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terça-feira, 29 de maio de 2012

Anais da idiocracia: Economia & Sociedade + Professor Oreiro = Humor involuntário

[esse texto foi expandido desde a primeira vez que o postei] 

A revista Economia & Sociedade, do departamento de economia da Unicamp, é notória por ser um pasquim exibir uma grande variabilidade na qualidade dos artigos publicados.

O professor Oreiro é notório por escrever baciadas de artigos, muitos dos quais de qualidade duvidosa e com co-autores de terceira. Este blogueiro se diverte catando os erros que saem da manufatura de artigos do professor Oreiro

O que pode acontecer então quando um artigo do professor passa pelo crivo do "processo editorial" da Economia & Sociedade?

Essa berzegona aqui:



Vejam só: os autores entitularam o gráfico acima “Relação entre a conta corrente/PIB e taxas de crescimento para países selecionados – 1990”.

Pois bem, exceto que o gráfico mostra presumivelmente a conta corrente/PIB e outra variável, não a taxa de crescimento – aposto que esta é a renda per capita em logs.

Foi apenas um erro no título do gráfico? Quem me dera!

Os dois trapalhões escreveram também: “a Figura 1 apresenta para alguns países de renda média um scatter-plot com a conta corrente como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) no eixo vertical e as taxas de crescimento do PIB no eixo horizontal.” – o que me faz ainda mais confuso, porque a variável no eixo horizontal aparentemente é a conta corrente/PIB.

Note bem: este não é um texto para discussão ou rascunho, mas um artigo publicado em uma revista acadêmica.

Se lhe parece que estamos vivendo em uma idiocracia, você está correto.

E não esqueçamos:

(1) esse trabalho nas coxas foi financiado pelo CNPq;

(2) o nome do editor da Economia & Sociedade é André Martins Biancareli. Na melhor das hipóteses, ele delegou para um co-editor que aprovou o artigo sem ler. E' possivel que o Biancareli tenha se tornado editor da revista depois que este artigo foi aceito (gostaria muito de saber quem foi o palhaço que estava encarregado de vetar e editar esse artigo). Mas mesmo assim, é sua responsabilidade como editor zelar pelo nome e reputação da revista e do departamento de economia da Unicamp,  é sua culpa que a revista Economia & Sociedade e o departamento de economia da Unicamp são motivo de piada na blogosfera.

(3) Professor Oreiro: leia aquilo que escreveu antes de publicar!

A sucessão no IPEA


O Correio Brasiliense tem uma matéria sobre a sucessão no IPEA. O atual presidente, o palhaço Poquimão, vai ser o candidato do PT à prefeitura de Campinas (sério, isso não é uma piada).

Segundo a matéria, existem quatro candidatos. A candidata do palhaço Poquimão é uma Vanessa Petrelli Corrêa, uma desconhecida autora da escola nihilista de economia (aquela que não produz nada)... Como não podia deixar de ser, tendo sido apontada pelo palhaço Poquimão, seu currículo é patético, uma verdadeira nulidade, mas para o bem do IPEA e do Brasil, a matéria diz que essa candidata teria sido descartada pela presidenta.

O candidato do ministro Moreira Franco é o secretário de Ações Estratégicas da SAE, Ricardo Paes de Barros (o PB), com longa carreira no IPEA, extensa lista de publicações e o respeito da profissão. Ele certamente teria meu voto e sua escolha para a presidência do IPEA mandaria um sinal que o governo brasileiro rejeita a idiocracia.

Mas a parte mais engraçada e doidivanas da reportagem é que a jornalista do Correio Brasiliense acha que o Professor José Luis Oreiro seria um candidato viável para o IPEA. Bem, este é o país de Nelson Barbosa e Márcio Holland... 

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Europa: entre querer e poder


Fui mais de uma vez perguntado, no contexto da atual crise europeia, se – dada a profunda recessão enfrentada pela periferia da Zona do Euro – não seria o caso destes países buscarem alguma forma de incentivo ao crescimento como, por exemplo, os programas adotados na esteira da crise financeira de 2008/09, caracterizados por forte expansão fiscal. Minha resposta tem sido invariavelmente a seguinte: “expansão fiscal é para quem pode, não para quem quer; mas quem pode não quer”.

Já me explico. Obviamente, para países como a Espanha, Irlanda e mesmo Itália e Portugal, um aumento do gasto público poderia, tudo o mais constante (atentem para esta cláusula), reativar a economia e reduzir a taxa de desemprego. O único senão é que as demais variáveis têm o péssimo hábito de não se manter constantes ao longo do processo, complicando o problema um bocado.

Na prática, todos os países acima têm encontrado dificuldade na obtenção de recursos para financiar seus níveis atuais de gasto (ou, mais precisamente, dos seus gastos em excesso às suas receitas). Enquanto escrevo esta coluna a Itália precisa pagar um prêmio de risco algo superior a 5% ao ano para convencer investidores a comprarem seus títulos, enquanto custa à Espanha ainda um pouco mais caro (5,5% ao ano) para vender os seus. Assim, caso resolvessem ampliar seus gastos enfrentariam complicações adicionais para persuadir poupadores a adquirir seus papéis, sendo obrigadas a pagar prêmios ainda maiores.

Todavia, como a taxa de juros dos empréstimos ao governo é geralmente também a menor taxa de juros do país, os efeitos da expansão dos gastos acaba por levar ao encarecimento do crédito, na prática desfazendo, pela via monetária, o potencial impulso que viria pelo lado fiscal. Há, é verdade, quem argumente que o crescimento da economia resultante do aumento de gastos geraria a receita tributária necessária para financiar tal aumento, mas qualquer economista que dedicar cinco minutos de sua vida à álgebra verificará que se trata de impossibilidade matemática.

Não se trata de maldição genérica. Há países (Alemanha, Reino Unido, EUA) que, mesmo fora da melhor forma fiscal, têm conseguido obter recursos a taxas de juros muito baixas. A taxa de juros real (deduzida a inflação) nos títulos de 10 anos dos EUA é negativa (algo como -0,5% ao ano); já a taxa para 10 anos (sem descontar a inflação) no Reino Unido e na Alemanha é, respectivamente, pouco inferior a 2% ao ano e 1,5% ao ano, menores, portanto, do que a inflação esperada. Posto de outra forma, em 10 anos estes países poderão devolver a seus credores menos do que lhes foi emprestado.

Não há milagre, apenas a percepção que tais governos, ao contrário daqueles da periferia do euro, não apresentam risco de calote e que, portanto, podem, em alguma medida, elevar seus gastos sem que isso comprometa, pela elevação da taxa de juros, a recuperação da demanda privada.

Do ponto de vista da Europa, pois, se há alguém que possa efetivamente auxiliar na recuperação econômica da periferia (ainda mais levando em conta a profunda integração comercial entre esses países), trata-se da Alemanha.

Isto dito, se declarações mais recentes de autoridades alemãs parecem finalmente demonstrar a percepção que qualquer solução para a crise europeia passa pela aceleração da demanda interna nesse país (por exemplo, a defesa de aumentos salariais pelo Ministro Wolfgang Schäuble e mesmo aceitação de uma taxa de inflação algo acima da média da Zona do Euro), ainda estamos longe de ver políticas consistentes no sentido de restaurar as condições de crescimento da periferia.

A hora da verdade para o euro está se aproximando, mas o mundo político ainda não parece ter se dado conta do que está em jogo. Sem uma política fiscal europeia não há como sustentar o sonho da unidade monetária.

Alguém terá que sustentar o sonho


(Publicado 23/Mai/2012)

terça-feira, 22 de maio de 2012

Telinha de novo

Minha participação na matéria do Jornal Nacional ontem.

sábado, 12 de maio de 2012

Na telinha

Hoje, sábado (12/maio), estarei no Painel da GloboNews. Tema: crise europeia, com a presença de ninguém menos do que Celso Lafer. Quando der, posto também o link para o vídeo.

P.S.

Os links para o programa:

Parte 1 de 2

Parte 2 de 2

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Dilema


Leitor voraz de jornais, me deparei há uns dias com a declaração de uma figura do alto escalão econômico do país comemorando a queda do preço das commodities, que, segundo ele, abriria espaço para a redução adicional da taxa de juros. Achei curiosa a celebração, pois, sendo o país um produtor e exportador de commodities, certa dose de masoquismo parece ser necessária para entender tamanha satisfação.

Com efeito, qualquer um que tenha acompanhado o desempenho econômico do Brasil nos últimos anos deveria ter em mente o papel central que a elevação do preço internacional das commodities desempenhou de 2001 para cá.

Entre 2001 e 2011 os preços de commodities em dólares (medidos pelo índice CRB) aumentaram 77%, já descontada a inflação (medida pelos preços ao produtor nos EUA). Não por acaso, os preços médios das exportações brasileiras cresceram 86% acima da inflação no mesmo período, superando amplamente a elevação dos preços de produtos importados (38%).

Assim, cada unidade exportada pelo Brasil em 2011 podia comprar 34% a mais do que em 2001. Dado que a quantidade exportada cresceu 75% nesse período, nosso poder de compra externo aumentou nada menos do que 135%, permitindo uma elevação considerável das importações sem piora das contas externas. De fato, o déficit externo, que equivalia a 4,5% do PIB (40% das exportações) em 2001, caiu para 2,1% do PIB (20% das exportações) em 2011.

Segundo minhas estimativas, esta melhora trouxe um ganho ao país da ordem de US$ 60 bilhões no ano passado, ou seja, 2,4% do PIB. Na prática permitiu que a demanda interna crescesse sistematicamente acima da produção local (algo como um ponto percentual por ano nos últimos seis anos), sendo a diferença coberta por maiores importações, pagas principalmente pelo aumento do poder de compra das exportações. Não há como exagerar o papel das commodities nesta história.

Todavia, tais preços vêm caindo desde o terceiro trimestre de 2011, trazendo consigo os preços das exportações nacionais e revertendo (parcialmente) o fenômeno observado até então. No primeiro trimestre deste ano cada unidade exportada podia comprar cerca de 6% a menos do que no terceiro trimestre do ano passado.

Por conta disso, de janeiro a março deste ano as exportações atingiram cerca de US$ 4,5 bilhões a menos do que poderiam ter atingido caso os preços não houvessem caído, pouco menos de 1% do PIB. Sem queda adicional de preços estimo que as perdas podem chegar à casa de US$ 25 bilhões no ano, já descontado o efeito dos menores preços de produtos importados. Como houve redução adicional, contudo, este valor representa hoje a estimativa mínima para a perda associada à queda de preços de commodities.

À luz do descrito acima não é difícil entender a relação estreita entre esses preços e o desempenho da moeda. Tipicamente o real se aprecia quando os preços de commodities sobem e perde valor quando o contrário ocorre, impedindo que seu aumento (ou queda) se traduza integralmente para os preços em reais e, portanto, mitigando seu efeito sobre a inflação doméstica.

Entretanto, a intervenção pesada sobre a taxa de câmbio tem limitado este mecanismo amortecedor. Enquanto os preços das commodities em dólares caíram 9% entre o terceiro trimestre do ano passado e abril de 2012, estes preços medidos em reais aumentaram 3% no mesmo intervalo (6% nos últimos dois meses), de onde se torna difícil ver sua propalada contribuição à queda da inflação. Por outro lado, a queda na capacidade de importar também reduz o papel das commodities no sentido de manter baixos os preços de produtos manufaturados.

Em suma, celebrar a queda do preço de commodities me parece um exercício em masoquismo econômico, ou então um desconhecimento alarmante do processo que vitaminou nosso crescimento nos últimos anos. Não saberia dizer qual é a pior alternativa.


A real eye-opener...


(Publicado 9/maio/2012)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Datafobia

Entre 2007 e 2011 a parcela dos produtos primários na pauta de exportações brasileiras deu um salto de 16 pontos percentuais (de 32% para 48% do total). Tal ganho se deu à custa da participação das manufaturas, que caiu os mesmos 16 pontos percentuais (de 52% para 36% do total). Esta evolução levou aos gritos de desespero acerca da “desindustrialização” do país e nossa inexorável reversão à categoria de “meros” produtores de matérias-primas, augúrio da decadência irreversível da economia nacional.

Ou não. Como de hábito, a aversão de grande parte (senão a totalidade) dos nossos keynesianos de quermesse aos dados os faz perder de vista um desenvolvimento óbvio, mas que explica muito do que ocorreu nos últimos anos.

Refiro-me, é claro, à elevação extraordinária dos preços de produtos primários, cujo efeito sobre as exportações destes produtos não pode ser ignorada, como tem sido, sob pena de perda significativa de entendimento do processo. Entre 2007 e 2011 os preços de produtos primários praticamente dobraram, enquanto os preços de manufaturas aumentaram muito menos, apenas 35%. Este desenvolvimento não foi exclusivo do Brasil, já que globalmente os preços de matérias-primas (exceto energia) cresceram 39% contra 14% no que diz respeito às manufaturas, segundo as estimativas do CPB.

Contra este pano de fundo, não é necessário grande salto de imaginação para concluir que, mesmo se as quantidades exportadas não se alterassem, a participação dos primários deveria crescer consideravelmente. Com um pouco mais de esforço é possível construir uma metodologia que decomponha a evolução da parcela de manufaturados no total exportado entre os efeitos derivados de quantidades e os efeitos oriundos dos preços (assim como da interação entre ambos, que, de qualquer forma, é pouco relevante), essencialmente medindo seu desempenho com relação a preços e quantidades médios. Os resultados estão resumidos no gráfico.

Fonte: Autor (com dados do MDIC e Funcex)
Como se pode ver, exceto pelo ocorrido em 2009, a queda da participação dos manufaturados (consequentemente, a elevação da participação de primários) resultou essencialmente da redução dos preços desses bens relativamente ao preço médio das exportações, com escassa contribuição das quantidades de manufaturados, que cresceram em linha com as quantidades totais.

É verdade, contudo, que em 2009 houve uma forte contribuição negativa do quantum de manufaturados, mas não é difícil entender o porquê. Com efeito, entre setembro de 2008 e dezembro de 2009 as importações dos EUA, da União Europeia e da América Latina (Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela) caíram de US$ 5,1 trilhões para US$ 3,7 trilhões. Consequentemente as exportações de manufaturas brasileiras para tais mercados despencaram de US$ 69 bilhões para US$ 47 bilhões. Já em 2011 as importações destes mercados retornaram a US$ 5,1 trilhões e as exportações de manufaturas, não por acaso, voltaram a US$ 68 bilhões.

Em outras palavras, o colapso das exportações de manufaturas em 2009 (portanto a contribuição negativa das quantidades) esteve intimamente ligado ao colapso das importações em nossos principais mercados, responsáveis pela absorção de 75% das vendas desses produtos. Com sua recuperação observamos um rebote praticamente idêntico das exportações, fato que não parece lá muito consistente com a ideia de perda de competitividade.

Em contraste, as importações dos principais mercados das exportações brasileiras de produtos primários – que haviam caído de US$ 5,8 trilhões para US$ 4,3 trilhões de setembro de 2008 a dezembro de 2009 – alcançaram US$ 6,3 trilhões no ano passado, superando amplamente os níveis pré-crise e, é claro, trazendo as exportações de primárias para US$ 74 bilhões, patamar consideravelmente superior ao observado às vésperas da crise (US$ 41 bilhões).

Ou seja, apesar do crescimento mais vigoroso dos mercados importadores de produtos primários relativamente aos importadores de manufaturas, entre 2009 e 2011 praticamente toda perda de participação destes produtos pode ser atribuída à redução de seus preços em comparação aos produtos primários.

Em suma, manufaturas perderam importância na pauta principalmente pela queda de seus preços relativamente aos primários e pela lenta recuperação dos principais mercados. Por outro lado, a participação de manufaturas nesses mercados caiu apenas marginalmente entre 2007 (1,39%) e 2011 (1,32%), indicação que “competitividade” não parece, nem de longe, ser o problema. Mas quem está disposto a fazer conta se, de antemão, chegou às conclusões que desejava?

Jovem keynesiana de quermesse mostra sua intimidade com os números...

* * *

Cortesia do Sachsida para este post. No caso, ilustrando a contribuição marxiana à aritmética.



(Publicado 3/Mai/2012)


quarta-feira, 2 de maio de 2012

O juro neutro: uma abordagem talmúdica


O estudante levantou a mão e perguntou: “Rabi, é verdade que um judeu sempre responde a uma pergunta com outra pergunta?”. Ao que o velho mestre, pensativo, retrucou: “Oy, e quem foi que te disse isso?”.

À parte desejar há muito usar esta anedota num artigo, a verdade é que mais de uma vez enfrentei a questão sobre a necessidade de altas taxas de juros no Brasil respondendo à pergunta com outra. Quando indagado por que a taxa de juros é mais alta no Brasil do que em outros países, minha resposta geralmente envolve perguntar por que, apesar de taxas de juros tão altas, a demanda interna tem um desempenho tão vigoroso?

De fato, nos últimos seis anos o crescimento médio do PIB superou em pouco o ritmo de 4% ao ano, ritmo decente, mas longe de empolgante. Por outro lado, a demanda interna se expandiu a uma velocidade de 5,5% ao ano, enquanto seu componente privado (consumo e investimento), mais sensível à taxa de juro, avançou a um ritmo superior a 6% ao ano!

Se é verdade, pois, que a taxa de juros no Brasil é uma anomalia à luz da experiência internacional, não é menos anômala a resposta robusta da demanda interna a taxas de juros que em qualquer outro país produziriam uma contração escatológica. Assim, se conseguirmos responder à segunda pergunta, teremos também a solução da primeira.

Parte da resposta – talvez não a mais importante – se reflete na baixa taxa de poupança brasileira, que nos últimos anos ficou em torno de 17,5% do PIB. Na comparação com 2002-03 a poupança aumentou em cerca de 1,5% do PIB, apesar de ganhos extraordinários de termos de troca no período, que estimo terem chegado a quase 4% do PIB. Portanto, a maior parte do ganho oriundo do aumento do preço de commodities se transformou em gasto adicional, refletindo um modelo de crescimento que privilegia o consumo, financiado pela expansão das transferências governamentais e do crédito.

Isto dito, se tomarmos duas economias idênticas, exceto pela presença de estímulos governamentais ao consumo, deve ser claro que a taxa de juros terá que ser maior na economia com incentivos governamentais.

De fato, caso a taxa real de juros fosse igual nas duas economias, seu desempenho inflacionário seria muito distinto. Por um lado a demanda interna cresceria mais na economia com incentivos. Por outro, refletindo a menor taxa de poupança e, portanto, investimento (já que há limites aos déficits externos), o crescimento potencial desta economia também seria menor do que o de sua gêmea. Para manter a inflação estável, portanto, tal economia teria que conviver com uma taxa de juros mais elevada. Quão mais elevada ainda permanece um mistério.

Já a parte que acredito mais interessante e promissora da resposta ao enigma do forte desempenho da demanda interna face a taxas de juros muito elevadas está relacionada à definição da taxa de juros relevante para o caso brasileiro.

Em geral, ao compararmos a taxa brasileira às observadas em outros países pensamos na taxa Selic (ou na taxa de 1 ano) como sendo a única taxa relevante. Todavia, existe um segmento do mercado de crédito no Brasil que é virtualmente insensível à taxa de juros de mercado. O crédito direcionado no Brasil – que inclui o BNDES, assim como o crédito habitacional e rural – apresenta taxas de juros que não apenas não são afetadas pela operação da política monetária, como são usualmente bastante inferiores à Selic, em particular a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).

Adicionalmente, apesar da expansão vigorosa do crédito livre nos últimos 2 anos (cerca de 20%, descontada a inflação), o direcionado cresceu ainda mais rápido (40% acima da inflação). Desta forma, o direcionado representa algo como 36% do crédito total no Brasil, comparado a 28% em meados de 2008, longe, portanto, de ser um fenômeno marginal, mas sim parcela elevada e crescente do crédito no Brasil. Aliás, diga-se de passagem, tal parcela está em vias de se tornar ainda mais relevante, dado que o BNDES deverá ter algo como R$ 65 bilhões à sua disposição (R$ 20 bilhões de 2011 mais R$ 45 bilhões anunciados recentemente), equivalente a 15% de sua carteira de empréstimos.

Há, portanto, um estímulo considerável advindo do crédito direcionado. Não é necessário um grande salto de imaginação para concluirmos que, sob estas condições, o efeito da Selic sobre a demanda é menor do que seria na ausência do direcionado, ou seja, tudo o mais constante, para o BC  obter o mesmo crescimento da demanda doméstica que obteria na ausência do direcionado será obrigado a uma taxa de juros mais alta.

Similarmente, como as taxas do direcionado não se alteram em resposta à Selic, para responder a eventuais choques que elevem a inflação esperada, o BC será também forçado a movimentos maiores de taxas de juros do que os requeridos na ausência do direcionado para adequar sua política.

À luz deste raciocínio, a existência de um mercado segmentado de crédito, em que as taxas de juros são consideravelmente inferiores às de mercado, se afigura como uma explicação para o vigor da demanda interna mesmo sob taxas de juros consideravelmente maiores que as internacionais. E, em assim sendo, é também a explicação mais promissora para a persistência de tal diferença.

Se tais hipóteses – mais complementares que substitutas – são verdadeiras, que políticas seriam necessárias para trazer a taxa real de juros de equilíbrio do país a níveis patamares próximos aos internacionais?

Em primeiro lugar a redução do consumo público. Segundo os dados do International Comparison Program (ICP) o Brasil apresenta o segundo maior nível de gasto público em relação ao PIB entre países com PIB superior a US$ 100 bilhões, fato que, sem dúvida, desempenha papel central na explicação da reduzida poupança interna.

Em segundo lugar o crédito direcionado teria que sofrer alterações consideráveis. Não seria necessário eliminá-lo, mas os subsídios implícitos em suas taxas de juros teriam que ser extintos, por exemplo, balizando estas taxas pelo custo local de captação de longo prazo do Tesouro Nacional, conforme a formulação original da TJLP. As taxas do direcionado subiriam, mas Selic cairia, beneficiando o universo de tomadores “mortais” (Tesouro inclusive), às custas dos “imortais” tomadores de recursos subsidiados.

Noutro Universo, talvez esta conclusão bastasse para que tal política fosse adotada. Neste, pelo contrário, é sinal que esta mudança deve ser ainda mais improvável que a redução do consumo público. E que, portanto, apesar dos protestos do BC, a taxa de juros de equilíbrio no Brasil continuará entre as mais altas do mundo.

- E qual taxa de juros brasileira é a mais alta do mundo?


(Publicado 2/Mai/2012)