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terça-feira, 27 de julho de 2010

Ethevaldo Siqueira, "pega leve"?


Ao comentar o artigo do Professor Bresser Pereira sobre a privatização da telefonia brasileira, o bom jornalista Ethevaldo Siqueira cometeu alguns crimes de complacência excessiva (aqui e aqui):


“BRESSER, IRRECONHECÍVEL”

“tenho respeito e admiração pelo professor Bresser”

“Manifesto essa surpresa porque poucas vezes discordei tanto de um economista e
intelectual que aprendi a admirar ao longo dos últimos 30 anos”


Caro Ethevaldo, vamos deixar de ser complacentes com a mediocridade e estupidez. Não há nada de irreconhecível no discurso recente do Professor Bresser Pereira sobre a privatização das telefônicas. Meu deus, quando que ele falou algo que fazia sentido para alguém prestando atenção?

O Professor Bresser Pereira não merece ser tratado como uma autoridade ou intelectual de respeito. Sua obra é medíocre, seu texto e a qualidade de sua argumentação não impressionariam em uma classe de graduação, e depois de várias décadas de prosa desbilolada, ele conseguiu amadurecer do marxismo comprado no Pão de Açúcar para um keynesianismo de quermesse monotemático em sua defesa de uma piora na defesa de uma depreciação cambial visando a maior concentração de renda no Brasil (sim, é essa a tese dele!).

Ethevaldo, leia o que o Professor Bresser Pereira escrevia em seu “Desenvolvimento e Crise no Brasil” tantos anos atrás… Lá mesmo onde ele descreve a crise dos anos 70 como uma crise de ‘underconsumption’ e pomposamente, pimpão, 'desancava' a visão ortodoxa que tal crise era algo relacionado com a alta nos preços do petróleo… Ou lá também ele afirmava que a inflação era causada pelo conflito distributivo:


The cyclical slowdown provokes an increase in the rate of inflation, to the extent that inflation becomes a mechanism to defend the accumulation process. In reality, the more general cause of inflation is the class conflict over duistribution. In Brazil, because of the political weakness of the working class, inflation is fundamentally a fruit of continuing attempts by the capitalist class to increase or at least maintain its rates of profit during the cyclical slowdown). [Meu comentário: pode alguma pessoa inteligente duvidar que o Brasil sofreria um surto hiperinflacionário após termos como Ministro da Fazenda o autor dessa pérola?]

Já está na hora de romper o pacto de mediocridade.
Devemos ser polidos na vida privada com pessoas que pensam diferente ou diferentemente, mas quando ideias destrutivas enveredam na vida pública, é nosso dever não medir as palavras.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Professor Solow, DSGE e a esquerda pró-concentração de renda no Brasil


Bob Solow é um exemplo de liberal de velha guarda nos Estados Unidos. Em um depoimento recente no Congresso americano, ele castigou os modelos DSGE (Dynamic Stochastic General Equilibrium) – link aqui. Como o depoimento do Professor Solow cabe em apenas três páginas datilografadas, não vou tentar resumí-lo, assim sugiro que leiam vocês mesmos.

Agora, minha opinião sobre a questão.

Primeiro, uma constatação factual: modelos DSGE são extremamente úteis e mesmo instituições que não tinham tradição de usá-los, passaram a usá-los mais intensamente desde o começo da crise. Por quê? Porque modelos de DSGE são “the only game in town” para responder várias perguntas quantitativas relevantes para a política econômica. Todo o debate sobre o estímulo fiscal nos países avançados é baseado em DSGEs. O Federal Reserve usa-os intensivamente, assim como o Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra, as instituições multilaterais, e praticamente todos os bancos centrais que seguem metas de inflação etc.

Segundo, o ponto de Solow é correto. Uma das grandes questões da macroeconomia é o desemprego. Gerações de economistas saindo de Chicago foram educados para acreditar em uma pataquada do Bob Lucas que é a idéia que flutuações macroeconômicas causam pequenos custos de bem-estar. É uma pataquada porque tal resultado é um artefato do modelo de agente representativo. Explico: em modelos com agente representativo, a dor do desemprego é compartilhada por toda a população, e não monopolizada pelos desempregados. É sabido que o fenômeno do desemprego é concentrado em uma fração da população e gera um custo de bem-estar enorme. É completamente diferente o efeito no bem-estar de ter 100% das famílias experimentando desemprego 10% do tempo do que ter 20% das famílias sofrendo com o desemprego 50% do tempo.

Os modelos de DSGE em geral compartilham o agente representativo da análise de Lucas porque tal premissa facilita a análise e faz os modelos tratáveis, sem grandes perdas em termos de capacidade de descrever e prever as flutuações dos agregados macroeconômicos (hiato do produto, desemprego, inflação etc). Entretanto, a hipótese do agente representativo é às vezes inapropriada para análise de bem estar porque minimiza os custos das flutuações econômicas. Segundo o Professor Solow, isso teria consequências funestas para a escolha de prioridades pela profissão. E só posso concordar com ele.

Agora mudando de assunto completamente... É de doer o coração comparar o discurso Professor Solow, que é um expoente da ‘esquerda’ americana com nossa (suposta) ‘esquerda’ freak-show. Enquanto Solow preocupa-se com os custos sociais do desemprego, a quermesse brasileira faz sua missão de vida a defesa de várias políticas públicas visando a concentração de renda no Brasil, que vão desde a advocacia da compressão dos salários reais ao melhor estilo do regime militar à defesa da taxação de salários para subsidiar aventuras de plutocratas via bancos estatais, passando por controles de capitais aparentemente desenhados para não bloquear o carry-trade (não bloquearam), mas sim afastar os investidores de longo prazo na Bolsa (afastaram) (*).

(*) Pelo menos na questão dos controles de capitais dou o benefício da dúvida aos nossos quermesseiros oficiais. Minha análise nassifológica (TM) sugere que é mais provável que erraram por incompetência do que por má intenção.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Professor Bresser Pereira volta às suas raízes (mas talvez não saiba disso)


Pouca gente se lembra, mas antes do Professor Luiz Carlos Bresser Pereira ser ministro da Fazenda de José Sarney, ele foi o autor de um livro chamado Desenvolvimento e Crise no Brasil no final dos anos 60, que recebeu uma nova edição nos anos 80. Não tenho palavras para descrever a maionese estragada que aquele livro era e se não fosse brasileiro, recomendaria a leitura com certo ar de superioridade e bom humor. Entretanto como sou brasileiro, vivi as conseqüências de ser governado por chimpanzés que se viam intelectuais originalíssimos e não acho graça alguma nisso.

Pois bem, uma das crenças do Professor Bresser Pereira então era que a apreciação da taxa real de câmbio era:
(estou citando da versão em inglês).

“an efficient tool to raise the marginal efficiency of capital.”

Desde então, ele se converteu e agora acredita que:

“a apreciação da moeda causará a diminuição da poupança por meio da diminuição das oportunidades de investimentos lucrativos voltados para a exportação. A queda das expectativas de lucro causará a diminuição dos investimentos e, em conseqüência, nos termos de Kalecki, dos lucros, e nos de Keynes, da poupança interna (...) a apreciação do câmbio tem como resultado a redução dos investimentos e da poupança interna.”

E assim o Professor Bresser Pereira juntou forças com o Professor Gala e a Professora Araújo para escrever um artigo para avaliar empiricamente essas relações. O artigo está pronto e é acessível aqui.

Sinceramente não quero perder tempo cortando cada bola que os três professores levantaram. Mas não posso deixar de compartilhar a conclusão do exercício empírico.

Gala, Araújo e Bresser Pereira produziram uma figura que demonstra sem margem de dúvidas que para a amostra de 1950 a 2007, usando a metodologia escolhida pelos autores, choques que depreciam a taxa de câmbio têm o efeito de reduzir a taxa de investimento permanentemente.

A taxa de investimento é por identidade contábil igual à soma das poupanças doméstica e externa. Portanto, o efeito de um movimento da taxa de câmbio sobre a taxa de investimento é dado pela soma dos efeitos sobre as poupanças doméstica e externa. Basta olhar a Figura 2 que os autores produziram para vermos que (1) um choque que deprecia a taxa de câmbio real tem um efeito sobre a poupança doméstica estatisticamente insignificante e próximo a zero, tanto no curto quanto no longo prazo; e (2) o mesmo choque tem o efeito de deprimir a poupança externa no curto e longo prazo e por uma quantia economicamente significativa.

Ergo, a análise empírica de Gala, Araújo e Bresser Pereira mostra que para dados brasileiros de 1950 a 2007, choques que depreciaram a taxa de câmbio têm o efeito de reduzir a taxa de investimento permanentemente.

Tendo em vista o que escrevi sobre as antigas crenças do professor emérito, será uma volta ao passado? Ou apenas ele está sendo embaraçado pelo pobre controle de qualidade de seus co-autores?

O freak show está chegando!!


Nos dias 11 a 13 de agosto, várias dezenas de saltimbancos e deviantes exibirão suas artes e peculiaridades em um teatro fulo em pleno centro de Sao Paulo. Como de costume, eles vão se vestir de pesquisadores, franzir as sobrancelhas, e receber os cumprimentos gentis de seus pares após apresentarem ainda mais um artigo não-original, com texto medíocre, coalhado de erros metodológicos e muitas vezes internamente incoerente.

O anfitrião, o professor emérito de epidemiologia batava Luiz Carlos Bresser Pereira, célebre bem-humorado mambembe e autor de frases clássicas do repertório bufo brasileiro (*) vai reinar supremo entre manadas de puxa-sacos e zerões.

E o Tio “O” talvez visite para dar um alô amigos!

Ou talvez não.

Mas certamente não vou perder a oportunidade de me divertir com as dezenas de trabalhos que vão ser apresentados (veja o programa do encontro aqui). Não vai ser surpresa alguma se uma meia dúzia dessas pérolas aparecer como tema de artigos neste blog. Já aviso, o primeiro artigo a ser abordado vai ser Gala, Araújo e Bresser Pereira. Vocês nem imaginam o que eles produziram inadvertidamente. Tem gente que não lê o próprio trabalho antes de imprimir o PDF.

P.S. Pelo menos por alguns poucos dias, os pais de meninos pré-adolescentes em Brasília vão ter um problema a menos para preocupá-los.

(*) Por exemplo:

"If inflation is inertial, if it is not the result of an excess of demand, but rather of the ability of economic agents to automatically pass on increases in their costs to their prices, the natural solution to break this cycle is administrative price controls. This solution becomes even more natural when we learn that this ability to automatically reproduce past inflation in the present would become greater not only if inflation is higher, but also as the market for goods and services as well as the labor market are oligopolized and nationalized."

"The conditions necessary for the success of the Cruzado Plan are clear. Actually, the Plan is already an extraordinary success, a great conquest of theory and economic policy. The predominantly inertial nature of Brazilian inflation before the shock is indisputable.”

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O reverso da fortuna

Alavancagem, em que pese a complexidade associada ao termo, é um fenômeno comum no mercado financeiro e não tão difícil de entender. Imagine, por exemplo, alguém que possua R$ 100 e os invista em algo que renda R$ 10 por ano (um retorno de 10%). Caso possa tomar recursos emprestados a, digamos, 5% ao ano, ela pode multiplicar (“alavancar”) seu retorno. Tomando R$ 100 por empréstimo e investindo no mesmo ativo que rende 10% ao ano, obterá R$ 20 (10% sobre R$ 200) menos os R$ 5 que deverá pagar de juros sobre os R$ 100 emprestados, ou seja, R$ 15. Agora, para o mesmo capital de R$ 100, seu retorno é de 15% ao ano.

Também não é complicado concluir que, quanto maior for a alavancagem, tanto maior será o retorno sobre o capital. No mesmo exemplo acima, se, ao invés de tomar R$ 100 emprestados, nossa investidora tomasse R$ 900, obteria R$ 100 por ano (10% sobre R$ 1.000) e, deduzindo o juro sobre o empréstimo (R$ 45), ficaria com R$ 55, um retorno de 55% (!) sobre seu capital original. Obviamente, o risco também cresce com a alavancagem: no caso em questão, uma perda de 10% no valor do ativo deixaria nossa investidora sem um centavo para contar a história. Resumindo, a alavancagem é um instrumento que eleva tanto o retorno como o risco do investimento.

Peço agora ao leitor que imagine um caso paradoxal: o que ocorreria se o rendimento do ativo fosse inferior ao custo dos empréstimos tomados para alavancar o investimento? Para facilitar, suponha que o retorno do ativo seja zero. Nesse caso, se a investidora tomou R$ 200 emprestados a um juro de 5%, no final do ano ela teria que pagar R$ 10, isto é, obteria um retorno negativo de 10% sobre seu capital de R$ 100. E, quanto mais alavancasse, tanto mais negativo se tornaria seu retorno, enquanto seu risco continuaria a crescer.

Este caso, contudo, deveria ser mera curiosidade acadêmica. Afinal de contas, quem, em sã consciência, tomaria recursos para aplicá-los numa taxa mais baixa do que originalmente custaram? A resposta, leitor, é o Tesouro Nacional, o gestor – na descrição precisa de Armínio Fraga – do meu, do seu, do nosso dinheiro.

Em nome de uma política dita anticíclica o Tesouro Nacional emprestou no último ano e meio R$ 180 bilhões de reais para o BNDES a taxas consideravelmente inferiores às que paga para tomar estes recursos, trazendo o estoque de créditos junto àquela instituição para a marca de R$ 377 bilhões (12% do PIB), incluindo nesta conta os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. O grosso destes créditos (R$ 299 bilhões) está indexado à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 6% ao ano, enquanto a taxa básica de juros (Selic), que baliza o custo dos títulos da dívida do governo, é de 10,5% ao ano.

Como sugerido pelo último exemplo, esta política implica elevação do custo médio da dívida líquida. Aliás, este efeito foi tão forte a partir do final de 2008 que, a despeito da queda de 5 pontos percentuais da Selic de janeiro a julho de 2009, o custo médio da dívida aumentou. Posto de outra forma, entre 2004 e 2007 o custo médio da dívida e a Selic andavam em linha (a correlação entre estas séries era de 90%); já entre 2008 e 2010 o primeiro subiu, refletindo o poder da alavancagem, a despeito da queda da Selic (a correlação se tornou negativa, -62%).

Seria ótimo que esta correlação permanecesse negativa com a Selic em alta, mas isto só aconteceria se os créditos ao BNDES fossem retirados à medida que a Selic subisse (caracterizando de fato uma política contracíclica). Como isto não ocorrerá, a alavancagem descrita no início do artigo opera contra nós, pois o custo da dívida subirá mais do que o aumento da Selic, num contexto de risco mais elevado, ou seja, uma monumental transferência de renda para setores privilegiados. Para meros mortais sobra apenas o reverso da fortuna.


(Publicado 21/Jul/2010)

domingo, 18 de julho de 2010

30 mil!

Passamos as 30 mil visitas, medidas desde que instalamos o SiteMeter em meados de abril, o que corresponde a pouco mais de 300 visitantes/dia (dos quais 298, é claro, resultam da minha mãe acessando febrilmente o blog).

Obrigado e abraços,

Alex

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Recordar é viver

O título se refere a dois aspectos do que vou abordar aqui. Em primeiro lugar porque já mostrei estes dados aqui há não muito tempo. Em segunda lugar ( e muito mais importante), porque vários dos 17 leitores hão de recordar que a política econômica argentina, em particular a política cambial argentina, é (ou foi, já não sei) o paradigma do pessoal analisado pelo "O" no post logo abaixo.

Começo pela evolução da taxa nominal de câmbio na Argentina e no Brasil. Rumos opostos, como se vê. A Argentina não permitiu a valorização da taxa nominal de câmbio. Pelo contrário, enquanto o real se valorizava, o peso se manteve relativamente estável em relação ao dólar até a eclosão da crise. Desde então acumula uma depreciação da ordem de 30%. O real, como dito, se apreciou de forma mais ou menos contínua até agosto de 2008, quando então passou por vigorosa depreciação (quase 45%). A partir daí retomou a trajetória de apreciação, mas ainda (junho de 2010) se encontra cerca de 12% mais devalorizado do que em agosto de 2008.



Quando, porém, ajustamos as taxas nominais de câmbio pelo diferencial de inflação entre cada país (no caso do Brasil usei o INPC; para a Argentina usei o índice de preços calculado pela consultoria Buenos Aires City, já que as estimativas do Indec deixaram, há muito, de ser confiáveis) e a inflação americana (medida pelo PPI, que apresenta uma medida maior de bens comercializáveis internacionalmente) observamos um fenômeno bem distinto.



Entre 2006 e agosto de 2008 as taxas reais de câmbio se apreciaram de forma surpreendentemente similar. No período mais agudo da crise o real se desvalorizou mais, retornando aos níveis do peso apenas no último trimestre de 2009. Desde então o real tem se mantido aproximadamente estável, enquanto o peso, a despeito da desvalorização nominal, tem se apreciado ainda mais com relação ao dólar, ou seja, na primeira metade do ano o peso se apreciou relativamente ao real.

O que aprendemos deste exemplo? Em primeiro lugar (isto deveria ser óbvio, mas é tão frequentemente esquecido que me sinto na obrigação de repetir aqui) que administrar a taxa nominal de câmbio não equivale a determinar a taxa real de câmbio. É possível ter êxito na primeira tarefa (qualquer regime de taxa fixa, ou administrada, consegue o feito); já a segunda é muito mais complicada.

O motivo deveria também ser óbvio: uma política de administração da taxa nominal de câmbio implica perda de autonomia da política monetária (sob grau elevado de mobilidade de capitais). É verdade que é possível retomar certo grau de autonomia por meio da imposição de controles de capitais (sob a suposição crucial que estes sejam efetivos, o que está longe da obviedade que encontramos até agora), mas, isto apenas abre a possibilidade de uso autônomo da política monetária. Caso, mesmo havendo a possibilidade, não se faça uso do instrumento, a inflação continuará desancorada. Em outras palavras, a intervenção não-esterilizada, requerida para determinação da taxa nominal de câmbio, não é consistente com a ancoragem da inflação. O gráfico abaixo - que apenas resume os outros dois - ilustra exatamente isto.



Uma forma equivalente de entender o problema é lembrar que a taxa real de câmbio é uma variável endógena, não uma variável de política econômica. Há variáveis de política econômica que podem afetar (e afetam) a taxa real de câmbio; em particular, a política fiscal pode desempenhar este papel, como argumentado neste blog mais de uma vez: a redução do gasto público, ao permitir atingir o mesmo nível de inflação com uma taxa de juros mais baixa, permitiria depreciação real do câmbio. Mas aí, note-se, não estamos falando de política cambial e sim de política fiscal.

Vale dizer, mesmo que alguém acredite que uma taxa de câmbio mais fraca tenha efeitos sobre o crescimento (eu, por outro lado, defendo que os mesmos fatores que levam a uma taxa de crescimento mais acelerada também implicam uma taxa de câmbio mais depreciada), não se segue que a política apropriada seja ter uma meta para taxa nominal de câmbio (nem para a taxa real de câmbio, o que pode gerar dinâmicas particularmente desagradáveis do lado inflacionário), mas sim adotar um regime de política, principalmente fiscal, que seja consistente com este objetivo. E isto, (17) leitores, não aparece em nenhum texto quermesseiro.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A mulher barbada e a prole de Bresser Pereira

Apesar das contribuições valiosas do Chutando a Lata (“Se fosse possível gerar desenvolvimento com câmbio, já estaria decretado o fim da pobreza.”), do Galego (que apontou para o descaso dos autores em examinar variáveis omitidas em particular, e os dados em geral) e do Rogério Ferreira (que indicou que este mesmo blog já postou sobre a pobreza do modelo usado pelo Professor Gala em sua apaixonada catilinária a favor de políticas públicas visando a concentração de renda no Brasil), fica difícil não dar o prêmio para o anônimo das 16:21. Confesso que nem sob tortura teria talento para compor um Haikai que resuma com tanta eloqüência a obra de Gala e Libanio:




Texto prolixo
que nada acrescenta
eu mando pro lixo




Aplausos!

O Haikai do anônimo também me convida a debater sobre porque perderia tempo policiando a quermesse. Meu interesse, admito, reflete um tanto de atração pelo deviante. Assim como uma criança visitando o circo, admirando a mulher barbada, existe um certo prazer proibido em ler alguns dos piores trabalhos em Economia que ganharam a honra da assinatura de um ‘acadêmico’.





Substantivamente, existe um equívoco original na análise de muitos membros da prole de Bresser Pereira. Há uma confusão entre sintomas, tratamento e doença. Para a quermesse da 9 de julho, o câmbio apreciado é a doença que vai causar a desindustrialização que pode ser evitada pelas autoridades monetárias (“By avoiding excessive appreciations, monetary authorities would contribute to the development of an advanced manufacturing industry...”). Uma analogia médica é útil. Imagine um médico que, convencido que a morte é frequentemente precedida por febre alta, recomenda que seus pacientes durmam em uma banheira com cubos de gelo, e não ministra tratamento algum para outras condições subjacentes.

A partir dessa confusão entre sintomas (febre, câmbio valorizado) e causas subjacentes, a prole de Bresser prepara uma salada de recomendações esdrúxulas e artigos ‘acadêmicos’ beirando o humor involuntário visando combater a febre sem lidar com a doença. Como os autores ‘sabem’ que o problema é o câmbio, e convivem com outros membros da prole que compartilham o mesmo diagnóstico, a argumentação é preguiçosa e cheia de furos. Apontam com autoridade para as severas conseqüências da doença dos holandeses sobre a Holanda, mas aparentemente o amarelão em estágio avançado rouba-lhes a energia para achar uma referência sequer sobre tal fenômeno. Os autores citam a Austrália do século XIX como exemplo de país padecendo da maldição dos recursos naturais, talvez na ignorância que a Austrália seja... a Austrália. Os autores mencionam a taxa real de câmbio estável da China, talvez em referência a alguma China mítica e idealizada (a China não é um país com taxa real de câmbio particularmente estável).

- Mamãe, olha a mulher barbada! A barba dela é maior que a do Tio Moshe!

Para não me alongar, vou apenas tangenciar a questão teórica. Os autores apresentam dois modelos para justificar suas recomendações de política econômica, mas estranhamente não notam que nenhum dos modelos em questão aborda a questão setorial que aparentemente é a base de seus argumentos. Seria pedir demais que autores que advogam políticas para reduzir os salários reais e transferir poder de compra da massa trabalhadora para os capitalistas industriais com o objetivo expresso de transformar a estrutura produtiva da economia sejam ao menos capazes de tirar da gaveta um modelo econômico em que a economia tenha uma estrutura produtiva? Pois os autores tem a pachorra paquidérmica de falar sobre câmbio real quando nenhum dos modelos que apresentam tem mais de um bem (no primeiro modelo os capitalistas aparentemente aplicam o mark-up sobre um bem composto)!

- Mamãe, aquele moço é o engolidor de espadas!

Mas a atração principal do artigo são os estudos de caso apressadíssimos da Indonésia e Chile. Os autores argumentam que “a laissez-faire type management of the macroeconomic policy would most likely lead to greater dependency of international commodity markets”, mas não explicam o que seria um “laissez-faire type management of the macroeconomic policy”. Algum desavisado pensaria que um banco central que adota metas de inflação, não intervém no câmbio por mais de uma década e que aboliu controles de capitais seria um exemplo. Mas não para os autores! Desavisados também não veriam nada de extraordinário nas maxi-desvalorizações cambiais na Indonésia dos anos 80, afinal tais eventos ocorreram no Brasil e em tantos outros países da América Latina no mesmo período.

-- Quieto, Rodriguinho! É apenas um pós-keynesiano.

E assim concluem: “our main hypothesis is that competitive currencies contribute to the existence and maintenance of a dynamic manufacturing sector in the economy”. Estranhamente, os autores, depois de 27 páginas, não testaram tal hipótese e ainda pensam que têm um artigo.

--Meu Deus, Rodriguinho, como você sabe que aquele gordinho é o engolidor de espadas?!?

terça-feira, 13 de julho de 2010

Sugestão de resenha: Gala, Libanio e a doença dos holandeses

De tempos em tempos, eu recebo pedidos neste blog ou via e-mail (mailto:oanonimo2009@live.com) para comentar artigos de alguns expoentes e sumidades da inteligêntchia econômica quermesseira.

Desta vez, eu reverto o fluxo e convido os leitores deste blog a comentar.

O primeiro leitor que apresentar uma resenha de qualidade será publicado e, caso queira, seu nome será mencionado no Quadro de Honra deste blog.

O artigo tem o título “Exchange Rate Policies, Patterns of Specialization and Economic Development: Theory and Evidence in Developing Countries,” e é uma co-autoria dos professores Paulo Gala e Gilberto Libanio.

Para os jovens: Sem exagero algum, não existe habilidade mais importante para um economista que saber escrever celeremente uma dissertação. Infelizmente, em nosso país, pouquíssimos economistas são capazes de dissertar com elegância, coerência e sem palavrório em excesso (note que apesar do conteúdo de sua pesquisa provavelmente ter valor social negativo, o Professor Gala escreve decentemente). Felizmente, esta é uma habilidade que qualquer um de nós pode adquirir -- ninguém precisa de um QI de 140 para escrever um bom texto profissional. Basta ter paciência, e gostar de ler e escrever e re-ler e re-escrever e...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Três gráficos sobre as contas públicas no Brasil

O primeiro gráfico mostra a despesa primária consolidada do setor público (União, estados e municípios), construído a partir de dados da STN. Após o ajuste de 1999, quando a despesa total ficou pouco acima de 29% do PIB, houve uma expansão quase constante - brevemente interrompida em 2003 - trazendo o gasto primário total para 35,2% do PIB (um aumento de 6% do PIB em 9 anos).
O segundo gráfico mostra dados coletados por Sérgio Gobetti (“Qual é a taxa de investimento público no Brasil?”), revelando a evolução do investimento público no país.


O terceiro apenas junta as duas informações, mostrando que, dos 6% do PIB de aumento do gasto primário, 0,7% resultam de investimentos mais elevados, enquanto 5,2% vêm da expansão do gasto corrente.
Para ser sincero, eu acho que posso já ter divulgado estes dados em algum post mais antigo, mas me confesso sem a menor paciência de procurar. De qualquer forma, acredito que resumem muito bem o padrão de política fiscal no Brasil.

P.S. Para poupar o trabalho de quem pensar em enviar um comentário falando da conta de juros, eu noto que esta era 7,8% do PIB em 1999 e caiu para 5,4% do PIB em 2008 (registrando o mesmo valor em 2009 e nos 12 meses terminados em maio de 2010).

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Impostos e seu custo invisível

Entre 1997 e os 12 meses terminados em maio de 2010 os gastos primários do governo federal cresceram, a preços de hoje, pouco mais de R$ 330 bilhões, dos quais R$ 250 bilhões desde 2002, uma velocidade equivalente a 6,3% ao ano acima da inflação, mais de duas vezes mais rápida que o PIB. Sem repasses a estados e municípios, o gasto federal atingiu 18,5% do PIB nos últimos 12 meses, o maior da história. No entanto, argumenta-se que o aumento do gasto não seria excessivo, pois a maior parte dele consistiria em transferências a famílias, e não de consumo do governo em si.

À primeira vista, o argumento pareceria inatacável: o governo tomaria recursos com uma mão, tributando a sociedade, enquanto com a outra os retornaria como pagamentos a aposentados, ou transferências aos atendidos por programas sociais, por exemplo, o bem-sucedido Bolsa-Família. Isto é, o governo atuaria como mero intermediário e a operação seria basicamente neutra do ponto de vista econômico, implicando melhora da distribuição de renda.

Contudo, para que isso fosse verdade seria imperativo que a cobrança de impostos não gerasse efeitos negativos sob o restante da economia. Em outras palavras, seria necessário que o volume de produção sob os impostos mais elevados fosse o mesmo que prevaleceria se os impostos não tivessem aumentado. Neste caso, a tributação apenas implicaria uma repartição diferente do mesmo produto e o argumento faria todo o sentido. Na prática, porém, não é o que vemos.

Em primeiro lugar porque impostos afetam os incentivos à produção, ainda que os recursos voltem para a coletividade. Imagine, por exemplo, que o custo adicional para se produzir um automóvel seja R$ 20 mil, mas que seu preço seja R$ 40 mil, com 50% de imposto. Ainda vale a pena produzir a nova unidade, mas, se o imposto por unidade passar para 55%, o preço líquido recebido será R$ 18 mil, insuficiente para cobrir seu custo. A decisão racional seria reduzir a produção até o custo cair a R$ 18 mil, mesmo se R$ 2 mil adicionais retornarem como transferência.

Embora a arrecadação crescesse (e fosse presumivelmente remetida à sociedade), ela não seria suficiente para compensar a queda do lucro privado, isto é, haveria perda de valor para a economia como um todo. Apenas se os impostos fossem independentes das decisões de produção (por exemplo, um imposto fixo por habitante, bastante injusto, diga-se) é que não haveria distorções como a descrita acima.

Em segundo lugar, a própria atividade de cobrar e pagar impostos é custosa, tanto para o setor público como para o setor privado. No que se refere ao último, de acordo com o projeto “Doing Business”, patrocinado pelo Banco Mundial, uma empresa ideal de porte médio precisaria de 2.600 homens-hora por ano no Brasil (o indiscutível campeão) para se manter em dia com suas obrigações, quase o dobro do segundo colocado (Camarões, com 1.400 homens-hora/ano) e cerca de 10 vezes mais que a média mundial, em torno de 290 homens-hora/ano (220 no caso da mediana). Vale dizer, recursos que poderiam ser empregados em tarefas mais produtivas são usados apenas para cumprir a burocracia associada a pagamentos de tributos no Brasil, em proporção muito superior à observada em outros países.

Resumindo, o peso dos tributos no Brasil implica uma produção menor por dois canais distintos: pela redução do incentivo à produção e pela utilização de recursos escassos que poderiam ser mais bem utilizados em outras atividades.

É enganosa, portanto, a suposta neutralidade por trás da “devolução” dos impostos. Há custos consideráveis, expressos em menor produção e crescimento, que deveriam ser levados em conta. Se há (como parece haver) uma troca entre crescimento e equidade, podemos até pensar em explorá-la, mas não sem entendê-la, e muito menos fingindo que ela não existe.

(Publicado 7/Jul/2010)

quinta-feira, 1 de julho de 2010

De volta para o Futuro

No último fim de semana o G20 (grupo dos maiores países desenvolvidos e emergentes) publicou uma declaração se comprometendo com o processo de consolidação fiscal nos próximos anos. Concretamente (ou, tão concretamente quanto documentos genéricos permitem), esta promete que países diminuirão seus déficits fiscais à metade até 2013, tarefa que requererá redução apreciável do gasto e, muito provavelmente, elevação não menos considerável de impostos. Curiosamente, por proposta semelhante, a Alemanha foi criticada por alguns de seus parceiros no grupo, que agora podem ter mudado de ideia.

A verdade, porém, é que, para alguns países, não há alternativa ao ajuste fiscal. Aqueles que encontram dificuldades para rolar suas dívidas e emitir novos títulos não têm escolha que não passe pela sinalização consistente que terão capacidade de honrar o serviço da dívida nos próximos anos, sob pena de enfrentarem custos crescentes na emissão de novos papéis. Sem isso, a elevação das taxas de juros nos títulos públicos não só manterá o crescimento muito baixo, mas também poderá levar à deterioração persistente da dinâmica da dívida pública.

No entanto, há países que não passam pelo mesmo tipo de constrangimento, e que poderiam, pois, manter o estímulo fiscal. Será que estes também deveriam se engajar num processo de consolidação fiscal? A resposta, como pretendo argumentar, é positiva, mas a sequência temporal do ajuste é uma decisão tão importante quanto sua magnitude.

Para entender isto, considere um exemplo muito simples, de um país que exista apenas por dois períodos, Presente e Futuro, gastando e tributando exatamente o mesmo valor em cada período. Para evitar complicações desnecessárias, suponha que a taxa de juros seja zero. Imagine agora que o governo decida elevar os gastos em $ 10 em ambos os períodos, sem elevação dos tributos no Presente. Isto significa que no Futuro não só o governo terá que aumentar os impostos em $ 10 para cobrir os gastos mais elevados, como precisará de $ 10 adicionais, para pagar a dívida herdada do Presente. Vale dizer, ao aumento de $ 20 em gastos ($ 10 em cada período), deve corresponder uma elevação de $ 20 em impostos no Futuro.

Sabendo disso, consumidores também deverão poupar $ 20 para pagar os novos impostos. Se preferirem, como costuma ser o caso, suavizar seu consumo, pouparão $10 no Presente e $ 10 no Futuro, compensando integralmente a expansão fiscal. No caso, o aumento do gasto público seria ineficaz para acelerar o crescimento.

Alternativamente, o país poderia elevar seus gastos apenas no Presente. Ainda precisaria aumentar seus impostos em $ 10 no Futuro para pagar a dívida contraída no Presente, mas não teria déficit naquele período. Assim, os consumidores só precisariam poupar $ 5 no Presente e $ 5 no Futuro. Isto significa que a elevação do gasto público conseguiria acelerar o crescimento no Presente, pois o aumento da poupança privada não seria suficiente para contrabalançar o impulso fiscal. Obviamente, no Futuro, com os gastos de volta a seu nível original e a poupança privada mais elevada, a economia cresceria mais devagar. De qualquer modo, um aumento temporário dos gastos teria efeitos positivos sobre o crescimento corrente.

Considere agora uma terceira alternativa. O governo eleva seus gastos em $ 10 no Presente, mas os reduz em $ 10 no Futuro. Neste caso não há necessidade de elevar os impostos e, assim, consumidores não alteram sua poupança. No Presente, portanto, o efeito do aumento do gasto sobre a demanda é total, isto é, a política fiscal é mais potente no sentido de acelerar o crescimento no Presente quando há um compromisso no sentido de reduzir o gasto público no Futuro.

Obviamente o mundo é bem mais complicado que o exemplo acima, mas, ainda assim, ele nos oferece um marco de referência para a política fiscal. Em particular, indica que um compromisso crível de redução de gastos futuros não deve ser prejudicial ao crescimento corrente. Pelo contrário, como argumentado, é provável que amplifique os efeitos da política fiscal no presente.

Além disto, o exemplo sugere que ajustes fiscais com ênfase na redução do gasto (ao invés de elevação de impostos) também implicam maior potência da política corrente. Mesmo que não queiramos interpretar literalmente este resultado, há bons motivos para crer que, privilegiando este aspecto da política fiscal, há melhores condições para a recuperação econômica. Adicionalmente, Alberto Alesina e Silvia Ardagna acharam sólida evidência sugerindo que ajustes pela redução de gastos teriam maior efeito para diminuir de forma persistente déficits e dívidas.

De maneira geral, portanto, ao menos em tese, a abordagem proposta pelo G20 parece ser a mais correta. Assim, se alguém está preocupado com a retomada do crescimento corrente, não deveria criticar um projeto de ajuste fiscal que promete consolidação apenas num futuro razoavelmente distante. Pelo contrário, moderação futura é precisamente o que garante a maior eficácia do esforço presente.

(Publicado 1/Jul/2010)