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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Oportunismo ou inação?

Há quem defenda que o Banco Central, ao invés de aumentar a taxa de juros, poderia simplesmente esperar que alguém fizesse o serviço por ele. Tal comportamento oportunista seria justificado pela crença de que a aceleração da inflação no Brasil resulta de forças externas, além do controle nacional. Segundo este raciocínio, assim que os demais BCs começassem a combater a inflação mundial, nosso BC poderia relaxar e colher os frutos do trabalho alheio.

A hipótese crucial desta recomendação de política econômica é a noção de que inflação brasileira é “importada”, resultante da elevação dos preços de commodities. No entanto, ainda que aparentemente intuitiva, a hipótese da inflação “importada” não sobrevive ao implacável teste dos dados.

Já mostrei aqui que, corrigido pela apreciação do real, seja com relação ao dólar, seja em relação às moedas de nossos principais parceiros comerciais, o impacto da inflação global é pequeno. Argumentei ainda que este padrão – preços de commodities se movendo numa direção e o real na direção oposta – é precisamente o que deveríamos esperar no caso de um país que exporte principalmente commodities e adote câmbio flutuante.

Este resultado sobrevive se estendermos a análise anterior em algumas dimensões. Em primeiro lugar examinamos potenciais efeitos dos diferentes grupos de commodities (alimentos, metais, matérias-primas, etc) sobre preços domésticos, e não apenas do grupo de commodities como um todo. Além disto destacamos, dentre os preços domésticos, aqueles que seriam em tese mais sensíveis a preços externos, isto é, preços de bens que possam ser exportados e importados com maior facilidade (“comercializáveis”), assim como preços de alimentos. Por fim, além de trabalhar com taxas de inflação acumuladas em 12 meses, analisamos também os impactos num período mais curto (3 meses), face a sugestões que o repasse pode ser bastante rápido.

Estimamos que as correlações entre preços de commodities e preços locais são tipicamente negativas ou próximas a zero. Apenas do caso de energia achamos alguma relação positiva, mas, é bom lembrar, preços de energia não são determinados pelo mercado no Brasil, de sorte que, muito provavelmente, esta correlação é espúria. No caso de alimentos parece haver algum impacto no período de 3 meses (mas não em 12 meses), que, de qualquer forma, é modesto.

A conclusão, portanto, mais uma vez apóia a tese da pouca relevância dos preços externos sobre os domésticos, uma vez que seus efeitos são bastante atenuados pelo desempenho da moeda. Obviamente, agora que preços de commodities cedem e que, portanto, a moeda se enfraquece, a conclusão continua válida, ou seja, quem acredita que os desenvolvimentos recentes no campo das commodities irão alterar radicalmente a dinâmica inflacionária local está prestes a sofrer mais um desapontamento.

O corolário dessa conclusão é que o oportunismo na condução de política monetária não é uma opção. Aliás, quem adotou este tipo de conduta no passado recente vive agora não apenas um surto inflacionário mais forte, como também um dos piores pesadelos de qualquer BC: expectativas de inflação se descolando significativamente da trajetória de metas, desenvolvimento que irá requerer destes BCs um esforço de política monetária bastante superior ao que seria necessário no caso de uma atuação mais decidida. Inação não é um curso de ação, fato que já foi compreendido pelo BC, mas que alguns insistem em ignorar.

(Publicado 20/Ago/2008)

domingo, 17 de agosto de 2008

Testando os limites da cretinice - 3 (vai longe!)

Alex porque os planos ortodoxos que o Brasil teve nos anos 80 e 90 não funcionaram?O primeiro foi em 1981, quando o FMI chegou aqui e disse que o Brasil estava gastando muito. A solução foi um estúpido corte de gastos e retração da liquidez, a variação real de M1 de 1974 até 1978 foi de 14,8%, em 1979-80 foi de -11,0%, em 1981-83 -5,1% e em 1984, -4,6%.”

O FMI não veio em 1981. Em 1981 a política econômica foi ditada soberanamente pelo ministro Antônio Delfim Neto. A queda do M1 em termos reais não tem nada a ver com a política monetária, mas sim com a redução da demanda por moeda, já que a inflação dobrou em 1979 e 1980 (de cerca de 50% para 100% a.a.). Se você estudar um pouquinho de economia monetária verá que a demanda por moeda cai com a inflação, já que o custo de oportunidade de reter moeda aumenta. Não por acaso a razão M1/PIB havia caído para 1,3% do PIB em 1994 e hoje roda na casa de 7% do PIB. Se fôssemos adotar seu critério para avaliar a política monetária concluiríamos que a política monetária no Brasil foi excessivamente frouxa...

A % do gasto público real em relação ao PIB que havia diminuído de 1971-1973 de 12,3 para 8,1 em 1979-1980, chega a 1981-1983 a 3,5%. O que determina uma retração fiscal realmente forte.”

Não sei de que compêndio de ficção científica você tirou estes dados de gasto público. Queda do gasto entre 1973 e 79? No meio do II PND? Meus números para o período, ainda que incompletos, mostram o gasto apenas com pessoal em 1980 na casa de 8,5% do PIB subindo para 9,5% do PIB em 1982, ano em que o déficit primário atingiu 3% do PIB contra 0,8% do PIB no ano anterior (veja só que retração fiscal forte!).

E a nossa querida inflação, que de 1974 a 1978 foi, em média de 37,8% e em 1979-1980 foi de 93% e em 1981-1983 foi de 129,7%. E chegaria, em 1984, a 223,9%.”

Pois é, deve ser por causa da “forte retração fiscal do período”

Eu também fiz alguns estudos econométricos que comprovam que é possível manter uma mistura entre políticas heterodoxas e ortodoxas. Por exemplo em momentos de liquidez mundial podemos baixar o juros,desvalorizar o cambio e fazer deficits fiscais para estimular o crescimento da economia e das exportações.Em momentos de baixa liquidez mundial podemos valorizar o cambio ajudando no controle da inflação ,evitando um colapso da economia.”

Não precisa nem mostrar os estudos. Dado que você não sabe diferenciar variávies endógenas de exógenas, desconfio que não preciso nem ver seus “estudos econométricos” para saber que os problemas de endogeneidade já comprometeram TODOS seus resultados.

O Brasil já apresenta problemas cambiais.O dólar estava em 1,56 agora já se encontra em 1,62.Essas oscilações aumentam a inflação.O aumento no deficit fiscal pode ser compensado pelo aumento da poupança privada.”

Realmente, a mudança de patamar do dólar foi marcante. De R$ 1,56 para R$ 1,62, o mesmo nível que o câmbio estava em junho e abaixo de todas as observações dos cinco primeiros meses do ano. É sinal inequívoco de crise cambial...

sábado, 9 de agosto de 2008

Com vocês: John Coltrane


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quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Testando os limites da cretinice - 2

Do artigo de hoje do inefável Marcio Pochmann:

"Nesse sentido, a atual inflação global revela, de um lado, a força crescente dos monopólios privados a impor preços superiores aos custos para manutenção das margens fixas de lucro. De outro, o desequilíbrio de poder entre nação e corporação transnacional, cujo resultado tende a implicar aos trabalhadores, nos momentos de inflação, o prejuízo da perda do emprego ou da queda do salário. "

Brilhante, brilhante... Podemos inclusive - a partir desta explicação originalíssima - inferir os movimentos de formação de monopólios, bem como os momentos em que os monopólios deixaram de existir. Também podemos descobrir quando o pêndulo balança entre o poder da nação e da corporação transnacional. É só olhar quando a inflação aumenta ou cai...


Ainda bem que temos tal gênio entre nós.
P.S. Motivado pelo comentário do Anônimo das 11:10 proponho um concurso aos leitores. Vamos ver quem acha mais cretinices no artigo em questão. Depois eu coloco tudo num post (com o devido crédito).

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Palpite infeliz

Voltando de férias cheguei a pensar que teria pegado o avião errado. Além de estarmos em meio a um ciclo de aperto monetário em que o Banco Central não fica com a fama de malvado (corretamente atribuída à política fiscal), ainda tive o prazer de ver “keynesianos de quermesse” empedernidos admitindo publicamente não só a necessidade de uma redução do gasto público, mas também que o BC está correto em elevar a taxa de juros.

Uma leitura mais atenta, porém, me revelou que havia realmente retornado ao Brasil. Mesmo reconhecendo que a redução do ritmo de crescimento da demanda é necessária para conter a aceleração da inflação e trazê-la de volta à meta, a quermesse acusa agora o BC de ter desperdiçado uma “janela da oportunidade” para reduzir a taxa de juros.

Segundo este raciocínio, o Copom poderia ter reduzido a taxa de juros ainda mais fortemente durante o ciclo de queda da Selic (o número mágico seria 8,5% a.a. contra os 11.25% a.a. observados), o que – dado o tamanho do aperto monetário em curso – implicaria uma taxa de juros ao final do processo também mais baixa. Em outras palavras, se o BC precisasse agora elevar a taxa de juros em, digamos, 3,5 pontos percentuais, a estratégia da quermesse implicaria a Selic ao final do ciclo no patamar de 12%, ao invés de hipotéticos, 14,75%.

Parece lógico, mas é uma falácia. O ponto crucial do “argumento” é a suposição de que o tamanho do aperto monetário é independente do nível inicial da taxa de juros, ou seja, o teríamos que promover o mesmo aumento da taxa de juros partindo de 8,5% ou 11,25%.

Isto, porém, só seria verdade se a expansão da demanda doméstica fosse igual sob taxas de juros tão distintas. A própria quermesse não parece acreditar nisto. De fato, se o ritmo de expansão da demanda doméstica não se alterasse em resposta a uma diferença de 2,75 pontos na taxa de juros, como justificar agora que “o BC tinha que se adiantar ao perceber que inflação estava mudando de patamar”, ou ainda que precisamos de uma “gestão de demanda” que limite o crescimento do consumo e do gasto público, pois “deixar as duas coisas crescendo tem impacto explosivo”?

Assim, caso a Selic tivesse sido reduzida a 8,5% como sugerido, o crescimento da demanda teria sido ainda mais vigoroso do que foi e a inflação teria se acelerado ainda mais rapidamente. Nestas circunstâncias não estaríamos discutindo um ajuste da Selic de 3,5 pontos percentuais (ou algo parecido), mas uma elevação muito maior.

É errado, pois, afirmar que o Copom deveria ter reduzido mais a taxa de juros no ciclo de afrouxamento monetário, a menos que se esteja preparado também para admitir que teria de aumentar ainda mais a taxa de juros nesta fase de aperto. Isto, porém, só elevaria a volatilidade das taxas de juros e resultaria no aparecimento de prêmios de risco mais significativos nas taxas de longo prazo, precisamente o contrário do que precisamos. Ainda bem que, apesar dos palpites, não é a quermesse quem conduz a política monetária.

TJLP

Pretendia mostrar os erros dos argumentos que pretendem negar o subsídio embutido na Taxa de Juros de Longo Prazo, em particular as noções que “não há subsídio, porque a TJLP é superior à inflação”, ou “não há subsídio porque a TJLP é superior à taxa paga pelo BNDES ao Fundo de Amparo ao Trabalhador”. Márcio Garcia (Valor Econômico, 1/8/2008, p. A-11), porém, já os demoliu. Só me resta recomendar a leitura do seu belo artigo (http://www.econ.puc-rio.br/mgarcia).

(Publicado 6/Ag0/2008)