Há quem defenda que o Banco Central, ao invés de aumentar a taxa de juros, poderia simplesmente esperar que alguém fizesse o serviço por ele. Tal comportamento oportunista seria justificado pela crença de que a aceleração da inflação no Brasil resulta de forças externas, além do controle nacional. Segundo este raciocínio, assim que os demais BCs começassem a combater a inflação mundial, nosso BC poderia relaxar e colher os frutos do trabalho alheio.
A hipótese crucial desta recomendação de política econômica é a noção de que inflação brasileira é “importada”, resultante da elevação dos preços de commodities. No entanto, ainda que aparentemente intuitiva, a hipótese da inflação “importada” não sobrevive ao implacável teste dos dados.
Já mostrei aqui que, corrigido pela apreciação do real, seja com relação ao dólar, seja em relação às moedas de nossos principais parceiros comerciais, o impacto da inflação global é pequeno. Argumentei ainda que este padrão – preços de commodities se movendo numa direção e o real na direção oposta – é precisamente o que deveríamos esperar no caso de um país que exporte principalmente commodities e adote câmbio flutuante.
Este resultado sobrevive se estendermos a análise anterior em algumas dimensões. Em primeiro lugar examinamos potenciais efeitos dos diferentes grupos de commodities (alimentos, metais, matérias-primas, etc) sobre preços domésticos, e não apenas do grupo de commodities como um todo. Além disto destacamos, dentre os preços domésticos, aqueles que seriam em tese mais sensíveis a preços externos, isto é, preços de bens que possam ser exportados e importados com maior facilidade (“comercializáveis”), assim como preços de alimentos. Por fim, além de trabalhar com taxas de inflação acumuladas em 12 meses, analisamos também os impactos num período mais curto (3 meses), face a sugestões que o repasse pode ser bastante rápido.
Estimamos que as correlações entre preços de commodities e preços locais são tipicamente negativas ou próximas a zero. Apenas do caso de energia achamos alguma relação positiva, mas, é bom lembrar, preços de energia não são determinados pelo mercado no Brasil, de sorte que, muito provavelmente, esta correlação é espúria. No caso de alimentos parece haver algum impacto no período de 3 meses (mas não em 12 meses), que, de qualquer forma, é modesto.
A conclusão, portanto, mais uma vez apóia a tese da pouca relevância dos preços externos sobre os domésticos, uma vez que seus efeitos são bastante atenuados pelo desempenho da moeda. Obviamente, agora que preços de commodities cedem e que, portanto, a moeda se enfraquece, a conclusão continua válida, ou seja, quem acredita que os desenvolvimentos recentes no campo das commodities irão alterar radicalmente a dinâmica inflacionária local está prestes a sofrer mais um desapontamento.
O corolário dessa conclusão é que o oportunismo na condução de política monetária não é uma opção. Aliás, quem adotou este tipo de conduta no passado recente vive agora não apenas um surto inflacionário mais forte, como também um dos piores pesadelos de qualquer BC: expectativas de inflação se descolando significativamente da trajetória de metas, desenvolvimento que irá requerer destes BCs um esforço de política monetária bastante superior ao que seria necessário no caso de uma atuação mais decidida. Inação não é um curso de ação, fato que já foi compreendido pelo BC, mas que alguns insistem em ignorar.
(Publicado 20/Ago/2008)
A hipótese crucial desta recomendação de política econômica é a noção de que inflação brasileira é “importada”, resultante da elevação dos preços de commodities. No entanto, ainda que aparentemente intuitiva, a hipótese da inflação “importada” não sobrevive ao implacável teste dos dados.
Já mostrei aqui que, corrigido pela apreciação do real, seja com relação ao dólar, seja em relação às moedas de nossos principais parceiros comerciais, o impacto da inflação global é pequeno. Argumentei ainda que este padrão – preços de commodities se movendo numa direção e o real na direção oposta – é precisamente o que deveríamos esperar no caso de um país que exporte principalmente commodities e adote câmbio flutuante.
Este resultado sobrevive se estendermos a análise anterior em algumas dimensões. Em primeiro lugar examinamos potenciais efeitos dos diferentes grupos de commodities (alimentos, metais, matérias-primas, etc) sobre preços domésticos, e não apenas do grupo de commodities como um todo. Além disto destacamos, dentre os preços domésticos, aqueles que seriam em tese mais sensíveis a preços externos, isto é, preços de bens que possam ser exportados e importados com maior facilidade (“comercializáveis”), assim como preços de alimentos. Por fim, além de trabalhar com taxas de inflação acumuladas em 12 meses, analisamos também os impactos num período mais curto (3 meses), face a sugestões que o repasse pode ser bastante rápido.
Estimamos que as correlações entre preços de commodities e preços locais são tipicamente negativas ou próximas a zero. Apenas do caso de energia achamos alguma relação positiva, mas, é bom lembrar, preços de energia não são determinados pelo mercado no Brasil, de sorte que, muito provavelmente, esta correlação é espúria. No caso de alimentos parece haver algum impacto no período de 3 meses (mas não em 12 meses), que, de qualquer forma, é modesto.
A conclusão, portanto, mais uma vez apóia a tese da pouca relevância dos preços externos sobre os domésticos, uma vez que seus efeitos são bastante atenuados pelo desempenho da moeda. Obviamente, agora que preços de commodities cedem e que, portanto, a moeda se enfraquece, a conclusão continua válida, ou seja, quem acredita que os desenvolvimentos recentes no campo das commodities irão alterar radicalmente a dinâmica inflacionária local está prestes a sofrer mais um desapontamento.
O corolário dessa conclusão é que o oportunismo na condução de política monetária não é uma opção. Aliás, quem adotou este tipo de conduta no passado recente vive agora não apenas um surto inflacionário mais forte, como também um dos piores pesadelos de qualquer BC: expectativas de inflação se descolando significativamente da trajetória de metas, desenvolvimento que irá requerer destes BCs um esforço de política monetária bastante superior ao que seria necessário no caso de uma atuação mais decidida. Inação não é um curso de ação, fato que já foi compreendido pelo BC, mas que alguns insistem em ignorar.
(Publicado 20/Ago/2008)