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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Dr. Bellezza e a inflação

Nos cursos de Introdução à Economia, ali pela quarta aula, ensinamos aos alunos a necessidade de distinguir entre variáveis reais e nominais. Por exemplo, o PIB de um país, medido em sua moeda, pode ter crescido porque a produção de bens e serviços aumentou, ou porque os preços destes subiram, ou, como é mais comum, por uma combinação destas duas coisas. Separar a parcela que se deve à inflação nos permite aferir o que realmente ocorreu com a produção.

No caso do Brasil, o PIB na primeira metade de 2015 alcançou R$ 2,836 trilhões, uns 6% acima do que fora observado no mesmo período do ano passado (R$ 2,677 trilhões). No entanto, como se sabe, uma vez descontada a inflação, o crescimento real do PIB foi negativo, -2,1%, revelando que todo aumento do produto nominal foi uma ilusão de ótica, resultado do aumento dos preços, não da atividade econômica.

Em texto recente, porém, o Dr. Bellezza, um dos conselheiros informais da presidente na montagem da desastrada “nova matriz macroeconômica”, em conjunto com um de seus lacaios, revela ter esquecido as preciosas lições da quarta aula.

Ele reclama que, em minha coluna de 4 de novembro, argumentei que, para saber o efeito da taxa de juros sobre a dívida, teríamos que deduzir o impacto da inflação sobre esta última. O motivo é simples, embora, ao que parece, além da sua capacidade de entendimento. Sorte dele que não me furto à missão civilizatória.

Imaginem dois países iguais, com PIB no valor de $ 100 e uma dívida pública de $ 50, o que, em matemática compreensível até para Dr. Bellezza e asseclas, implica uma relação dívida-PIB de 50%. Para facilitar o cálculo vamos também fazer de conta que não há crescimento real do PIB (a conclusão não muda se alterarmos esta hipótese).

No primeiro país supomos que não haja inflação e que a taxa de juros seja 3%. Assim, depois de um ano, caso o superávit primário seja zero, a dívida chegaria a $ 51,5, por conta da incidência de juros de 1,5 sobre seu valor inicial (3%x50), ou seja, uma relação dívida-PIB de 51,5%.

No segundo país a taxa de juros é 13,3%, mas a inflação é de 10%. Neste caso a incidência de juros sobre a dívida é bem mais alta, $ 6,65 (13,3%x50), levando-a a $ 56,65 no final do período. Contudo, como os preços subiram 10%, o PIB agora vale 110 e a relação dívida-PIB é exatamente 51,5% (56,65÷110), embora juros nominais equivalham a 6% do PIB (6,65÷110).

A variação da razão dívida-PIB, portanto, depende da taxa real de juros (a que desconta o efeito da inflação). Neste aspecto, a medida de déficit operacional (que justamente faz este procedimento) é sempre a mais adequada para explicar a evolução das contas públicas, mesmo quando a inflação é moderada, ao contrário do que afirmam os autores.

Ocorre que, sob esta circunstância, não há muita diferença entre usar os números com ou sem ajuste à alta de preços. Isto dito, só quem não entende do riscado pode argumentar, como Dr. Bellezza e seu cúmplice, que a inflação no Brasil, 9,93% nos últimos 12 meses, seria “moderada”.


Dado seu conhecido desrespeito à aritmética, não me espanta que a incompetência do Dr. Bellezza tenha conseguido mandar o Palmeiras para a Segundona. Difícil é entender como ainda permitem que ele insista em fazer o mesmo com o Brasil.

Dr. Bellezza (e seu lacaio)


(Publicado 18/Nov/2015)

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Look on my works, ye Mighty, and despair!

O gráfico está ordenado pelo aumento da proporção da população que atingiu grau universitário. Por exemplo, pouco menos de 20% da população entre 55-64 anos na Coreia tem nível superior; já entre a população de 25-34 anos esta proporção atingiu quase 70%. Assim o aumento foi de 50 pontos percentuais, o que coloca a Coreia como campeã absoluta neste quesito.

O Brasil aparece na rabeira em termos de elevação da proporção de formados no ensino superior, junto com África do Sul, Israel, Alemanha, Costa Rica e EUA. Notem, porém, que em Israel e nos EUA tanto a geração dos a dos 25-34 já tinham taxas de educação superior na casa de 40-50%. Seguem altas, mas não cresceram muito. A Alemanha se manteve na faixa dos 30%, provavelmente por conta do força do ensino técnico no país.

Já o Brasil tem a terceira menor proporção de jovens com ensino superior, na casa de 15%, melhor apenas que a África do Sul e Indonésia, semelhante à China (que saiu de uma situação bem pior que a nossa).

Mas não somos os mais corruptos do mundo, que bom né?


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Illuminati

Em minha última coluna desmenti um mito comum do que se passa por análise econômica em certos círculos, a saber, que o principal fator impulsionando a piora das contas públicas no país seria a taxa de juros. Como mostrei, uma vez que se considere que o fator relevante para o aumento da dívida relativamente ao PIB é a taxa real de juros (isto é, a taxa de juros deduzida a inflação), não há como concluir que o desarranjo extraordinário das contas do governo resulte desta variável.

A verdade é que a inflação, que atingiu quase 10% nos 12 meses até outubro, contribui para reduzir o valor da dívida. “Desenvolvimentistas” podem se esquecer disto, mas não as pessoas que têm sua poupança corroída por ela.

Parte da inflação decorre do ajuste dos preços administrados, concentrado agora por força dos desequilíbrios que sua contenção causou nos últimos anos, seja sobre as finanças da Petrobras, seja sobre o setor elétrico, para mencionar apenas os efeitos mais notórios desta política irresponsável.

Ainda assim, fica claro que o processo inflacionário está longe de se esgotar nos preços administrados. Mesmo se ignorássemos seu efeito, como defendem alguns, a inflação dos chamados “preços livres” ainda seria 7,7%. Caso desconsiderássemos, além dos administrados, também os preços de alimentos, a inflação alcançaria acima de 7% em 12 meses, batendo inclusive o limite superior para a meta de inflação (6,5%).

Trata-se, portanto, de um problema sério. Embora possa “ajudar” no sentido de reduzir a dívida relativamente ao PIB, duvido que a população – que sente literalmente na carne o efeito da alta persistente e generalizada dos preços – ache que a inflação nos níveis atuais seja algo além de um flagelo, principalmente sua camada mais pobre.

Neste aspecto seria curioso, não fosse imoral, o particular desprezo que os economistas ditos “progressistas” dedicam à questão. Não se vê, em qualquer de suas propostas, nada concreto para lidar com a carestia (exceto se considerarmos seu apoio à política econômica anterior, incluindo sua desastrada tentativa de controle direto dos preços).

Isto parece decorrência do “diagnóstico” dos keynesianos de quermesse acerca das causas da inflação, que atribuem à desvalorização do real face ao dólar, sem, é claro, oferecer nenhuma evidência mais sólida que ampare esta crença.

Ao contrário, a maioria dos que se aventuraram pelo caminho de tentar medir o efeito do dólar sobre os preços domésticos acabam por concluir que são relativamente modestos: a maior parte encontra um efeito da ordem de 0,5% nos preços domésticos para cada 10% de desvalorização da moeda, insuficiente para explicar até mesmo o comportamento dos “preços livres”.

Isto é ainda mais visível quando se nota que, há muitos anos, a inflação brasileira se caracteriza pela elevada inflação de serviços, justamente aqueles para quem os efeitos do dólar são geralmente muito baixos.

Conclui-se disto que, além do diagnóstico equivocado sobre a piora fiscal, os autodenominados “progressistas” não têm muito a dizer também sobre o controle da inflação.


Ainda assim, apesar do estrago que suas políticas causaram nos últimos anos, se acham iluminados, únicos na posse de verdades reveladas acerca da economia nacional.



(Publicado 11/Nov/2015)

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

#prontofalei

Economistas têm dificuldades sérias para acertar previsões, mas se há uma em que tenho plena confiança é que a coluna de hoje deve ultrajar boa parte dos leitores e, com um pouco de sorte, garantir que minha conta de e-mail seja invadida por pessoas absolutamente furiosas. Afirmo que, ao contrário do que se diz, o salto da relação dívida-PIB (de 55% para 66% do PIB nos últimos dois anos) não resulta da taxa de juros, mas da piora das contas primárias.

Neste exato momento qualquer um que tenha lido os jornais recentemente já se convenceu que, se me restava alguma sanidade, deve ter migrado de vez. Afinal de contas o déficit público alcançou R$ 536 bilhões (9,3% do PIB) nos últimos 12 meses, dos quais R$ 511 bilhões (8,9% do PIB) se referem ao pagamento de juros. É por este motivo que se afirma por aí que os juros correspondem a mais de 95% do déficit.

Há, porém, dois erros nesta forma superficial de analisar as contas públicas. O primeiro, mais óbvio, é que nem tudo que entra nesta conta se refere a juros propriamente ditos. Incluem-se nela as perdas derivadas da intervenção do BC no mercado de câmbio futuro, que atingiram R$ 132 bilhões nos 12 meses até setembro, representando algo como 2,3% do PIB no período.

O pagamento de juros propriamente dito alcançou assim R$ 379 bilhões (6,6% do PIB), ainda uma conta aparentemente salgada, mas muito menos do que este número sugere.

Para entender isto imaginem um país cujo governo deva $ 100 a juros de 10%, mas com a inflação também em 10%. No fim do ano, o governo faz um pagamento de $ 10, montante que serve apenas para repor o valor da dívida “erodido” pela inflação. Seus detentores têm agora $ 110, cujo poder de compra, porém, é o mesmo de $ 100 no início do ano.

Posto de outra forma, o que faz subir o valor real da dívida é a parcela dos juros que ultrapassa a inflação. Caso a taxa de juros fosse 11%, a dívida no final do ano seria R$ 111, cujo poder de compra equivaleria a R$ 100,90 no começo do ano, ou seja, o juro real (acima da inflação) sobre a dívida foi 0,9%.

Aplicando este mesmo raciocínio à dívida do setor público brasileiro, isto é, deduzindo do pagamento de juros a parcela referente à perda de valor da moeda devida à inflação, estimamos que a conta real de juros teria chegado a R$ 70 bilhões nos últimos 12 meses, ou seja, 1,2% do PIB, muito inferior aos 6,6% do PIB acima mencionados.

Não há nada de revolucionário em tal procedimento. Há alguns anos o próprio BC calculava esta medida, o chamado “resultado operacional”, que estimava justamente o desempenho fiscal do governo livre das influências da inflação e das variações do dólar.

Com base nos dados oficiais estimamos que o resultado operacional, praticamente equilibrado até 2013, consistente com a queda da relação dívida-PIB, tornou-se deficitário em pouco mais de 2% do PIB desde então (ainda maior se incluirmos as “pedaladas”). Não devido ao pagamento de juros reais, que pouco se alteraram de lá para cá, mas pela piora do resultado primário.


Para resolver o problema fiscal precisamos entendê-lo, o que requer livrar-se dos preconceitos e encarar o que dizem os números. Contudo, com tanta gente papagueando que “juros correspondem a 95% do déficit” a solução nunca pareceu tão distante.



(Publicado 4/Nov/2015)

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Devotos de São Nunca

Pior que a comunicação do Banco Central do Brasil, apenas sua gestão de política monetária. No dia 23 de dezembro de 2014, quando divulgou o último Relatório Trimestral de Inflação (RTI) daquele ano, o BC, contrariando sua mensagem inicial de “parcimônia” no “esforço adicional de política monetária”, afirmou que iria “fazer o necessário para que [em 2015] a inflação [entrasse] em longo período de declínio, que a [levaria] à meta de 4,5% em 2016”.

A partir de então o BC, seja por meio de sua comunicação oficial (RTI e atas), seja através dos pronunciamentos dos membros de sua diretoria, comprometeu-se a trazer a inflação de volta a 4,5% em 2016. Em particular, o diretor Tony Volpon, assegurou que votaria “pelo aumento de juros até que nossa projeção de inflação esteja de maneira satisfatória apontando para o centro da meta”.

A frase, é bem verdade, lhe custou a participação na reunião do Copom em julho, por haver supostamente antecipado seu voto, mas seu conteúdo jamais foi contestado pelos demais membros do comitê. Pelo contrário, a partir daquela reunião o BC passou a enfatizar que a “manutenção da [Selic], por período de tempo suficientemente prolongado, [seria] necessária para a convergência da inflação para a meta no final de 2016”, sugerindo que sua mensagem acerca do retorno da inflação para 4,5% deveria ser levada a sério.

Como já deve ter ficado claro ao longo das minhas colunas, jamais cometi o pecado de levar a sério as afirmações do BC, em linha com a imensa maioria dos colegas de profissão que, mesmo em face das inúmeras promessas, nunca trouxe as projeções de inflação para o ano que vem abaixo de 5,4%.

A razão para isto me parece simples: até em circunstâncias menos graves do que a atual o BC repetidamente falhou em sua tarefa, revelando uma fraqueza intrínseca; se técnica, política, ou de caráter (ou todas simultaneamente) é ainda matéria de debate, mas dúvida não resta que esta diretoria se mostrou incapaz de fazer o que todas as demais em alguma medida haviam conseguido.

E seu comportamento recente revela os mesmos erros do passado. No RTI divulgado em setembro o próprio BC previa que a inflação de 2016 deveria ficar em 5,3%, mesmo se mantivesse constante a taxa de juros, o que mostrava a insuficiência de sua política, em flagrante contradição com a promessa da convergência da inflação para a meta no ano que vem.

Ao invés de corrigir este problema pelo ajuste da política monetária, porém, o BC adotou a linha da presidente: não vai dizer qual é a meta e, quando lá chegar, há de dobrá-la.

Não pode ser outra interpretação da mudança de seu comunicado: ao invés de prometer a inflação na meta em 2016, o compromisso agora é que a convergência se dará no “horizonte relevante para a política monetária”, sem, é claro, especificar que prazo é este, embora eu acredite que, na prática, isto signifique algo entre “fiado só amanhã” e o “dia de São Nunca”.


E, se o BC crê, como parece, que a extensão do prazo de convergência tornará seu serviço mais leve, sugiro que monitorem as expectativas de inflação para 2016 e 2017, novamente em alta em resposta à sua postura mais frouxa. Conversa fiada, sem ação, só empurra mais acima um alvo que compreensivelmente se recusa a ficar parado.

O padroeiro das causas procrastinadas


(Publicado 28/Out/2015)