teste

domingo, 29 de junho de 2008

O Ipea e as instituições (artigo do Fabio Giambiagi)

Aproveito para reproduzir também o artigo do Fabio. Belo trabalho dele (como sói acontecer).

* * *

A DIREÇÃO do Ipea tomou, por ocasião da divulgação da Carta de Conjuntura de junho, a decisão de não mais divulgar sistematicamente as projeções, abandonando uma prática adotada desde os anos 80. Embora eu tenha sido o coordenador de Conjuntura durante quatro anos, sinto-me à vontade para defender o que foi feito até agora, porque isso era mérito não do coordenador A ou B, e sim de um esforço institucional de quase três décadas, desde o início das primeiras reuniões trimestrais de conjuntura, ainda no governo militar, cujo desdobramento foi a criação do Grupo de Acompanhamento Conjuntural no ano de 1987. A atual direção do Ipea age como se a instituição fosse propriedade privada dela e pudesse acabar de uma penada com aquilo que antes fora erguido ao longo de anos. Em 2007, o Boletim de Conjuntura era, de longe, a publicação mais acessada do site do Ipea.

Com seus erros e acertos, havia aí uma credibilidade e uma reputação construídas com muito esforço e investimento institucional. Por ocasião da decisão, uma das autoridades do Ipea declarou que "não somos gestores de política econômica nem operadores do mercado financeiro para nos preocuparmos com as projeções" ("O Globo", 27/6/ 2008).

A frase, além de ofensiva, é reveladora de uma posição insólita em um administrador público em relação às pessoas que ele comanda. Isso porque as posições do Grupo de Conjuntura foram sempre fruto de discussões do grupo como um todo, cujos componentes continuaram trabalhando no Ipea sob a gestão atual. Ao longo dos anos, nenhum número ou editorial do boletim foi fruto da vontade unilateral do seu coordenador ou do diretor responsável. Tudo era discutido previamente com o grupo. Insinuar, como ele fez, que divulgar projeções indicaria algum tipo de relação entre o Grupo de Conjuntura e o mercado financeiro é uma agressão aos seus atuais subordinados, que tinham participado da elaboração do boletim nos anos anteriores.

Cabe ressaltar, porém, que, na mesma entrevista, a mesma autoridade se encarregou se declarar explicitamente que "a taxa de juros é exorbitante". Ora, ou bem o Ipea trata do curto prazo -em cujo caso não havia razão para acabar com as projeções- ou ele se dedica exclusivamente a temas de longo prazo -e, nesse caso, não cabe aos dirigentes do instituto opinar se as taxas de juros são "exorbitantes" ou não.

Embora o assunto seja grave, é impossível não tratar com certo humor a opinião do coordenador do grupo, que, na mesma reportagem, explicando a decisão tomada em nome de "não alimentar as projeções de inflação", declarou que a publicação dos números "vira uma profecia auto-realizadora". A conclusão lógica é que ele julga que a inflação no Brasil era causada pelas projeções do Ipea, o que é um caso de megalomania institucional. Diga-se de passagem, que foi com esse tipo de filosofia que na Argentina se fez a intervenção no Indec (o IBGE vizinho), no pressuposto de que a inflação era causada pelo índice de preços.

Quando a inflação estava abaixo da meta e as autoridades do Ipea atacavam o Banco Central, o fato era visto como expressão do caráter macunaímico do país, capaz de abrigar, no mesmo governo, pólos antagônicos de pensamento. Agora que a inflação está aumentando perigosamente, o país corre dois riscos. O primeiro é que, em momentos em que o BC deve ser fortalecido para debelar a inflação que ameaça as conquistas recentes do governo e do país, o Ipea se torne um bunker de franco-atiradores contra a política monetária. Que a oposição ataque o BC, faz parte do script em qualquer país. Entretanto, que autoridades venham a público dizer que "o problema é o BC", quando a rigor a inflação ameaça ficar acima do teto, é um problema, pois pode gerar a interpretação de que o governo não considera o combate à inflação como uma prioridade.

O segundo risco é o oposto: que as autoridades do instituto continuem se manifestando contra a política monetária -e não ocorra rigorosamente nada. Nesse caso, o Ipea deixará de ser uma referência, como foi durante mais de 40 anos. Para ele, é o pior cenário: o de se tornar irrelevante. Se isso ocorrer e o esvaziamento em curso se prolongar -basta ver a lista dos técnicos que saíram da entidade nos últimos oito meses e comparar a média mensal de Textos para Discussão publicados até 2007 com a dos últimos meses-, a história do Ipea se dividirá em um "antes" e um "depois" da passagem dos atuais gestores pela instituição.

* * *
Eu bem que gostaria de ter escrito este artigo. Fábio: parabéns.
Abs
Alex

Do lado certo

Reproduzo abaixo o artigo do Elio Gaspari sobre o Ipea (depois de ter a atenção chamada para o assunto por um dos leitores do blog). Em geral o Gaspari está do lado errado. Desta vez não.

O comissariado está destruindo o Ipea

O COMISSARIADO petista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, está destruindo uma instituição sacrossanta surgida em 1964 e respeitada até mesmo pelas bruxas da ditadura. Fazem isso com a grosseria dos bolcheviques e os instintos manipuladores dos economistas de Néstor Kirchner. O último golpe da moçada foi a alteração da periodicidade da divulgação de projeções pela Carta de Conjuntura, uma publicação trimestral do instituto, criada em 1986.

Mais: embargaram a divulgação de projeções macroeconômicas que já haviam sido mandadas para a próxima publicação. Pior: mantiveram um cenário de previsão do aumento do consumo entre 3,3% e 5%, quando cálculos já fechados indicam que a expansão poderá ficar entre 6% e 8%. Esse texto foi reescrito por pessoas que se julgam detentoras da visão genial do problema. Isso tudo acontece sob o guarda-chuva do ministro Mangabeira Unger, que até bem pouco tempo trabalhava em Harvard, e do professor Márcio Pochmann, vindo da Unicamp.Segundo o companheiro Miguel Bruno, que dirige a Carta, "o Ipea não quer alimentar especulações do mercado". Falso, o negócio é não provocar expectativas ruins na sociedade.

Felizmente Bruno nunca operou no mercado, pois teria quebrado se esperasse dados do Ipea para fechar seus negócios. A turma do papelório dos bancos lida com projeções diárias muito mais refinadas. Além disso, o Banco Central produz e divulga análises de boa qualidade. O que o comissariado quer é brincar de felicidade.

Desse jeito, acabarão querendo orientar as pesquisas do IBGE. O mercado, ao contrário da roubalheira e do aparelhamento do Estado, é uma coisa essencialmente boa. Os países que seguiram sua dinâmica prosperaram. Os que tiveram idéia melhor, arruinaram-se.

Bruno foi além e disse que, "antes, o Ipea atuava em dobradinha com o mercado financeiro". O comissário precisa definir "antes", "Ipea" , "atuava" e "dobradinha". Até lá, fica no ar a desprimorosa suspeita de que o instituto esteve dominado por uma cáfila de especuladores.

Havendo "antes", há de haver "quem". Está acontecendo no Ipea algo mais grave e primitivo do que o velho e bom disfarce das notícias ruins. Estão encostados ex-diretores recentes e pesquisadores de renome internacional, como Ricardo Paes de Barros. Foi ele quem fez as contas que puseram de pé o Bolsa Família.

PB, como é conhecido, continua no Ipea por amor à camisa da Seleção, pois teve vários convites para saltar. Um deles, da Universidade de Yale. Num astucioso episódio, o economista Fábio Giambiagi foi defenestrado e devolvido ao BNDES. O Grupo de Conjuntura, onde se discutem tendências da economia, foi expurgado. Isso no campo do patrulhamento intelectual.

Há também patrulhas funcionais. Já ocorreu caso de transferência, pelo telefone, de um economista que tinha mais de 20 anos de experiência num setor. O diretor de estudos macroeconômicos, doutor João Sicsu, jamais pôs os pés num seminário (exceção para uma homenagem a Maria da Conceição Tavares). Ele pode estar certo ao não usar o sistema de mensagens eletrônicas do instituto, mas isso não ajuda o bom andamento dos trabalhos.

Com 300 economistas, o Ipea tornou-se uma instituição desorganizada, convertida em orquestra e platéia do egocentrismo de seu presidente que, do pódio, oferece refogados de pesquisas velhas com farofas novas, ao gosto do Planalto. Falta aos comissários a generosidade profissional de chefes recentes, como Roberto Martins, que contribuiu para o reconhecimento de Paes de Barros. Caso o doutor Pochmann queira seguir um exemplo, pode prestar atenção na conduta do presidente do IBGE, Eduardo Nunes.

Se as práticas do comissariado petista estivessem em vigor ao tempo da ditadura, teriam sido afogadas as carreiras de economistas como Pedro Malan, Edmar Bacha, Regis Bonelli e Claudio Moura Castro. Foi graças a eles que os futuros petistas aprenderam (se é que aprenderam) de onde viria a crise da economia do Milagre Brasileiro.

sábado, 28 de junho de 2008

Copiei isto do blog do Ronald

Como disse o Ronald (http://escolhaseconsequencias.blogspot.com/2008/06/economistas-tambm-se-divertem.html), economistas também se divertem.

Respostas

Recebi o seguinte comentário e respondo logo abaixo.

Alex estudo na eesp e perguntei a Nakano e Bresser porque o Brasil cresce pouco e temos um juros altos e inflação alta também.Eles me falaram que o Brasil cresce pouco em relação a China e Índia porque temos uma taxa de juros alta que favoreçe a entrada de capitais especulativos valorizando o cambio,o dolar valorizado impede as exportações brasileiras além de que causa problema nas contas externas.

A solução deles foi o Brasil cortar juros para aumentar o superavit fiscal e estimular a produção cortes nos gastos do governo cambio administrado para garantir as exportações e manutenção nas contas externas,é pura demagogia do BC aumentar o juros pois a inflação é importada se o Brasil baixasse o juros poderiamos ter um maior controle da inflação porque a produção aumentaria.

Anônimo:

A quantidade de disparates nesta afirmação é tão grande que fica difícil responder em poucas palavras, mas vamos tentar.

1) A historinha que o Brasil cresce pouco porque o juro é alto e o câmbio é apreciado é bobagem. Se isto fosse verdade qualquer país poderia crescer muito rápido quando quisesse (o argumento de que "rentistas" não deixam é de um ridículo atroz: imagine o que conseguiria um político que fizesse o país crescer 10% aa; certamente ele não daria a mínima para o que os "rentistas" pensam). O simples fato de que certos países crescem muito e outros pouco quando um remédio tão conveniente está a mão já deveria deixar qualquer um desconfiado.

2) China e Índia crescem muito porque estão passando pelo processo que o Brasil passou entre 1930-80, i.e., tirar gente de setores de baixa produtividade (então agricultura) e passá-los para setores de alta produtividade (indústria), aumentando a produtividade e, portanto, o crescimento. Em outras palavras estão - principalmente a China - passando pelo processo de URBANIZAÇÃO. Para quem se diz adepto de uma abordagem "histórica" é no mínimo curioso não fazer qualquer menção a este fato.

Fora isto a China poupa 40% do PIB e o Brasil poupa 20%. Será que isto não faz qualquer diferença?

3) Mesmo com o juro real elevado a demanda doméstica tem crescido aceleradamente (investimento, por exemplo, cresce a 15% nos últimos 4 trimestres, o que não é pouco, e o consumo a quase 7%), ao mesmo tempo em que vemos sinais de estresse do lado da oferta. Certamente não temos problema para acelerar a demanda. Por outro lado, a estratégia de baixar a taxa de juros para "aumentar a oferta via investimento" acaba de ser testada e falhou fragorosamente, mesmo com o investimento crescendo bem à frente do PIB.

4) Investimento é primeiro demanda e depois oferta. Quanto a mais de crescimento é "comprado" por investimento? Nas contas de qualquer um que procure quantificar o argumento ao invés de proferir cretinices, cada unidade extra de investimento aumenta o produto pela produtividade marginal do capital.

Pelas minhas estimativas 1% do PIB a mais de investimento (grosso modo investimento crescendo 5.6% mais rápido que o PIB, ou seja, perto de 10% a.a.) ganha entre 0,2 e 0,25% a mais de crescimento do PIB potencial. Em outras palavras, jogamos 1.8% de demanda extra para 0,25% de oferta extra. Pede para o Yoshiaki explicar como esta conta fecha...

5) Quanto a administrar o câmbio, basta olhar para o que a Argentina fez e onde está indo parar depois que a capacidade ociosa foi preenchida. Inflação de 30%, desarranjo de preços relativos e crise social/política. Segurar o câmbio nominal sem segurar a inflação não vai te levar muito longe...

6) Eu mostrei (http://maovisivel.blogspot.com/2008/06/inflao-contagiosa.html) que a inflação não é importada. É só fazer a conta da inflação externa deduzida a variação cambial para perceber esta falácia. De novo é conversinha de quem não se preocupa em fazer conta.

7) Desde 2002 o câmbio só aprecia e as exportações só sobem. É verdade que preços subiram (aliás, é principalmente por isto que o câmbio aprecia), mas mesmo o crescimento das quantidades (manufaturados inclusive) tem sido bem mais rápido que nos anos anteriores. De qualquer forma, seja por preço, seja por quantidade, as exportações brasileiras mais que triplicaram nos últimos 5-6 anos. Como alguém pode alegar que a falta de dinamismo das exportações está prejudicando o crescimento? Aposto que se você perguntar a qualquer um deles qual foi o crescimento das exportações no período mais recente eles não saberão dizer sem ir consultar os números, coisa que aparentemente não fizeram (e não fazem).

8) Aproveite os bons professores da GV, mas não vá atrás do papo furado dos picaretas de plantão.

Abs

Alex

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Filme velho; final novo

A recente divulgação das contas nacionais até março de 2008 é um bom ponto de partida para a reflexão acerca do que vem acontecendo no balanço de pagamentos. Nos últimos quatro trimestres tivemos a seguinte composição do PIB: consumo privado, 61%; consumo do governo 20%; investimento, 18%; exportações, 13%; e importações, 12%, implicando um superávit externo (exceto juros e dividendos) de 1% do PIB.

Ao final de 2004 o superávit era de 4% do PIB, o mais alto dos últimos anos, revelando uma redução equivalente a 3% do PIB desde então. Comparando as contas nacionais para o final daquele ano com os dados acima descobrimos que o consumo privado aumentou em 1% do PIB, enquanto o consumo do governo se manteve em 20% do PIB (ou seja, a poupança se reduziu em 1% do PIB), e o investimento aumentou em 2% do PIB.Tais números devem esclarecer boa parte dos mistérios acerca do desenvolvimento das contas externas.

O país passa por um processo importante de elevação do investimento, que se traduz em elevação gradual de sua capacidade de crescimento. No entanto, se o investimento cresce como proporção do produto, os demais componentes da demanda têm que ceder, isto é, ou o consumo privado cai, ou o consumo público diminui, ou ainda o saldo em contas externas se reduz.Dadas nossas opções de política fiscal é claro que o consumo do governo não é encarado como variável de ajuste, e, já que ninguém quer reduzir o consumo privado, o que sobra para financiar o investimento é o saldo em conta corrente. Isto, diga-se, não é ortodoxia; é apenas aritmética. Considerando ainda que o investimento deva continuar subindo (assim como o consumo) em ritmo superior ao do PIB, não é difícil prever que – na ausência de um ajuste fiscal digno deste nome – as contas externas continuarão sendo a válvula de escape do processo. Não é por outro motivo que esperamos déficits crescentes à frente.

Isto dito, a história recente não associa boas lembranças a déficits externos. Déficits elevados na segunda metade dos anos 70 e 90 passaram por correções bruscas nos anos subseqüentes, levando à crise da dívida externa no início dos anos 80 e crises fiscal e financeira na virada do milênio. Será que veremos de novo o mesmo filme?

Acredito que não. A começar porque, ao contrário dos episódios anteriores, não vivemos hoje sob uma taxa de câmbio administrada. Em tais casos, o ajuste do câmbio é geralmente postergado até o limite do desastre. Sob câmbio flexível, porém, caso haja perspectiva de evolução insustentável do déficit, o mercado se encarregará da correção da taxa de câmbio, cabendo ao Banco Central apenas garantir que esta não se traduza em aumento equivalente da inflação, por meio de controle da demanda doméstica.

Além disso, não há mais o grande problema que caracterizou as crises mais recentes: uma elevada dívida em moeda estrangeira. Naquela situação a mesma variável que trabalhava pelo ajuste das contas externas (o câmbio), implicava forte deterioração das condições fiscais (pelo aumento da dívida pública) e financeiras (pelo seu efeito no endividamento das empresas). Nas circunstâncias atuais, pelo contrário, caso a moeda precise depreciar o governo ganharia (1% do PIB a cada 10% de desvalorização), assim como o setor privado, de modo que um eventual ajuste de contas externas não deverá causar os problemas do passado, para decepção daqueles que apostam o velho filme terá o mesmo final.

(Publicado 25/Jun/2008)

domingo, 22 de junho de 2008

Aviso

Estarei fora do país esta semana. Meu acesso à internet deve ser meio irregular, mas seguirei moderando os comentários. Pode demorar um pouco, mas deve funcionar.
Abs
Alex

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Para quem pediu metal...


Mixwit

Como alertei, não é minha praia, mas ainda há umas coisas que lembro há (muito) tempo.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Beatles 4 ever


Mixwit

terça-feira, 17 de junho de 2008

Uma má idéia

Mais uma vez por sugestão da Janaína comento abaixo o editorial do Estado de S. Paulo que pede alterações nos acordos de dívidas estaduais, proposta que considero bastante problemática. Reproduzo primeiro o editorial e depois faço comentários sobre trechos selecionados.

Uma dívida cara demais

Governadores e prefeitos pedem ao Tesouro Nacional um novo acordo sobre suas dívidas com a União, refinanciadas por 30 anos a partir do final dos anos 90. Os juros e a correção monetária são altos demais, argumentam os devedores, e a dívida remanescente depois de cada pagamento cresce de forma assustadora. Alguns pedem autorização para trocar dívida velha por dívida nova e mais barata, contratada com bancos privados ou com instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial. Outros propõem simplesmente uma revisão do indexador, para deter o crescimento do resíduo.

A renegociação das dívidas foi um desdobramento do Plano Real. Para estabilizar a economia, o governo federal procurou criar condições para o funcionamento efetivo da política monetária e para a recuperação das finanças públicas em todos os níveis da administração. O programa incluiu a privatização de bancos estaduais e o refinanciamento das dívidas de Estados e municípios, incapazes, naquele momento, de pagar seus compromissos.

O Tesouro Nacional assumiu a responsabilidade, perante o setor financeiro, pelos débitos estaduais e municipais e tornou-se credor de Estados e municípios. Para estes não havia escolha, porque se haviam endividado em excesso, a juros muito altos, e não podiam refinanciar-se no mercado.

Tesouros estaduais e municipais ganharam 30 anos para liquidar as dívidas com a União, pagando juros anuais entre 6% e 9%. O saldo seria corrigido com base na variação do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI). As prestações anuais seriam equivalentes a 13% da receita líquida de Estados e municípios.

O passo seguinte foi a aprovação, no ano 2000, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei dos Crimes Fiscais, concebidas para disciplinar a gestão financeira de Estados e municípios.

Os governos estaduais e municipais adaptaram-se gradualmente às novas condições, embora com dificuldades para se enquadrar em alguns critérios, como, por exemplo, a limitação de gastos com o funcionalismo. De modo geral, as novas normas produziram resultados satisfatórios. Estados e municípios contribuíram para o alcance das metas fiscais definidas para todo o setor público.

Os encargos da rolagem negociada com o Tesouro Nacional tornaram-se, no entanto, um peso muito grande para muitos Estados e municípios. O pagamento anual de 13% da receita líquida ao Tesouro Nacional já é um sacrifício considerável, mas, apesar disso, os governadores e prefeitos ainda viram avolumar-se um preocupante resíduo financeiro, resultante de uma correção muito alta, bem maior que a inflação medida pela variação dos preços ao consumidor, acrescida de juros entre 6% e 9% ao ano.

Durante esses anos, as condições do mercado financeiro mudaram consideravelmente no Brasil e no exterior. O Tesouro Nacional aproveitou o cenário mais favorável para trocar parcelas de sua dívida antiga por novos financiamentos bem mais baratos. Foi uma decisão correta, mas os Tesouros estaduais e municipais não tiveram acesso a essa facilidade. De acordo com a lei, não poderiam contratar novas dívidas sem autorização federal.

Essa restrição tem sentido quando um governador ou prefeito pretende ampliar seu endividamento. Mas é muito menos defensável, quando o governador ou prefeito pretende apenas tomar um financiamento mais barato para abater uma parcela de sua dívida com a União. Há pouco mais de dez anos, a União substituiu os bancos como credora de Estados e municípios. Era a solução disponível naquele tempo. Agora seria possível percorrer o caminho inverso - dentro de certos limites. Frações da dívida seriam transferidas para os bancos, a custos menores para os Estados e municípios.

A saída alternativa seria a revisão dos encargos cobrados pelo Tesouro. Os encargos pagos pela União são bem mais baixos que o custo suportado pelos Tesouros estaduais e municipais. Há espaço, portanto, para uma redução dos encargos, como pedem alguns governadores e prefeitos. Nenhuma das duas mudanças - a tomada de empréstimos mais baratos, como pretendem alguns, e a revisão dos encargos, como preferem outros - é incompatível com a disciplina fiscal. Todos ganharão, se o governo federal examinar com boa vontade as pretensões de governadores e prefeitos.

Comentários sobre alguns trechos selecionados

1) “Alguns pedem autorização para trocar dívida velha por dívida nova e mais barata, contratada com bancos privados ou com instituições financeiras multilaterais, (...) mas os Tesouros estaduais e municipais não tiveram acesso a essa facilidade. De acordo com a lei, não poderiam contratar novas dívidas sem autorização federal.

Essa restrição tem sentido quando um governador ou prefeito pretende ampliar seu endividamento. Mas é muito menos defensável, quando o governador ou prefeito pretende apenas tomar um financiamento mais barato para abater uma parcela de sua dívida com a União

Há uma diferença importante entre dever à União e dever a um banco privado (ou mesmo a uma instituição multilateral) que não está sendo devidamente pesada pelo editorialista. Quando um estado deve à União, em caso de não pagamento esta última pode, pelo contrato de refinanciamento da dívida, interromper as transferências constitucionais de impostos para o estado (ou município) inadimplente, até recuperar o valor do pagamento. Isto impede na prática o calote do devedor.

Caso o credor seja outro, sem o mesmo acesso às garantias na forma das receitas de transferências constitucionais, o que impediria um novo candidato a Itamar Franco de interromper o pagamento da dívida? Aliás, diga-se, muito provavelmente acusando a administração anterior e o banco credor, mesmo se este último for uma instituição multilateral, mais uma vez jogando a conta no governo federal.

A menos que a proposta inclua a possibilidade de sequestro das transferências constitucionais, o risco de crédito aumenta muitíssimo, e eu não sei se haveria mecanismos de incorporar estas garantias a contratos de dívida com instituições que não o próprio governo federal.

2) “Outros propõem simplesmente uma revisão do indexador, para deter o crescimento do resíduo... A saída alternativa seria a revisão dos encargos cobrados pelo Tesouro. Os encargos pagos pela União são bem mais baixos que o custo suportado pelos Tesouros estaduais e municipais. Há espaço, portanto, para uma redução dos encargos, como pedem alguns governadores e prefeitos.”

Perfeito, mas noto que nos anos em que o IGP ficou muito abaixo do IPCA nenhuma voz se levantou pedindo para pagar mais. E se isto ocorrer novamente? Do dois indexadores o devedor sempre pode escolher o melhor?

Acho sempre muito curiosa esta assimetria e acredito ser um excelente teste da justiça da proposta imaginar se o autor reagiria de forma assimétrica caso a situação seja a oposta da que ele enfrenta hoje. Concretamente: o editorialista pediria um aumento dos encargos dos estados caso o IPCA fique acima do IGP?

Por fim, mesmo que o subsídio seja todo interno ao setor público (isto é, se o estado/município ganha o governo federal perde e vice-versa), não se pode esquecer que é o contribuinte dos estados menos endividados quem financia os estados mais endividados, não por acaso os mais ricos da federação. Um aumento do subsídio federal a São Paulo, pela troca do indexador por exemplo, se dá às custas do contribuinte da Paraíba, o que não me parece nada justo com o estado dos meus antepassados (só meu pai para falar a verdade, mas ainda assim resta um laço afetivo).

De maneira geral me parece mesmo uma má idéia, mesmo porque esta é uma porteira que, uma vez aberta, ameaça boa parte do (parco) ajuste fiscal que conseguimos fazer.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Inflação é contagiosa?

Em artigos anteriores mostrei que a aceleração da inflação não decorre de um aumento do preço de alimentos, mas sim de um grau crescente de utilização dos recursos (capital e trabalho), resultado de uma demanda que cresce a uma velocidade superior à que a produção local pode suprir. Neste artigo examino outro mito acerca do aumento da inflação: a noção de que este deriva da inflação mundial mais alta. Segundo esta hipótese, a maior inflação mundial teria “contaminado” os preços domésticos, sem qualquer responsabilidade local. O corolário desta tese (como curiosamente parece ser sempre o caso) é que o Banco Central não deveria reagir a isto, uma vez que a raiz do processo inflacionário se encontraria em solo estrangeiro.

Proponho duas maneiras de auferir a validade dessa suposição. A maneira mais simples consiste em estimar, a partir dos dados de preços de exportação e importação calculados pela Funcex, qual é a inflação dos bens de consumo importados e exportados pelo Brasil. Sabendo a inflação destes produtos em dólar, basta convertê-la para reais usando para isto a variação da taxa de câmbio contra o dólar.

A maneira mais trabalhosa requer o cálculo da inflação no atacado dos principais parceiros comerciais brasileiros[1], cada qual em sua moeda, depois convertida em moeda doméstica pela taxa de câmbio do real contra as moedas destes países/regiões. Os resultados dos dois procedimentos são mostrados no gráfico.




Ambas as medidas revelam que, apesar da inflação externa ter aumentado, sua contribuição para a inflação brasileira é negativa ou próxima a zero nos últimos 12 meses, precisamente durante o período em que a inflação doméstica (e suas medidas de núcleo) aceleraram cerca de 2 pontos percentuais.

Isto ocorre porque o aumento da inflação internacional foi contrabalançado pelo comportamento do câmbio, resultando numa modesta contribuição no sentido de reduzir a inflação local. E, se é verdade que preços de alimentos subiram, a contribuição de outros preços foi no sentido oposto, como a inflação de bens duráveis, que ficou em apenas 0,5% nos 12 meses até maio.

Fica, portanto, difícil conciliar evidência acima com a hipótese de “contaminação” dos preços locais pela inflação internacional. Nem o Brasil pegou inflação da piscina do clube, nem se trata de caso contra o qual nenhuma medida doméstica possa fazer efeito. Pelo contrário, os dados sugerem que a aceleração da inflação tem raízes firmemente fincadas em solo pátrio e que, portanto, tanto taxas de juros quanto o controle de gastos públicos podem afetá-la.

No entanto, dado que a decisão de manter o superávit primário em 4,3% do PIB (onde se encontra desde janeiro de 2007) não implica contração fiscal adicional, parece claro que, mais uma vez, o fardo de ajuste recairá sobre os ombros do Banco Central.




[1] Zona do Euro, EUA, Argentina, China, Japão, México, Chile, Reino Unido, Coréia do Sul, Canadá, Venezuela, Taiwan e Índia. Estes países representaram 74% do comércio internacional brasileiro em 2007.

P.S Perdão pelo atraso, mas em viagem fica dificil.

(Publicado Jun/11/2008)