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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Sem noção

Não devia dar publicidade, mas é irresistível. Recebi a seguinte pérola de um amigo:

“O livro ‘Os Cabeças de Planilha’ saiu há dois anos. Em cima de hipóteses desenvolvidas desde a CPI dos Precatórios. A lógica central do livro começou a ser trabalhada a partir de 2002, em minhas colunas na Folha. Digo isso porque o livro antecipou vários movimentos que ocorreram depois de lançado:

1. Previu a grande crise, pelas disfuncionalidades progressivas do sistema financeiro.

2. Levantou o embricamento entre capital financeiro, dinheiro da contravenção, através dos paraísos fiscais e fundos offshore.

3. Previu a reação dos estados nacionais contra essa nova faceta do crime organizado e que agora explode de forma irresistível com essa ação do governo americano contra o UBS - e, no Brasil, com a Operação Satiagraha.

4. Desvendou o enigma da apreciação do Real e a estratégia financeira dos economistas visando criar as novas riquezas e novas classes de poder. Concentrei-me especialmente em dois focos centrais: endividamento público e política monetária.

5. Mostrou o processo de montagem da ideologia do mercado.

6. Tentou antecipar as novas tendências da economia, voltadas para o conceito de nação, para o fortalecimento de modelos voltados para pequenas e micro empresas, o investimento em tecnologia e políticas sociais, o papel das multinacionais brasileiras - vendo a economia como um todo.

Apesar da baixíssima divulgação - restrita aos blogs, à Carta Capital e a uma resenha na Folha - creio ter cumprido seu papel de desvendar esse modelo, alguns anos do ciclo oficialmente terminar.”

Eu noto que não foi só isto. O livro também:

7. Desvendou o segredo da Santíssima Trindade;

8. Provou, sem sombra de dúvida, a participação dos Cavaleiros Templários no assassinato de John Kennedy;

9. Descobriu a cura do câncer;

10. Previu o ganhador do BBB08.

E quem ligar agora ainda leva um conjunto completo de facas Ginzu e meias Vivarina (finalmente o Grande Desafio).

Ligue djá...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Sem norte

Eu pretendia escrever sobre a confusão acerca do retorno do licenciamento prévio das importações, mas o governo, pressionado, voltou atrás rapidamente, percebendo os problemas que esta medida poderia causar. Quisera que a inteligência revelada nesse episódio pudesse de alguma forma contaminar nossos redutos protecionistas. Qual o quê?

Superado o incidente, os suspeitos de sempre – ainda reconhecendo que, quem sabe, talvez, a medida original tenha sido um pouco, mas só um pouco, exagerada – não tardaram a perceber a oportunidade para aumentar sua parcela na renda às expensas do resto da sociedade, e têm vindo a público pedir (quando não exigir) maior proteção à indústria. Como de hábito, argumenta-se que a proposta seria de interesse de toda sociedade; do ponto de vista prático, porém, se um dia adotada, traria ganho apenas para setores diretamente protegidos.

Reconhece-se que o período atual é propício a este tipo de idéia. Em meio à forte desaceleração global há a tentação permanente de passar parte dos custos para o exterior e a Grande Depressão ilustra muito bem o processo. Assim, àquela época não foram poucos os países que recorreram a medidas protecionistas (contra, diga-se, a opinião da maior parte dos economistas) para, supostamente, preservar a atividade doméstica à custa das exportações de outros países, ainda mais porque, num mundo de taxas fixas de câmbio, a única forma de ajuste se daria pela deflação doméstica, processo demorado e custoso.

Tais procedimentos, aliás, foram aptamente descritos como a política de “empobrecer seu vizinho” e, mais importante, apontados também como um dos fatores que agravaram a Grande Depressão, motivo pelo qual no pós-guerra foram criadas instituições (originalmente o GATT, agora a OMC) justamente para prevenir este tipo de medida. Concretamente, a adoção simultânea de barreiras protecionistas reduz o volume de comércio internacional sem que nenhum dos países consiga na verdade “exportar” o desemprego, acrescentando a uma situação já complicada todas as perdas de eficiência associadas à não-exploração das vantagens comparativas.

Isto dito, se num mundo de taxas fixas de câmbio o protecionismo já não é a solução ideal, num mundo de taxas flexíveis esta proposta se torna ainda pior. Como vemos no caso brasileiro (e de vários outros países), a deterioração das condições externas (preços de commodities, custo de capital) levou a uma forte depreciação da moeda. E, lembremo-nos, a taxa corrente de câmbio (ao redor de R$ 2,30 por dólar) era vista, há não muito tempo, como a taxa “ideal” por lideranças empresariais e seus economistas de plantão. Não obstante, mesmo depois da maciça desvalorização da moeda, persistem as propostas de limitação às importações.

Ironicamente, se posta em prática, a restrição às importações tenderia a apreciar a taxa de câmbio, não só desfazendo aquilo que a proteção pretendia fazer, mas também prejudicando adicionalmente as exportações, na prática reduzindo ainda mais nosso já diminuto comércio internacional.

Isto dito, num mundo de mudanças tão abruptas chega a ser reconfortante ver a permanência de certas idéias: o câmbio (não importa onde esteja) é sempre insuficiente, a indústria precisa de proteção ininterrupta (para “salvar empregos”, é claro) e, mesmo com a taxa real de juros caindo 300 pontos entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, a solução para tudo é fazer reuniões quinzenais do Copom. Com liderança deste calibre, a indústria vai longe; apenas na direção errada.
(Publicado 18/Fev/2009)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Albert Einstein, Israel e Winston Churchill: o que dizer sobre o Plano de Estabilização Financeira

Segundo Einstein, “continuar a fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes” é a definição de loucura (“Continuing to do the same things over and over again and to expect different results. According to Einstein, the definition of madness”). Acabei me lembrando disto ao ler o discurso do Tim Geithner sobre a proposta de estabilização da crise financeira.

São três iniciativas:

1. As instituições financeiras devem passar por um teste de estresse, quer dizer, um exercício de solidez do seu balanço (soa como um oximoro neste momento, mas vamos deixar isto de lado). Em outras, querem saber o tamanho do furo e, portanto, quanto de capital cada banco vai precisar. O capital virá dos fundos do programa aprovado no ano passado (TARP) como ponte até que os bancos consigam levantar capital privado. Isto provavelmente significa que o dinheiro virá na forma de ações preferenciais (não são a mesma coisa que ações preferenciais brasileiras; é mais parecido com uma dívida perpétua com pagamento de cupons) com juro elevado.

2. A TALF (linha para aquisição de títulos lastreados em crédito – asset backed securities, ABS) passa de US$ 200 bilhões para US$ 1 trilhão. Em outras palavras o Fed ampliaria ainda mais seu balanço numa tentativa de sustentar o mercado secundário de ABS como forma de incentivar as instituições financeiras a gerarem ativos que posteriormente seriam securitizados e vendidos neste mercado.

3. Cria-se um fundo público-privado de investimento (inicialmente US$ 500 bilhões, mas que poderia chegar a US$ 1 trilhão) para aquisição de ativos que hoje oneram o balanço dos bancos (em bom português, ativos podres). Não é claro de onde vêm os recursos e, segundo Geithner, “estamos explorando um espectro de estruturas diferentes para este programa”.

Teste de estresse à parte, o ponto (1) é uma repetição do que foi feito até agora após a iniciativa do Gordon Brown de recapitalização dos bancos. Não funcionou até agora essencialmente porque o balanço dos bancos parece ser um buraco sem fundo. Ativos continuam sendo marcados para baixo, mas não (pelo menos da forma como vejo o problema hoje) por um problema de falta de liquidez no mercado secundário, mas sim porque continua a haver uma forte deterioração da qualidade dos ativos bancários, reforçada pela queda de atividade, renda e emprego.

Não tenho condições de saber o tamanho das perdas (desconfio que ninguém tem), mas não me parece absurdo neste momento que tenhamos, à frente, perdas ainda maiores dos que as já admitidas (US$ 1,1 trilhão, dos quais US$ 755 bilhões nos EUA). O Roubini fala em até US$ 2,5 trilhões. Neste contexto, quanto os bancos precisariam receber de capital? Aparentemente muito mais do que o Tesouro tem disponível no TARP.

A ampliação do TALF pode ajudar em alguma medida (até agora também parece ter tido pouco efeito), mas se o “quantitative easing” (agora redenominado “credit easing”) não deu muito certo no Japão, por que motivo deveríamos esperar que funcionasse nos EUA?

Quanto ao fundo... Bem, sim, pelo que foi dito acima, o problema está mesmo na deterioração dos ativos dos bancos, e, portanto, o caminho para a solução passa em equacioná-los, mas será que podemos criar valor mudando ativos de lugar? Acho que conseguimos “distribuir” o valor que resta (entre acionistas, credores, depositantes e, é claro, contribuintes), mas certamente não melhora em nada a qualidade dos ativos e, portanto, seu valor.

Incidentalmente, tenho a impressão (alguém poderia checar isto) que, para boa parte destas instituições, não é o valor dos ativos que ainda mantém positivo o valor das ações, e sim a perspectiva que, em determinadas circunstâncias, o prejuízo seja distribuído de forma que ainda sobre algo para o acionista. Por exemplo, se os ativos forem adquiridos pelo governo por um preço “x” (acima de preços de mercado e acima do “valor real”), o acionista ainda pode sair ganhando às expensas do contribuinte.

Acabei me lembrando, além da frase do Einstein, um velho ditado israelense: “o que não funciona com força, funciona com mais força” (na verdade não é um ditado israelense, mas a percepção de um amigo meu que, em Israel, testemunhou um sabra voando com dois pés na porta do caminhão, já que fechá-la do jeito normal não estava dando certo). De qualquer forma parece descrever bem a postura do país, assim como o sucesso deste tipo de política.

Continuo refletindo sobre o assunto. Não tenho a ilusão que entenderei mais deste assunto que os economistas brilhantes que devotam boa parte do seu tempo ao tema, mas, acredito que a solução passa por um esquema “banco ruim”/”banco bom” na linha do Proer. Se for o caso, não há salvação para o acionista e, muito provavelmente, para o credor também. Talvez o contribuinte possa sair sem grandes prejuízos, mas não sem comparecer, ao menos inicialmente, com parte substancial do dinheiro necessário.

Imaginem um banco com 100 de ativos, 5 de capital e 95 de dívida (não quis tratar de depositante separadamente aqui). Dos 100 de ativo, 40, digamos, são problemáticos. O banco sofre intervenção e é dividido: 40 de ativos ruins ficam no “banco ruim” e 60 no “banco bom”.

O acionista perde tudo (ou melhor, torna-se acionista do “banco ruim”) e vai ganhar o que sobrar dos ativos, depois de pagos os credores. O “banco bom” tem 60 de ativos, zero de capital e 95 de dívida, isto é, está furado em 35. Aqui há duas alternativas (na verdade infinitas, mas olho dois casos polares).

Num caso o governo capitaliza o banco. Para voltar à estrutura inicial o governo põe 40 no banco (os ativos passam de 60 para 100), mas, como a dívida permanece em 95, o capital (todo ele do governo) vale 5. Destruição de valor para o contribuinte (pôs 40 e ficou com 5); tremendo negócio para o credor.

Noutro caso, faz-se um “haircut” ao meu estilo na dívida. Os 35 que faltam vêm do “haircut”, e a estrutura do banco fica sendo 60 de ativos e 60 de dívida. Aí o governo capitaliza o banco com quanto achar necessário para uma alavancagem saudável (digamos, 20) e a estrutura final fica sendo 80 de ativos, 60 de dívida e 20 de capital. À frente o banco é privatizado e o dinheiro pode (ou não) retornar para o contribuinte. Para reduzir a perda do credor dá-se a ele o direito de receber antes do acionista original qualquer valor recuperado dos ativos podres em poder do “banco ruim”.

Entre estes casos há infinitas combinações de divisão do prejuízo entre credor e contribuinte. Por exemplo, é possível, também, um “warrant” no banco bom para adoçar a perda dos credores, que, obviamente, sai do ganho (potencial) do contribuinte na privatização.

Isto dito, mesmo que este esquema seja ideal (e certamente não é), há ainda problemas nada triviais de ordem operacional. A começar a inexistência (acredito) de marco legal que permita esta brutalidade de fatiar banco à torto e direito. Imaginem a discussão disto no Congresso com mercados a pleno funcionamento. Tem tudo para gerar uma crise.

Fora isso, embora idealmente esta solução possa chamar o acionista privado (já que, em tese, só ficaram ativos bons nos bancos), na prática a distinção entre ativo bom e ruim não é fácil e, mais importante, depende do ambiente externo. Ativos que seriam bons sob certas circunstâncias se tornam ruins sob outras, de modo que não há como garantir que o balanço fique limpo mesmo após a separação.

De um lado mais prosaico, quem tocaria o banco? É claro que a direção teria que ser afastada, e o novo acionista teria que indicar novos dirigentes também. Como impedir a politização de crédito num ambiente em que crédito é disputado a tapa.

Vale dizer, acho que o caminho para solução passa por algo deste gênero, mas faltam detalhes cruciais, apenas alguns dos quais foram mencionados acima. Em conclusão, é muito feio.

Resta, como esperança, o que Churchill dizia sobre os americanos: “You can always count on Americans to do the right thing - after they've tried everything else.”
Comentários são bem-vindos.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Ilusão monetária

Os 17 leitores já devem ter percebido minhas obsessões. Uma delas é a implicância com a “análise” econômica que desrespeita os dados. Não são poucos os que formulam uma hipótese sem se dar ao trabalho de verificar se os sinais da realidade exterior correspondem minimamente ao que se passa na mente torturada do analista. Exemplos abundam, da “desindustrialização precoce” à prevenção da crise pela manutenção de saldos positivos em conta corrente, todos devidamente desmentidos pelos fatos.

Em face deste histórico não é possível alegar surpresa quando heterodoxos tecem loas ao modelo macroeconômico argentino, supostamente uma alternativa “chinesa” à estratégia brasileira. Tal política se caracterizaria pela manutenção da taxa real de câmbio num nível “competitivo”, política que conseguiria, clama-se, superar a restrição de poupança doméstica. Não é também surpreendente notar que, mais uma vez, a distância entre hipótese e realidade tenha que ser medida em parsecs.

De fato, a política do BCRA tem sido, há muito, manter a taxa de câmbio num patamar aproximadamente constante, corrigindo-a periodicamente. Tomando arbitrariamente como base a taxa média de câmbio de 2003 (a escolha do período é irrelevante), observa-se no gráfico uma quase fixação do câmbio desde aquele momento. Comparado ao segundo trimestre de 2003, quando a moeda se estabilizou após o descontrole de 2002, o câmbio desvalorizou-se 8%, refletindo precisamente o regime monetário-cambial adotado pelo país.

No entanto, a inflação não desapareceu. O deflator do PIB (disponível até o terceiro trimestre de 2008) mostra a inflação na casa de dois dígitos desde meados de 2005 e em torno de 20% ao ano nos últimos quatro trimestres. Ajustando-se a taxa de câmbio à diferença entre a inflação argentina e americana vê-se que a aparente estabilidade da taxa de câmbio nominal oculta forte valorização real da moeda, da ordem de 22%, entre o segundo trimestre de 2003 e o terceiro trimestre de 2008.

Consistente com a apreciação cambial, a demanda doméstica cresce 1,7% ao ano à frente do PIB desde o final de 2003 (ambos medidos a preços constantes, dado que não é possível usar os dados a preços correntes sem esbarrar em problemas sérios no caso de países com inflação elevada). Assim, ao início de 2003 a demanda doméstica correspondia a pouco mais de 91% do PIB, enquanto no terceiro trimestre do ano passado já superava o PIB em 0,7%. O investimento aumentou (de 12% para 23% do PIB no período), tendo, porém, como contrapartida a queda de 8% do PIB do saldo em conta corrente, o resto financiado pela queda do consumo do governo (esta sim, a lição que poderíamos aprender).

A evidência, portanto, refuta as teses sobre competitividade cambial e aumento da poupança. A “análise” repousa sobre dados que simplesmente desconsideram os efeitos da inflação sobre a competitividade externa e contas nacionais. Fingir que a inflação não existe é cômodo, mas resulta em ilusões que não resistem a um pouco de rigor no tratamento dos números.



(Publicado 4/Fev/2009)

P.S. No gráfico original a legenda estava trocada. Agradeço ao Gabriel Gava que não apenas percebeu o problema, como ainda mandou uma versão correta.