Há pouco mais de dois
anos tive a alegria de publicar um livro com Fabio Giambiagi. Para quem não o conhece,
Fabio, além de economista de primeira, possui uma das maiores coleções de
citações que conheço. Aliás, minto: entre conhecidos é, disparado, a maior.
Uma delas, devidamente
reproduzida em nosso livro, traz a seguinte afirmação de conhecido jornalista, referindo-se
ao gasto público: “desde o governo de Fernando
Henrique Cardoso, só fazemos cortar, cortar, cortar”. Declaração curiosa,
pois apenas no caso do governo federal, a despesa (sem contar transferências a
estados e municípios) saltou de 11% do PIB em 1991 para quase 20% do PIB em
2015. De alguma forma, mesmo entre pessoas que deveriam ser bem informadas, o
aumento do gasto continua a ser um ilustre desconhecido.
Se isto ocorre entre os
supostos especialistas, o que esperar dos amadores nada bem intencionados que
pululam por aqui, como na coluna de Benjamin Steinbruch publicada no dia 6/9?
Juras de lealdade à “austeridade fiscal e contenção da
dívida pública”,
mas (e o que importa é sempre o que vem depois do “mas”) também o alerta sobre
a necessidade de “virar o disco”, fazendo “investimentos em infraestrutura
(...) com recursos do próprio governo”. E como financiar a mágica? Com mais
mágica, pois “é possível reduzir gastos correntes
e aumentar investimentos, o que trará novas receitas fiscais”.
Este é um dos melhores
exemplos da parapsicologia aplicada à economia: a ideia de uma elevação
autofinanciável do gasto, segundo a qual o impulso à atividade econômica
proveniente da despesa pública seria tão grande que levaria a aumento da
arrecadação ainda maior que o gasto inicial.
Há, é bom que se diga,
fortes razões teóricas para suspeitar que se trata de uma atrocidade
inominável, mas não precisamos nos prender à teoria. Basta notar que, se isto
fosse verdade, não haveria no mundo país em dificuldades financeiras. Bastaria
gastar para que a arrecadação subisse ainda mais, reduzindo déficits e dívidas.
E tudo isto satisfazendo todas as demandas da população e partidos políticos.
Um verdadeiro moto perpétuo,
impedido apenas pelas ideias antiquadas de uns tantos economistas que insistem
em rotular esta descoberta de bruxaria de péssima qualidade, sem intenção, é
bom dizer, de ofender bruxas de qualquer procedência...
Não é necessário ir
muito longe para entender os problemas associados à proposta. Apenas a
perspectiva de ajuste fiscal (e não muito mais que a perspectiva, para ser
sincero) foi suficiente para reduzir taxas reais
de juros, em particular para os prazos mais longos, de 1,0 a 1,5% ao ano do
começo do ano para cá.
Este movimento não ocorreu
por acaso, mas refletiu a redução da percepção de risco-país (pouco mais de
dois pontos percentuais no período), em grande parte associada exatamente às expectativas de melhora do desempenho
fiscal por parte do novo governo.
O abandono da promessa
de ajuste provavelmente reverteria estes ganhos, reduzindo as chances de uma
recuperação da atividade econômica. Neste sentido, se há uma ideia especialmente
cretina trata-se da proposta de relaxar um programa de austeridade fiscal
sequer iniciado.
Realmente, “são espantosas as coisas tolas em
que se pode acreditar temporariamente quando se pensa sozinho durante muito
tempo”.
(Publicado 14/Set/2016)