Segundo Einstein, “continuar a fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes” é a definição de loucura (“Continuing to do the same things over and over again and to expect different results. According to Einstein, the definition of madness”). Acabei me lembrando disto ao ler o discurso do Tim Geithner sobre a proposta de estabilização da crise financeira.
São três iniciativas:
1. As instituições financeiras devem passar por um teste de estresse, quer dizer, um exercício de solidez do seu balanço (soa como um oximoro neste momento, mas vamos deixar isto de lado). Em outras, querem saber o tamanho do furo e, portanto, quanto de capital cada banco vai precisar. O capital virá dos fundos do programa aprovado no ano passado (TARP) como ponte até que os bancos consigam levantar capital privado. Isto provavelmente significa que o dinheiro virá na forma de ações preferenciais (não são a mesma coisa que ações preferenciais brasileiras; é mais parecido com uma dívida perpétua com pagamento de cupons) com juro elevado.
2. A TALF (linha para aquisição de títulos lastreados em crédito – asset backed securities, ABS) passa de US$ 200 bilhões para US$ 1 trilhão. Em outras palavras o Fed ampliaria ainda mais seu balanço numa tentativa de sustentar o mercado secundário de ABS como forma de incentivar as instituições financeiras a gerarem ativos que posteriormente seriam securitizados e vendidos neste mercado.
3. Cria-se um fundo público-privado de investimento (inicialmente US$ 500 bilhões, mas que poderia chegar a US$ 1 trilhão) para aquisição de ativos que hoje oneram o balanço dos bancos (em bom português, ativos podres). Não é claro de onde vêm os recursos e, segundo Geithner, “estamos explorando um espectro de estruturas diferentes para este programa”.
Teste de estresse à parte, o ponto (1) é uma repetição do que foi feito até agora após a iniciativa do Gordon Brown de recapitalização dos bancos. Não funcionou até agora essencialmente porque o balanço dos bancos parece ser um buraco sem fundo. Ativos continuam sendo marcados para baixo, mas não (pelo menos da forma como vejo o problema hoje) por um problema de falta de liquidez no mercado secundário, mas sim porque continua a haver uma forte deterioração da qualidade dos ativos bancários, reforçada pela queda de atividade, renda e emprego.
Não tenho condições de saber o tamanho das perdas (desconfio que ninguém tem), mas não me parece absurdo neste momento que tenhamos, à frente, perdas ainda maiores dos que as já admitidas (US$ 1,1 trilhão, dos quais US$ 755 bilhões nos EUA). O Roubini fala em até US$ 2,5 trilhões. Neste contexto, quanto os bancos precisariam receber de capital? Aparentemente muito mais do que o Tesouro tem disponível no TARP.
A ampliação do TALF pode ajudar em alguma medida (até agora também parece ter tido pouco efeito), mas se o “quantitative easing” (agora redenominado “credit easing”) não deu muito certo no Japão, por que motivo deveríamos esperar que funcionasse nos EUA?
Quanto ao fundo... Bem, sim, pelo que foi dito acima, o problema está mesmo na deterioração dos ativos dos bancos, e, portanto, o caminho para a solução passa em equacioná-los, mas será que podemos criar valor mudando ativos de lugar? Acho que conseguimos “distribuir” o valor que resta (entre acionistas, credores, depositantes e, é claro, contribuintes), mas certamente não melhora em nada a qualidade dos ativos e, portanto, seu valor.
Incidentalmente, tenho a impressão (alguém poderia checar isto) que, para boa parte destas instituições, não é o valor dos ativos que ainda mantém positivo o valor das ações, e sim a perspectiva que, em determinadas circunstâncias, o prejuízo seja distribuído de forma que ainda sobre algo para o acionista. Por exemplo, se os ativos forem adquiridos pelo governo por um preço “x” (acima de preços de mercado e acima do “valor real”), o acionista ainda pode sair ganhando às expensas do contribuinte.
Acabei me lembrando, além da frase do Einstein, um velho ditado israelense: “o que não funciona com força, funciona com mais força” (na verdade não é um ditado israelense, mas a percepção de um amigo meu que, em Israel, testemunhou um sabra voando com dois pés na porta do caminhão, já que fechá-la do jeito normal não estava dando certo). De qualquer forma parece descrever bem a postura do país, assim como o sucesso deste tipo de política.
Continuo refletindo sobre o assunto. Não tenho a ilusão que entenderei mais deste assunto que os economistas brilhantes que devotam boa parte do seu tempo ao tema, mas, acredito que a solução passa por um esquema “banco ruim”/”banco bom” na linha do Proer. Se for o caso, não há salvação para o acionista e, muito provavelmente, para o credor também. Talvez o contribuinte possa sair sem grandes prejuízos, mas não sem comparecer, ao menos inicialmente, com parte substancial do dinheiro necessário.
Imaginem um banco com 100 de ativos, 5 de capital e 95 de dívida (não quis tratar de depositante separadamente aqui). Dos 100 de ativo, 40, digamos, são problemáticos. O banco sofre intervenção e é dividido: 40 de ativos ruins ficam no “banco ruim” e 60 no “banco bom”.
O acionista perde tudo (ou melhor, torna-se acionista do “banco ruim”) e vai ganhar o que sobrar dos ativos, depois de pagos os credores. O “banco bom” tem 60 de ativos, zero de capital e 95 de dívida, isto é, está furado em 35. Aqui há duas alternativas (na verdade infinitas, mas olho dois casos polares).
Num caso o governo capitaliza o banco. Para voltar à estrutura inicial o governo põe 40 no banco (os ativos passam de 60 para 100), mas, como a dívida permanece em 95, o capital (todo ele do governo) vale 5. Destruição de valor para o contribuinte (pôs 40 e ficou com 5); tremendo negócio para o credor.
Noutro caso, faz-se um “haircut” ao meu estilo na dívida. Os 35 que faltam vêm do “haircut”, e a estrutura do banco fica sendo 60 de ativos e 60 de dívida. Aí o governo capitaliza o banco com quanto achar necessário para uma alavancagem saudável (digamos, 20) e a estrutura final fica sendo 80 de ativos, 60 de dívida e 20 de capital. À frente o banco é privatizado e o dinheiro pode (ou não) retornar para o contribuinte. Para reduzir a perda do credor dá-se a ele o direito de receber antes do acionista original qualquer valor recuperado dos ativos podres em poder do “banco ruim”.
Entre estes casos há infinitas combinações de divisão do prejuízo entre credor e contribuinte. Por exemplo, é possível, também, um “warrant” no banco bom para adoçar a perda dos credores, que, obviamente, sai do ganho (potencial) do contribuinte na privatização.
Isto dito, mesmo que este esquema seja ideal (e certamente não é), há ainda problemas nada triviais de ordem operacional. A começar a inexistência (acredito) de marco legal que permita esta brutalidade de fatiar banco à torto e direito. Imaginem a discussão disto no Congresso com mercados a pleno funcionamento. Tem tudo para gerar uma crise.
Fora isso, embora idealmente esta solução possa chamar o acionista privado (já que, em tese, só ficaram ativos bons nos bancos), na prática a distinção entre ativo bom e ruim não é fácil e, mais importante, depende do ambiente externo. Ativos que seriam bons sob certas circunstâncias se tornam ruins sob outras, de modo que não há como garantir que o balanço fique limpo mesmo após a separação.
De um lado mais prosaico, quem tocaria o banco? É claro que a direção teria que ser afastada, e o novo acionista teria que indicar novos dirigentes também. Como impedir a politização de crédito num ambiente em que crédito é disputado a tapa.
Vale dizer, acho que o caminho para solução passa por algo deste gênero, mas faltam detalhes cruciais, apenas alguns dos quais foram mencionados acima. Em conclusão, é muito feio.
Resta, como esperança, o que Churchill dizia sobre os americanos: “You can always count on Americans to do the right thing - after they've tried everything else.”
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