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terça-feira, 28 de junho de 2016

Calamidades

O governador em exercício do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, decretou estado de calamidade pública no estado. Normalmente isto ocorre em face de um desastre de grandes proporções e, sinceramente, não há outra forma de descrever a gestão fiscal do Rio de Janeiro.

Segundo os dados divulgados pelo Tesouro Nacional acerca das finanças estaduais, enquanto o conjunto dos demais estados registrou (a preços de 2015) superávit primário pouco inferior a R$ 26 bilhões entre 2012 e 2015, o Rio de Janeiro apresentou déficit de R$ 6,8 bilhões. No ano passado o déficit fluminense atingiu R$ 3,6 bilhões (equivalente a 6% de sua receita bruta); já os demais estados da federação conseguiram gerar superávit de R$ 10 bilhões (cerca de 1% de sua receita bruta).

Esta diferença de desempenho não pode ser atribuída à receita, que cresceu de forma semelhante no Rio (0,6% aa além da inflação) e nos demais estados (0,7% aa), mas sim à evolução das despesas. Entre 2012 e 2015 as despesas no estado aumentaram 4% aa acima da inflação; nos demais estados o crescimento atingiu menos da metade (1,7% aa).

Note-se que não foram os investimentos (presumivelmente associados aos Jogos Olímpicos, embora estes sejam de responsabilidade municipal) que causaram este estrago, pois encolheram no período. Por outro lado, a despesa com pessoal no Rio aumentou ao ritmo de 7% aa acima da inflação contra 3% aa nos demais. Isto explica quase a totalidade do aumento dos gastos não financeiros do estado.

Resumindo, o desastre fiscal, agora batizado de calamidade pública, não caiu do céu. Em que pesem perdas de receitas mais significativas em 2016, a verdade é que o Rio gastou nos anos anteriores sem maiores preocupações com que isto viesse a ocorrer, aumentando despesas principalmente onde a rigidez orçamentária é maior. Não há outro culpado que não o governo do estado pela penúria que hoje sofre.

Isto dito, embora o Rio de Janeiro seja um caso patológico (seguido de perto por outros, como Rio Grande do Sul e Bahia), há sinais preocupantes vindos das finanças estaduais tomadas em conjunto.

O governo federal permitiu que estados se endividassem, supostamente para investir, mas, na prática, a falta de controle permitiu o gasto crescente com pessoal.

De fato, sua folha de pagamentos não para de aumentar, atingindo R$ 321 bilhões (60% da despesa) no ano passado contra R$ 289 bilhões (57% da despesa) em 2012, ou seja, a trajetória dos gastos com pessoal ameaça se tornar insustentável, reduzindo o já diminuto espaço para investimentos. Além disto, como notado acima, o aumento do peso da folha no total das despesas torna o orçamento cada vez mais difícil de manejar, em particular nos períodos recessivos.

Estados agora conseguiram moratória de suas dívidas para com a União, alegando que se tornaram impagáveis. Não é verdade: a dívida com a União caiu de 13% do PIB no começo de 2003 para 8% do PIB hoje; impagável é uma trajetória de gastos sem controle.


No ajuste fiscal de 1998-2000 (R$ 110 bilhões a preços de hoje), estados responderam por um quinto do total. Hoje, porém, com a capitulação do governo federal vão atuar no sentido inverso, provavelmente ampliando seus gastos em R$ 50 bilhões nos próximos 18 meses, aí sim uma verdadeira calamidade.

50 bilhões em ação


(Publicado 22/Jun/2016)

terça-feira, 21 de junho de 2016

O Huno

Cheguei a crer que havíamos conseguido criar regras impessoais que reduziriam em muito a dependência de indivíduos excepcionais para conduzir os temas básicos da gestão econômica. A Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, deveria fazer com que qualquer ministro da Fazenda tivesse que se comportar de maneira rigorosa no trato com as finanças públicas, independemente de suas crenças (até certo ponto, ao menos).

Os acontecimentos dos últimos seis ou sete anos me fizeram mudar de ideia. Na verdade, mais até do que o péssimo desempenho da economia, me preocupa, e muito, o grau de destruição institucional no período. Olho em volta e só vejo terra arrasada.

Numa nota pessoal, por conta do privilégio que tive por trabalhar na instituição, me entristece em particular a deterioração do papel do Banco Central.

Sob a “direção” de Alexandre Pombini houve piora visível do BC, não só no desempenho, mas principalmente na postura. Mesmo antes do salto em 2015, quando o IPCA atingiu 10,7% (para uma meta de 4,5%), o desempenho no que diz respeito ao controle inflacionário foi lamentável. Entre 2011 e 2014 a inflação atingiu 6,2% ao ano, pouco abaixo do limite máximo de tolerância, apesar do controle dos preços administrados, cuja variação ficou apenas em 4,1% ao ano no período.

O BC também se beneficiou da alteração nos pesos do IPCA após 2011: caso a ponderação que valia até aquele momento tivesse sido mantida, a inflação média teria sido 6,5%, ultrapassando o teto tanto em 2012 quanto em 2014.

Comparado, portanto, em bases congruentes com as de seus predecessores, Pombini não apenas jamais entregou a inflação na meta, mas também estourou seu limite superior ao menos quatro vezes, colocando em sua conta, por mérito, o fiasco de 2016, apesar de suas promessas de convergência ainda este ano feitas até setembro do ano passado.

Assim, coube-lhe também a duvidosa honra de ser o primeiro presidente do BC sob o regime de metas que deixa a seu sucessor taxas de juros mais elevadas do que herdou. Seu afã em obedecer ao voluntarismo do governo para a queda da taxa de juros, enquanto fingia ignorar a piora fiscal, teve como consequência exatamente o oposto da intenção original.

Quando era mais novo conseguia ainda acreditar no efeito pedagógico destas experiências; hoje sei que é questão de tempo até que outro iluminado resolva tentar o mesmo, na vã ilusão que em sua vez o resultado seja diferente.

Isto dito, se há algo que podemos aprender da “gestão” de Pombini à frente do BC é que a postura submissa da autoridade monetária face aos governantes de plantão não traz crescimento maior; ao contrário, resulta em inflação mais alta e, eventualmente, por conta do descontrole inflacionário, expansão menor do produto do que teria sido possível sob inflação baixa.

Nada, diga-se, que a literatura a respeito já não alertasse, mas parece que há ainda quem queira testar a lei da gravidade pulando de uma janela, no caso do 22º andar do Banco Central.


Cabe agora a Ilan Goldfajn a imensa tarefa conjunta de recuperar a credibilidade institucional do BC e trazer a inflação de volta à meta. Não há de ser fácil, frente ao estrago cometido por seu antecessor, mas desejo, como brasileiro, bem como amigo, que tenha sucesso neste desafio.


Onde ele come não nasce grama


(Publicado 15/Jun/2016)

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Teto de pedra

Retomando o tema do teto para as despesas federais, principal sugestão de política econômica do atual governo, não é difícil entender a motivação para a proposta. Como notado por muitos, mas esplendidamente detalhado por Marcos Lisboa e Samuel Pessoa em contribuição recente, os gastos têm crescido 6% ao ano acima da inflação nos últimos 25 anos, o dobro do crescimento do PIB no período.

Qualquer pessoa com um mínimo de formação em aritmética (o que exclui, óbvio, todos keynesianos de quermesse) consegue compreender que isto é insustentável. Enquanto a carga tributária cresceu, seja pelo aumento de impostos, seja pela maior formalização da economia, foi possível fingir que o problema não existia (“despesa corrente é vida”, proclamava a ministra da Casa Civil em 2005), apesar dos alertas em contrário. A partir de 2011, porém, a realidade se impôs.

O teto para as despesas (à parte os problemas apontados em minha última coluna) implicaria reversão desta trajetória. Desde que a economia cresça, as despesas se reduziriam face ao PIB, enquanto receitas se expandiriam mais ou menos em linha com este, levando à recuperação das contas públicas ao longo do tempo.

Uma conta simples mostra que, mesmo com crescimento de 2% ao ano, ritmo nada impressionante, ao fim de 4-5 anos as despesas encolheriam algo como 2% do PIB. Caso a economia se expanda 3% ao ano, a queda se tornaria um tanto mais expressiva, da ordem de 2,5% do PIB no mesmo horizonte. Seria, face ao desastre recente, um desenvolvimento para ser saudado de pé, com hino nacional, hasteamento de bandeira e, se possível, fogos de artifício.

Isto dito (e sou, claro, favorável à medida), me questiono se seria também o caso de inscrever o teto de despesas na Constituição. Sei bem que, do ponto de vista jurídico, não há alternativa: se fosse criado, por exemplo, por lei ordinária (ou mesmo complementar) este mecanismo não teria força para se contrapor à expansão persistente do gasto, decorrente do texto constitucional.

No entanto, seguimos no sentido de tornar nossas regras cada vez mais rígidas. Ao invés de dar mais graus de liberdade à política econômica, trocaríamos uma camisa-de-força, que eu acredito problemática, por outra, que julgo acertada, mas, de todo modo, camisas-de-força em ambos os casos.

Há, é bom dizer, situações em que camisas-de-força são a melhor alternativa (e não me refiro apenas ao tratamento reservado aos expoentes do keynesianismo de quermesse). Talvez nas atuais circunstâncias seja mesmo o mais apropriado a fazer, mas será que continuaria adequado, digamos, 10 anos à frente?

Grande parte de nossos problemas fiscais decorre precisamente de talhar em pedra regras com base numa visão míope de questões pertinentes num certo momento, mas que deixariam de sê-lo depois. Prioridades em 1988, quando mais de um terço da população tinha menos do que 14 anos e apenas 2% mais do que 70 são diferentes de agora, quando os menores de 14 representam menos de um quarto da população e a proporção de idosos dobrou para 4%.


Hoje a solução pragmática é o teto constitucional, mas algo me diz que, se adotado, teremos que voltar ao tema num futuro não tão distante. A remoção de todas as vinculações da Constituição deveria ser a nova prioridade.


Really?


(Publicado 8/jun/2016)

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Teto de vidro

Até agora a principal diretriz anunciada pela equipe econômica é a ideia de um teto para as despesas federais, corrigido pela inflação passada. A mecânica da proposta é simples: o valor do PIB aumenta de acordo com a inflação e com o crescimento real do produto; assim, desde que o segundo componente seja positivo, o teto das despesas cairia relativamente ao PIB.

Em particular, caso os números da Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada na semana passada estejam corretos, as despesas atingiriam R$ 1,2 trilhão este ano (18,7% do PIB), enquanto as receitas, líquidas de transferências a estados e municípios, se limitariam a 16% do PIB, ou seja, um déficit primário equivalente a 2,7% do PIB.

Neste caso, segue o raciocínio, se o PIB crescer a uma média de, digamos, 2% ao ano, mesmo mantendo a receita líquida na casa de 16% do PIB, em 2020 o governo federal voltaria a produzir um modesto superávit. Já se a receita líquida retornasse ao patamar de 17,5-18,0% do PIB dos últimos anos, seria possível gerar superávits ainda em 2018.

No entanto, como deve ter ficado claro na construção do parágrafo anterior, há um bocado de “ses” amparando esta conclusão, alguns deles explícitos (“se o PIB crescer x%”; “se a arrecadação se recuperar”); outros implícitos.

Nesta última categoria se enquadra a correção do teto de despesas pela inflação passada. De fato, num cenário de inflação mais ou menos constante (talvez válido no longo prazo) podemos tomar como verdadeiro o raciocínio acima, mas, caso busquemos uma inflação em queda ao longo dos próximos anos, teremos um problema não contemplado pela proposta governamental.

Imagine, por exemplo, que as previsões de inflação para este ano (7,1% segundo a pesquisa Focus) e para o próximo (5,5%) se concretizem. Isto significaria que em 2017 o teto seria reajustado em 7,1%, mas a inflação seria apenas 5,5%, ou seja, as despesas teriam autorização para crescer 1,5% acima da inflação. O mesmo fenômeno se repetiria (em menor escala) em 2018, caso a previsão do Focus (5,0%) se verifique.

Considerando ademais que o crescimento deverá ser baixo em 2017 (o consenso é 0,5%), o teto de despesas provavelmente aumentaria mais que o PIB no ano que vem.

Posto de outra forma, ainda que esta sistemática possa ajudar a conter as despesas ao longo de vários anos, nos próximos dois, precisamente quando mais necessário, sua eficácia seria bastante reduzida caso a inflação retorne, mesmo gradualmente, à meta.

Idealmente, portanto, o teto não deveria ser reajustado pela inflação do ano anterior, mas do próprio ano, que, inconvenientemente, insiste em se manter desconhecida até o início do período seguinte. Na prática, portanto, o reajuste deveria seguir a previsão de inflação para o ano. Mas qual?

Acredito que esta tarefa deveria recair sobre as projeções já preparadas pelo BC em seus Relatórios de Inflação.

O BC não teria incentivo para produzir estimativas exageradas (que elevariam gastos), pois teriam efeitos nefastos sobre expectativas de inflação. Já se forem subestimadas (como normalmente são), sua própria correção ao longo do ano poderá atualizar o reajuste, evitando maiores distorções.


O tema ainda merece outros comentários, que, por falta de espaço, ficam para as próximas semanas.




(Publicado 1/Jun/2016)

terça-feira, 7 de junho de 2016

Boquinha finit...