise internacional”.

No entanto, se o desempenho brasileiro está longe de ser brilhante, é também distante daquele imaginado pelo Copom. Entre o terceiro trimestre de 2008 e o primeiro de 2009 o PIB caiu quase 5,5%, enquanto a taxa de desemprego, descontados os efeitos do desalento, subiu cerca de 2 pontos percentuais. Já o nível de utilização de capacidade na indústria (NUCI) caiu cerca de 8 pontos percentuais, segundo a FGV.

Em contraste, o PIB brasileiro cresceu modestamente (0,7%) entre o terceiro trimestre de 2011 e o segundo deste ano, o NUCI se manteve praticamente inalterado e a taxa de desemprego caiu. Por qualquer critério que se olhe, o cenário que balizou o corte de juros não se manifestou.

Por outro lado, é verdade que a inflação se reduziu, mas isso não configura o sucesso da política do BC. Em primeiro lugar porque a inflação reage, como se sabe, com defasagens às decisões de política monetária. A redução da inflação em 2012 estava encomendada pelas ações tomadas na primeira metade de 2011, o que, aliás, transparecia na queda continuada das expectativas de inflação para este ano, conforme computadas pela pesquisa Focus.

Isto dito, o Copom não prometeu apenas reduzir a inflação, mas afirmou que “um ajuste moderado no nível da taxa básica é consistente com o cenário de convergência da inflação à meta em 2012”. Contudo, o consenso de mercado hoje sugere que a inflação em 2012 permanecerá bem acima da meta, em torno de 5,20%.

Em segundo lugar a queda da inflação foi exacerbada por fatores que nada têm a ver com a política monetária. Não vai aqui qualquer crítica à mudança da ponderação do IPCA por conta da nova Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, mas o fato é que, caso a ponderação permanecesse a mesma, a inflação, que nos últimos 12 meses acumulou 5,24%, teria atingido 5,88%. Parte da queda da inflação é, portanto, mera ilusão estatística.

Houve adicionalmente medidas de redução temporárias de impostos, que geram efeitos também passageiros sobre a inflação. Vale dizer, considerada a informação disponível na data da decisão e dadas as previsões do BC à época, fica claro que a evolução da inflação foi muito pior do que o Copom antevia.

É verdade que parcela disto reflete o aumento dos preços internacionais de alimentos, fator que estaria fora do controle do BC e é referido erroneamente pelas autoridades como um choque de oferta, cujos efeitos não deveriam ser debitados na conta da autoridade monetária.

Já eu creio que deveriam sim ser contabilizados entre os passivos do BC. Não, é claro, a seca que assolou a agricultura americana, mas a política cambial que, ao impedir a resposta natural da taxa de câmbio brasileira (baratear o dólar quando preços de commodities aumentam), também não permitiu que o aumento dos preços internacionais de alimentos fosse absorvido, como no passado, pelo câmbio mais forte.

Em suma, mesmo com o crescimento na faixa de 1,5% a inflação este ano superará a meta (e mais ainda no ano que vem), o que, em função do mandato do BC, determinado pelo Decreto 3.088/99, configura um erro mensurável na condução de política monetária. Erro tanto maior porque ao longo do processo o BC perdeu o controle duramente conquistado sobre as expectativas de inflação. Quando (e se) finalmente se decidir por fazer a inflação retornar à meta, pagaremos um preço bem mais alto em termos de produção e emprego do que no passado. A conta chega, sempre chega.

Hã?!

(Publicado 5/Set/2012)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A agenda abandonada


Não podemos dizer que o resultado do PIB do segundo trimestre (aumento de 0,4% na comparação com o primeiro trimestre deste ano e 0,5% contra o segundo trimestre de 2011) tenha sido surpreendente. Ainda assim, decepcionou. Mesmo que se materialize a reação mais vigorosa esperada para o segundo semestre, dificilmente a expansão do produto superará 1,5% este ano, o pior resultado desde 2009, ano comprometido pela crise financeira.

É tentador imaginar que também agora o fraco desempenho do país possa ser atribuído à crise externa, cujos efeitos sobre mercados financeiros, assim como sobre o comércio internacional, têm sido mais que claros. Tentador, porém equivocado.

Ao contrário do ocorrido àquela época não há sinais de uma queda sincronizada da atividade. Na América Latina, região cujo comportamento tende a ser afetado por fatores comuns (por exemplo, os preços de commodities), não há como deixar de notar as diferenças. Enquanto o PIB brasileiro cresceu 0,5% sobre o mesmo período do ano passado, o Chile mostrou expansão de 5,5%; o México 4,7%; o Peru 6,1% e a Colômbia 4,7% (no primeiro trimestre). Esta evidência não é, diga-se, a palavra final sobre o assunto, mas sugere que se busquem as raízes do anêmico desempenho pátrio em razões locais, nem tanto na crise internacional. Mas quais?

A reação imediata, por conta de uma longa experiência de crises, é atribuir a culpa à fraca demanda, mas, se a demanda interna não tem um desempenho sensacional, também não parece ser a fonte última da desaceleração. Certos fatos, acredito, indicam que o problema pode estar ligado à oferta, isto é, à nossa capacidade de crescimento sustentado.

Caso seja verdade, trata-se de situação, se não inédita, ao menos rara na história econômica brasileira recente. Não consigo me lembrar, do alto dos meus quase 50 anos, de nada semelhante, à exceção do racionamento de 2001, quando as limitações na oferta de energia forçaram a redução do ritmo de crescimento.

Quem, todavia, olha com mais cuidado para os desenvolvimentos do lado do mercado de trabalho começa a notar fatos reveladores. Apesar da baixa expansão do PIB no primeiro semestre de 2012 (0,6%), o emprego nas seis regiões metropolitanas cresceu 2%, ampliando o paradoxo de 2011, quando, a despeito do crescimento ter ficado na casa de 2,7%, o emprego continuou a crescer a um ritmo superior ao da população, levando a uma queda expressiva da taxa de desemprego (de 6,7% para 6%).

Dado o baixo crescimento da produtividade, mesmo taxas modestas de crescimento levam à redução persistente do desemprego, sugerindo que a oferta de mão de obra, seja em quantidade, seja em qualificação, se configura como o principal obstáculo ao crescimento, secundada pelo fraquíssimo desempenho do investimento, em particular em infraestrutura. O sintoma mais claro disto é o aumento dos salários (ao redor de 11% relativamente ao ano passado), muito superior a qualquer estimativa honesta do crescimento da produtividade.

Posto de outra forma, não há como manter o ritmo dos últimos anos simplesmente porque não temos a mesma disponibilidade de mão de obra e também porque, à medida que empregamos trabalhadores com menor capacitação e experiência, é de se esperar que a produtividade se desacelere.

Caso esta hipótese seja verdadeira, duas são as conclusões. Em primeiro lugar que políticas de expansão da demanda não conseguirão acelerar o crescimento sem agravar desequilíbrios macroeconômicos, em particular a inflação, que já vem se acelerando e assim continuará.

E, finalmente, que, se quisermos acelerar o crescimento do PIB, são necessárias políticas que favoreçam o aumento da produtividade. A nota triste é que deveriam ter sido adotadas anos atrás para que seus efeitos se manifestassem agora, mas esta agenda, antes perdida, foi então abandonada e, de novo, corremos hoje atrás do prejuízo.

- Olhaí Nersão: vê se não esqueceu debaixo do carro...


(Publicado 5/Set/2012)