Onde trabalho é quase possível escutar (às vezes até ler) suspiros de nostalgia. Saudades dos bons tempos, quando era possível – com mínimo esforço – convencer algum burocrata de plantão dos inúmeros perigos que aguardavam o Brasil na virada de cada esquina do mundo. Uma guia de importação engavetada aqui, um aumento na tarifa acolá, invocações freqüentes à Lei de Sauer, e a vida estava garantida. Este surto nostálgico não ocorre por acaso. À medida que fica claro que, a despeito da apreciação cambial recente, o país manterá saldos elevados em conta corrente, com exportações em alta e demanda doméstica crescendo além dos 5% registrados no ano passado, a noção do “câmbio fora de lugar” fica cada vez mais frágil. Num ambiente como este é natural que a briga comece a passar para outros terrenos.
Um destes terrenos, velho conhecido dos jogadores, é a política comercial. Não é à toa que surjam lamentos acerca da decisão tomada anos atrás de promover uma maior abertura da economia brasileira aos fluxos comerciais. Na impossibilidade de reverter ao protecionismo escancarado (cujo exemplo mais triste foi a fracassada reserva de mercado de informática) começamos a ouvir os pedidos por tarifas de importação mais altas e outras formas de defesa de interesses específicos, devidamente apresentados como “nacionais”, “estratégicos”, ou qualquer outra variante do tema.
Há motivos de sobra para se opor a estas iniciativas, a começar porque tipicamente envolvem transferência de renda de setores menos organizados para os mais organizados, mas hoje quero me dedicar a um tema mais específico. Pretendo tratar dos efeitos do protecionismo sobre a taxa real de câmbio e, consequentemente, sobre o desempenho das exportações. De fato, é possível mostrar que um aumento da proteção implica (tudo o mais constante) apreciação do câmbio real e, consequentemente, pior desempenho das exportações.
Para entender esta proposição (formulada por Abba Lerner em 1936), imagine um país cuja balança esteja em equilíbrio e precise se manter assim, no qual impomos uma tarifa de importação. Isto reduz a importação e gera um saldo positivo na balança; porém, para manter o equilíbrio da balança comercial, a taxa real de câmbio tem que apreciar e, portanto, as exportações também caem. No novo equilíbrio o saldo é o mesmo que se observava anteriormente (por hipótese, zero), mas com volumes de importação e exportação menores que os originais.
Noto, antes que alguém salte sobre o óbvio irrealismo da hipótese de saldo zero, que este resultado pode ser generalizado para qualquer nível de saldo em conta corrente. Em caso de desequilíbrio externo, por exemplo, um saldo menor que o necessário, a imposição de uma tarifa de importação reduz a magnitude da desvalorização cambial que recolocaria as contas externas em equilíbrio, o qual será atingido com volumes de importação e exportação menores do que na ausência da tarifa. Por simetria, no caso de um saldo em conta corrente superior ao sustentável a introdução da tarifa levaria a uma apreciação cambial maior que a necessária, mais uma vez se traduzindo em volumes menores de importação e exportação.
O que dizem os dados? De acordo com a Funcex, entre 1977 (início da série) e 1991, quando a economia se abriu, o quantum exportado cresceu 6,6% ao ano, enquanto entre 1991 a 2006 o crescimento médio atingiu 8,5%.
Tal desempenho poderia ter resultado do comportamento distinto do comércio mundial em cada período, mas noto que o crescimento real das exportações brasileiras superou o das mundiais em 1,4% ao ano de 1991 a 2006, tendo sido superado em 1,6% ao ano no período anterior. Estendendo o período pré-abertura até 1957 observamos as exportações mundiais crescendo 1% ao ano à frente das brasileiras até 1991. Em outras palavras, o padrão de crescimento das exportações se conforma exatamente com o que sugeria Lerner, há mais de 70 anos.
Restam, assim, duas alternativas: ou as propostas de proteção resultam do habitual desconhecimento dos fatos acima, ou apenas fingem desconhecê-los, para de novo vender interesses específicos como sendo de toda sociedade. Em qualquer caso, o melhor é não aceitá-las.
(Publicado 18/Abr/2007)