"Pergunta de um estudante de 2ndo periodo (pra vc angariar toda a paciencia possivel)
1. Pode colocar links pra evidencias da existencia das expectativas racionais ? Realmente gostaria de ver. Afinal, mesmo no anúncio do Nobel pro Lucas, elas sao tratadas como "hipotese". A mim nao parecem mais que isso. Com todo respeito, me soam como crença de economista (nao, nao sou partidário do Lucrecio, me considero um novo-keynesiano, tbm) e como uma hipotese altamente questionavel. Afinal, pressupor que a massa conjetura sobre a inflação de um periodo futuro, ainda que de modo "inconsciente", é bem forçado. Alem disso, a ideia do Keynes que os trabalhadores nao respondem prontamente a variaçoes no salário real e sim às do salário nominal é bem plausivel, e ela vai de encontro às expectativas racionais (nao, nao jogaram esse pensamento na minha cabeça na UFRJ, é meu).
2. Ando lendo Friedman. No momento o artigo "Role of the monetary policy". MTOS argumentos sao baseados nas construções de expectativas. Essas expectativas sao exatamente nos mesmos moldes das do Lucas?
3. Expectativas racionais estao sujeitas a erro ? "A idéia das expectativas racionais freqüentemente é parodiada com a afirmação de que as pessoas podem fazer previsões exatas. Não é bem assim" (tirei do Cofecon, n sei se é boa fonte mas foi por acaso) ou "Isso (as expectativas racionais) não apenas pressupoe que os agentes economicos formulem as suas previsoes com o socorro de um econometrista, mas que nao haja divergencia entre os econometristas..." (Simonsen)
Qual das 2 afirmaçõs vale ?
Ficaria mto grato c uma resp.
Abraços,
JA (2ndo periodo Economia UFRJ)"
JA:
Boas perguntas. Começo pelas últimas, porque a primeira é mais difícil.
Não, as expectativas do Friedman não são as mesmas do Lucas. Embora Friedman tenha chamado a atenção para a instabilidade da curva de Phillips (só isto renderia um post gigantesco), isto é, que a curva de Phillips se desloca com o nível de expectativas, ele não modelou expectativas da mesma forma. No trabalho do Friedman a hipótese é que os agentes formam expectativas de forma adaptativa, isto é, a partir da correção dos erros passados. Assim, se e(x) é a expectativa adaptativa acerca da variável x, ela evoluiria de acordo com:
e(x) = x(-1) + b[x(-1) – e(x(-1))]; b<1
Isto é, a expectativa hoje seria o dado passado mais um termo que corrigiria o erro passado (ou seja, uma média ponderada entre a observação passada e a variável defasada). No caso particular b=0 a expectativa hoje seria a variável ontem.
O problema com esta formulação é que ela é puramente mecânica. Não há papel para aprendizado e não há lugar para agentes que tentam prever o futuro usando toda a informação disponível. Em particular, sob expectativas adaptativas agentes podem cometer erros sistemáticos (em linguagem econométrica, há autocorrelação de resíduos). Tal autocorrelação implica a existência de informação que não está sendo eficientemente usada.
Não que sob a hipótese de ER não haja erros (há modelos que usam a hipótese de previsão perfeita, um caso extremo de ER, mas o caso geral não é previsão perfeita). Agentes podem errar previsões e muito provavelmente o farão. O que a hipótese de ER requer é que os erros não sejam serialmente correlacionados e que a previsão seja não correlacionada ao erro de previsão (isto é, E[x(t)u(t)]=0).
Esta propriedade já sugere uma forma de testar a hipótese de ER, desde que possamos observar as expectativas. No caso do Brasil temos o Focus. Eu nunca fiz um teste, mas me lembro de um relatório do Pastore em que ele rejeita a hipótese de ER para o Focus. Ainda assim, mesmo que as expectativas do Focus não sejam racionais, nada sabemos acerca das expectativas formuladas por agentes que tomam decisões (o gerente de vendas que tem que decidir o preço que valerá pelos próximos 12 meses, por exemplo).
A verdade é que o requerimento de racionalidade embutido na ER parece excessivo. Não só pela ortogonalidade do erro, mas também a hipótese dos agentes conhecerem o modelo. Os velhos keynesianos (Solow, Tobin, o próprio Samuelson) não tinham especial apreço por ER. Alguns monetaristas das antigas também não eram grandes fãs (o Karl Brunner, por exemplo). O problema (pelo menos como eu entendo) é que temos que incluir expectativas nos modelos econômicos e as hipóteses alternativas não são melhores que ER (são, acredito, piores).
Não parece correto supor que as pessoas formam expectativas com base na extrapolação mecânica do passado, sem papel para aprendizado ou para a formação de expectativas com base em toda informação disponível. Papaguear que o futuro é incerto (no sentido Knighteano do termo) e que, portanto, os agentes não têm como formar expectativas também não vai nos levar longe (sei que há trabalho em probabilidades sub-aditivas que tenta modelar expectativas neste contexto, mas não o conheço, sequer superficialmente, e a matemática é pesada).
Na falta de uma abordagem melhor, o que sobra é usar ER (o paralelo com a frase do Churchill sobre a democracia é óbvio). É uma forma simples de introduzir expectativas e metodologicamente tem uma consequência que eu particularmente aprecio: impõe que os agentes não sejam menos inteligentes que o autor do modelo, uma disciplina importante para a modelagem.
Isto dito, é importante notar que a hipótese de ER, embora tenha sido inicialmente associada à proposição de neutralidade da moeda (ou, de acordo com outras versões, com a proposição de que a política monetária não pode estabilizar o produto), não é, na verdade, a hipótese crucial para a obtenção destes resultados. Em modelos de preços rígidos (sticky prices), mesmo com ER, tanto a não-neutralidade da moeda como o papel da política monetária na estabilização do produto sobrevivem (toda abordagem novo-keynesiana, por exemplo). Assim, se há 30 anos muita gente ainda resistia à hipótese de ER, hoje a maioria dos economistas a incorpora.
Por fim, mesmo que não se possa (ou seja muito difícil) testar diretamente a hipótese de ER, é ainda possível testar as conclusões dos modelos que se utilizam desta hipótese. Assim, se as proposições testáveis do modelo sobrevivem ao teste empírico, a despeito de hipóteses irrealistas, o modelo segue como verdade provisória (até ser rejeitado, ou superado por outro modelo). Caso não sobrevivam, propõe-se um novo modelo (talvez sem ER, talvez sem outra hipótese, talvez incorporando algo que tenha ficado de fora na formulação original) e continuamos testando. É assim que funciona.
Ajudou?
1. Pode colocar links pra evidencias da existencia das expectativas racionais ? Realmente gostaria de ver. Afinal, mesmo no anúncio do Nobel pro Lucas, elas sao tratadas como "hipotese". A mim nao parecem mais que isso. Com todo respeito, me soam como crença de economista (nao, nao sou partidário do Lucrecio, me considero um novo-keynesiano, tbm) e como uma hipotese altamente questionavel. Afinal, pressupor que a massa conjetura sobre a inflação de um periodo futuro, ainda que de modo "inconsciente", é bem forçado. Alem disso, a ideia do Keynes que os trabalhadores nao respondem prontamente a variaçoes no salário real e sim às do salário nominal é bem plausivel, e ela vai de encontro às expectativas racionais (nao, nao jogaram esse pensamento na minha cabeça na UFRJ, é meu).
2. Ando lendo Friedman. No momento o artigo "Role of the monetary policy". MTOS argumentos sao baseados nas construções de expectativas. Essas expectativas sao exatamente nos mesmos moldes das do Lucas?
3. Expectativas racionais estao sujeitas a erro ? "A idéia das expectativas racionais freqüentemente é parodiada com a afirmação de que as pessoas podem fazer previsões exatas. Não é bem assim" (tirei do Cofecon, n sei se é boa fonte mas foi por acaso) ou "Isso (as expectativas racionais) não apenas pressupoe que os agentes economicos formulem as suas previsoes com o socorro de um econometrista, mas que nao haja divergencia entre os econometristas..." (Simonsen)
Qual das 2 afirmaçõs vale ?
Ficaria mto grato c uma resp.
Abraços,
JA (2ndo periodo Economia UFRJ)"
JA:
Boas perguntas. Começo pelas últimas, porque a primeira é mais difícil.
Não, as expectativas do Friedman não são as mesmas do Lucas. Embora Friedman tenha chamado a atenção para a instabilidade da curva de Phillips (só isto renderia um post gigantesco), isto é, que a curva de Phillips se desloca com o nível de expectativas, ele não modelou expectativas da mesma forma. No trabalho do Friedman a hipótese é que os agentes formam expectativas de forma adaptativa, isto é, a partir da correção dos erros passados. Assim, se e(x) é a expectativa adaptativa acerca da variável x, ela evoluiria de acordo com:
e(x) = x(-1) + b[x(-1) – e(x(-1))]; b<1
Isto é, a expectativa hoje seria o dado passado mais um termo que corrigiria o erro passado (ou seja, uma média ponderada entre a observação passada e a variável defasada). No caso particular b=0 a expectativa hoje seria a variável ontem.
O problema com esta formulação é que ela é puramente mecânica. Não há papel para aprendizado e não há lugar para agentes que tentam prever o futuro usando toda a informação disponível. Em particular, sob expectativas adaptativas agentes podem cometer erros sistemáticos (em linguagem econométrica, há autocorrelação de resíduos). Tal autocorrelação implica a existência de informação que não está sendo eficientemente usada.
Não que sob a hipótese de ER não haja erros (há modelos que usam a hipótese de previsão perfeita, um caso extremo de ER, mas o caso geral não é previsão perfeita). Agentes podem errar previsões e muito provavelmente o farão. O que a hipótese de ER requer é que os erros não sejam serialmente correlacionados e que a previsão seja não correlacionada ao erro de previsão (isto é, E[x(t)u(t)]=0).
Esta propriedade já sugere uma forma de testar a hipótese de ER, desde que possamos observar as expectativas. No caso do Brasil temos o Focus. Eu nunca fiz um teste, mas me lembro de um relatório do Pastore em que ele rejeita a hipótese de ER para o Focus. Ainda assim, mesmo que as expectativas do Focus não sejam racionais, nada sabemos acerca das expectativas formuladas por agentes que tomam decisões (o gerente de vendas que tem que decidir o preço que valerá pelos próximos 12 meses, por exemplo).
A verdade é que o requerimento de racionalidade embutido na ER parece excessivo. Não só pela ortogonalidade do erro, mas também a hipótese dos agentes conhecerem o modelo. Os velhos keynesianos (Solow, Tobin, o próprio Samuelson) não tinham especial apreço por ER. Alguns monetaristas das antigas também não eram grandes fãs (o Karl Brunner, por exemplo). O problema (pelo menos como eu entendo) é que temos que incluir expectativas nos modelos econômicos e as hipóteses alternativas não são melhores que ER (são, acredito, piores).
Não parece correto supor que as pessoas formam expectativas com base na extrapolação mecânica do passado, sem papel para aprendizado ou para a formação de expectativas com base em toda informação disponível. Papaguear que o futuro é incerto (no sentido Knighteano do termo) e que, portanto, os agentes não têm como formar expectativas também não vai nos levar longe (sei que há trabalho em probabilidades sub-aditivas que tenta modelar expectativas neste contexto, mas não o conheço, sequer superficialmente, e a matemática é pesada).
Na falta de uma abordagem melhor, o que sobra é usar ER (o paralelo com a frase do Churchill sobre a democracia é óbvio). É uma forma simples de introduzir expectativas e metodologicamente tem uma consequência que eu particularmente aprecio: impõe que os agentes não sejam menos inteligentes que o autor do modelo, uma disciplina importante para a modelagem.
Isto dito, é importante notar que a hipótese de ER, embora tenha sido inicialmente associada à proposição de neutralidade da moeda (ou, de acordo com outras versões, com a proposição de que a política monetária não pode estabilizar o produto), não é, na verdade, a hipótese crucial para a obtenção destes resultados. Em modelos de preços rígidos (sticky prices), mesmo com ER, tanto a não-neutralidade da moeda como o papel da política monetária na estabilização do produto sobrevivem (toda abordagem novo-keynesiana, por exemplo). Assim, se há 30 anos muita gente ainda resistia à hipótese de ER, hoje a maioria dos economistas a incorpora.
Por fim, mesmo que não se possa (ou seja muito difícil) testar diretamente a hipótese de ER, é ainda possível testar as conclusões dos modelos que se utilizam desta hipótese. Assim, se as proposições testáveis do modelo sobrevivem ao teste empírico, a despeito de hipóteses irrealistas, o modelo segue como verdade provisória (até ser rejeitado, ou superado por outro modelo). Caso não sobrevivam, propõe-se um novo modelo (talvez sem ER, talvez sem outra hipótese, talvez incorporando algo que tenha ficado de fora na formulação original) e continuamos testando. É assim que funciona.
Ajudou?