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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Sobre ovos e galinhas

Sou repetitivo. Há, confesso, temas que recorrem neste espaço bem mais que gostaria, mas, mesmo admitindo minhas obsessões, o problema maior é com o país, que insiste em ser ainda mais repetitivo do que eu.

Vejam agora o pleito de governadores por mais uma rodada de renegociação de suas dívidas junto à União. Desde que o governo federal assumiu as dívidas estaduais, na segunda metade dos anos 90, governadores (e também prefeitos) vêm brigando para não pagar o que devem. O que ocorre agora não é diferente, exceto que, desta vez, parece que irão vencer, com consequências potencialmente desastrosas para as finanças públicas.

A narrativa é conhecida: como as dívidas junto ao governo federal são tipicamente indexadas ao IGP, pagando ainda uma taxa de juros elevada, governadores reclamam que se tornaram impagáveis, em geral comparando a dívida anos atrás com a atual. Por exemplo, o conjunto das dívidas interna e externa dos estados atingia R$ 216 bilhões em dezembro de 2001; já em dezembro de 2015 este valor havia subido para R$ 646 bilhões, praticamente 3 vezes maior do que em 2001 e, portanto, impagável.

Ou não. Quem costuma apresentar os números desta forma espertamente deixa de mencionar que o PIB e as receitas estaduais cresceram no período, pela força combinada da inflação e da expansão real da atividade econômica. O PIB nominal (sem a correção pela inflação) aumentou 4,5 vezes, praticamente a mesma magnitude de crescimento das receitas, seja pelo lado da arrecadação, seja pelas transferências federais.

Assim a dívida estadual – que era equivalente a 15,5% do PIB em 2001 – caiu para 11% do PIB em 2015. Da mesma forma, a dívida equivalia a 1,5 ano de receitas em 2001, caindo para 1 ano em 2015.

Isto dito, a comparação acima (2015 contra 2001) não captura a piora observada a partir de meados de 2014, quando a dívida estadual saiu de 9% do PIB para os atuais 11% do PIB. O notável, porém, é que este aumento não resultou das dívidas reestruturadas nos anos 90, isto é, do que é devido ao governo federal, mas principalmente de outras duas modalidades: a dívida junto a bancos locais (+0,6% do PIB) e dívida externa (+1,0%), esta última em parte impulsionada pela valorização do dólar no período.

Posto de outra forma, o aumento observado nos últimos 18 meses não parece ter resultado das regras associadas à dívida junto ao governo federal, mas pela assunção de novas dívidas, devidamente autorizadas pelos (ir)responsáveis de plantão.

Embora, ao menos em tese, estados possam ter incorrido em novas dívidas para pagar a União, na prática este pagamento manteve-se constante como proporção da receita líquida dos estados, sugerindo que o endividamento adicional ocorreu por outros motivos, a saber, gastos mais altos, em especial associados ao funcionalismo. Em alguns casos as perspectivas de receitas mais elevadas, por exemplo, royalties da exploração de petróleo, induziram governadores a gastar por conta, contando com o proverbial ovo já na galinha.


Apesar do comportamento gastão, o governo federal agora acena com a possibilidade de novamente, resgatar os pródigos, gerando incentivos para mais irresponsabilidade à frente. E mais uma coluna apontando os erros desta postura...




(Publicado 17/Fev/2016)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Para tudo se acabar na quarta-feira

À folia do Carnaval se segue a Quaresma, período de penitência que se inicia hoje, na Quarta-feira de Cinzas. À folia da Nova Matriz Macroeconômica se segue o que promete ser a pior recessão brasileira desde que passamos a compilar os dados de produção nacional, há quase 70 anos.

Após queda do PIB da ordem de 3,5-4,0% no ano passado, as projeções indicam nova contração de magnitude semelhante em 2016, sem perspectivas, porém, de uma recuperação rápida como em outros episódios. A presidente pode ter a duvidosa honra de ser o primeiro dirigente do país a entregá-lo ao sucessor menor do que era quando assumiu o governo.

É tentador estender a analogia, ainda que isto requeira trazer a análise mais próximo do campo moral do que economistas normalmente se sentem confortáveis. A crise é punição pelos nossos pecados e a penitência uma condição necessária para a retomada à frente?

Muito embora não tenha grande apreço pela noção de “pecado”, é difícil escapar da conclusão óbvia: muito (não tudo) do que enfrentamos hoje é consequência direta das escolhas equivocadas da política econômica que passou a vigorar no país a partir de 2009 e, com muito mais força, desde 2011.

Pelo lado macro, o descaso com a inflação, o aumento sem precedentes do gasto e as intervenções constantes no mercado de câmbio criaram enormes desequilíbrios: inflação elevada, apesar de controles de preços (preço do dólar incluso), dívida pública crescente e um déficit superior a U$ 100 bilhões nas contas externas. Ainda que keynesianos de quermesse insistam que tal política poderia (e deveria!) ser mantida, é mais que claro que a persistência nesta rota nos levaria a uma crise ainda maior do que a que passamos hoje.

Do lado micro o desastre não foi menor. A intervenção desregrada – das medidas de fechamento do país à competição internacional até a escolha de “campeões nacionais” baseada em critérios nebulosos, para dizer o mínimo – implicou redução severa do ritmo de crescimento da produtividade, a devastação de alguns setores importantes (como o sucroalcooleiro, petróleo e energia), e criou um forte estímulo à busca de favores governamentais, fenômeno extraordinariamente batizado de “sociedade de meia-entrada”, cujos impactos sobre o crescimento são notoriamente negativos.

Neste sentido, sim, colhemos o que foi plantado com esmero pelos keynesianos de quermesse, ainda que hoje em dia estes olhem para o lado como se nada tivessem a ver com a política que tanto apoiaram, inclusive durante a eleição de 2014. Se quiserem tirar conclusões morais, sintam-se à vontade.

Isto dito, não há porque imaginar que a penitência (a recessão) haverá de promover necessariamente a redenção.

Não se trata aqui de um problema de “destruição criativa”, ou das dificuldades naturais que enfrenta uma economia em processo de adaptação às mudanças internacionais, mas sim de um país cujo futuro foi hipotecado na forma de promessas impagáveis, das regras previdenciárias aos privilégios de grupos próximos ao poder.


Sem reformas que ataquem estes problemas, a Quaresma há de se estender bem mais do que hoje se imagina. Mais que penitência, precisamos de lideranças que estejam dispostas a mudar o país, senão vai tudo se acabar na quarta-feira.



(Publicado 10/Fev/2016) 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Lendas de uma paixão

Keynesianos de quermesse classificam como “austericídio” a tentativa de controle dos gastos públicos, embora o desempenho de 2015 deixe claro que até mesmo “tentativa” é um termo exagerado para descrever o ocorrido no ano passado.

Reclamam que a austeridade agravaria a recessão, reduzindo a arrecadação e levando a maior desequilíbrio fiscal (tema que, diga-se, jamais os preocupou). Para não perder o hábito, papagueiam ideias desenvolvidas em situações muito distintas das vividas pelo país; ironia suprema para quem se gaba da atenção às “condições históricas”, mas não consegue sequer notar o óbvio.

Há duas políticas para controlar a inflação de forma sustentável: a fiscal, o manejo dos gastos e receitas do setor público; e a monetária, a determinação da taxa de juros pelo Banco Central. Em teoria uma mesma taxa de inflação pode resultar da combinação entre gastos menores e taxas de juros mais baixas, assim como de gastos mais elevados e taxas de juros maiores.

Na prática esta troca entre políticas fiscal e monetária costuma ser mais complicada. Alterações de gastos e tributos são demoradas, pois envolvem aprovação parlamentar e sua adoção demanda tempo (aumentos de impostos, por exemplo, só entram em vigor depois de determinado prazo). Já a fixação da taxa de juros é prerrogativa do Executivo e seus efeitos, mesmo consideradas as defasagens usuais, se materializam mais rápido do que programas de gastos públicos e tributação.

É normal, pois, que taxas de juros variem mais do que o orçamento. Presumindo que a política fiscal não se altere muito durante dado período, cabe à política monetária lidar com o ciclo econômico, contendo pressões inflacionárias em determinados momentos, ou estimulando a atividade em outros.

Sob certas circunstâncias, porém, este arranjo deixa de ser funcional. A política monetária perde força quando a taxa de juros já se encontra muito próxima a zero. Ainda que alguns países tenham experimentado trazê-las a terreno negativo, como o Japão na semana passada, há limites para isto. Investidores podem preferir simplesmente manter seus recursos em caixa, garantindo retorno de zero, baixo, porém superior ao de taxas de juros negativas.

Neste caso torna-se muito mais difícil para bancos centrais compensarem, por meio de juro mais baixo, eventuais apertos do lado da política fiscal. Sim, há a experiência da “expansão quantitativa” (QE), mas as dificuldades são, sem dúvida, bem maiores.

Ocorre que, como alguém já deve ter notado, taxas de juros próximas a zero não são exatamente nosso problema. Há espaço considerável para cortar a taxa de juros caso o país embarque num programa sério de austeridade fiscal que sinalize taxas de inflação cadentes.

Pura teoria? Não.

É raro fazermos experimentos em economia, mas o anúncio do orçamento deficitário para 2016, que provocou salto imediato em expectativas para a inflação até dois anos à frente, chega bem perto disto, revelando que frouxidão fiscal piora as perspectivas inflacionárias e pressiona a taxa de juros. Isto sugere que a consolidação fiscal crível teria efeito oposto, isto é, juros mais baixos e maior crescimento.


Não me surpreendo com a ignorância do governo a respeito; já a dos keynesianos de quermesse me causa ainda menos espanto. 

“Austericídio, austericídio...”

(Publicado 3/Fev/2016)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Pero sin perder la ternura jamás

A decisão de política monetária foi surpreendente e justificada pelo temor da desaceleração da economia global, acerca da qual dirigentes do BC foram alertados em reunião do Banco de Compensações Internacionais (BIS), e cujo efeito mais direto, em sua opinião, seria reduzir a inflação.

Eu me refiro, claro, à reunião do Copom de agosto de 2011, quando o BC, sob a suposição de um “cenário alternativo” (segundo o qual “a deterioração do cenário internacional [causaria] um impacto sobre a economia brasileira equivalente a um quarto do impacto observado durante a crise internacional de 2008/2009”), iniciou um processo de redução da taxa de juros que só cessaria em outubro de 2012, embora expectativas de inflação e as próprias projeções do BC se encontrassem acima da meta.

Não há a menor dúvida que se tratou de um movimento desastroso: a partir daí o BC perdeu de vez a batalha das expectativas, que jamais voltaram a se aproximar da meta de inflação. O tal impacto da crise internacional nunca se materializou e a inflação superou a meta em todos os anos desde então.

Sim, usei um truque retórico barato, mas a verdade é que não há como deixar de notar as semelhanças entre o que ocorreu à época e a decisão da semana passada, em particular o apelo a fenômenos internacionais para justificá-la aos olhos do público, retórica ainda mais mixuruca do que a minha.

Isto dito, além de o BC ter requentado a desculpa de 2011, a forma pela qual o processo se desenrolou foi vexaminosa. Seu presidente, no dia da reunião, ressaltou o rebaixamento das projeções do FMI para o crescimento brasileiro, aparentemente ignorando que o boletim Focus (publicado, a propósito, pelo BC) já mostrava a mesma piora das expectativas sobre o desempenho nacional.

Não bastasse isto, veio em seguida à reunião, por meio de porta-voz não oficial, com mais um pretexto por ter violado o silêncio às vésperas do encontro: seria para “assegurar que todas as opções estivessem na mesa no dia de abertura do Copom”, pois “se não tivesse feito uma sinalização prévia, a repercussão da decisão (...) teria sido ainda mais negativa”. A preocupação comovente com o mercado de renda fixa e seus pobres operadores chega a me enternecer...

Melhor seria, porém, ter se preocupado com outra reação de mercado, já devidamente documentada aqui na Folha: a elevação das expectativas de inflação que se seguiu à decisão do Copom, num eco desconfortável do erro de 2011.

Com efeito, comparando o rendimento dos títulos do Tesouro com e sem proteção contra a inflação, é possível estimar a chamada “inflação implícita”, medida imperfeita, mas rapidamente disponível, das expectativas inflacionárias, com a vantagem de representar apostas em que dinheiro está em jogo, quando preconceitos são deixados de lado frente à possibilidade de ganho e perda.

Assim, entre segunda-feira, antes da “sinalização” do BC e quinta-feira, o dia imediatamente posterior à reunião do Copom, estas medidas subiram em todos os horizontes, mas em particular para os próximos dois a três anos, revelando a piora da percepção quanto à inflação.


A inevitável conclusão é que o BC repetiu o erro de 2011; plagiar a desculpa esfarrapada de 2011 (em que só Delfim Netto acredita) é apenas reflexo da parca imaginação do BC.

Saindo da reunião do BIS

(Publicado 27/Jan/2016)